Os
fascistas ainda andam por aí. E hão-de andar. Pior é se ocupam cargos que podem
influir nas decisões de setores importantes da sociedade, da justiça, do
parlamentarismo, do legislativo, da democracia. E isso acontece. Há leis
fascistas que ainda estão em vigor. Acontece em Espanha, em Portugal, por esse
mundo fora. Em regimes que falsamente se arrogam de democráticos (ma non tropo).
Tanto
assim acontece que Nuno Ramos de Almeida, no jornal i, trás à baila o exemplo
de Espanha, de um juiz em Espanha que considera vítima um carniceiro
franquista, um assassino de mãos dadas com o fascista e ditador Franco. Pelo
visto o juiz sentiu na pele a democratização (assim-assim) do regime espanhol,
e vai daí condena a prisão uma jovem espanhola por sentir gáudio por num
atentado da ETA no período franquista o general - de estimação do ditador - Carrero Blanco ter sido
posto a “voar” dentro da sua viatura através de uma explosão perpetrada pela
ETA. Estava então Espanha em absoluto regime franco-fascista. Regime que perdurava devido a Franco estar rodeado de generais e outros que eram
acirradamente fascistas, lamentavelmente torcionários, assassinos. Eis a
justiça naquilo a que chamam democracia. Considerar vítima um general fascista
que foi cúmplice no assassinato de milhares de espanhóis. Esses sim, vítimas de fascistas como Carrero Blanco.
Não julguemos que tal só pode acontecer fora das fronteiras de Portugal, como em
Espanha. Tal pode muito bem acontecer neste país de uns poucos que controlam e
exploram milhões de portugueses – a exemplo das elites pelo resto do mundo. Aliás,
se assim não fosse nunca teria sido possível Portugal ter por presidente da República
um colaboragor da polícia política fascista conhecida por PIDE, depois DGS. E
foi, foi possível, Cavaço Silva. E então qual a impossibilidade de no setor da
justiça, em Portugal, ainda existirem juízes arraçados de Salazar, que um dia
condenem alguém que no Tweeter ou no Facebook façam gáudio ou humor negro pela
queda da cadeira de Salazar, que felizmente o levou à morte – se é que o
malvado não estaria já morto como ser humano e só a sua carcaça de ditador
fascista permanece-se movível dando a perspetiva errada de que estava vivo. Salazar,
ser humano? Apesar das torturas e dos assassinatos que tem no cardápio? Em "continuar a ler" saberá mais. (MM / PG)
Arriba
Franco, más alto que Carrero Blanco!
Nuno
Ramos de Almeida – jornal i, opinião
A
ETA entregou as armas no sábado e um tribunal espanhol condenou a um ano de
prisão uma jovem estudante por gozar com a morte de um carrasco franquista. A
história tem contas por fazer
Recentemente,
um jornal português escreveu a seguinte notícia:
“Em
Espanha, utilizar o Twitter para escrever humor negro sobre terrorismo nas
redes sociais dá pena de prisão. Um tribunal espanhol condenou uma mulher a uma
sentença de um ano por publicar piadas na rede social Twitter sobre o
assassinato do político espanhol Luis Carrero Blanco em 1973, altura em que
ocupava o cargo de primeiro-ministro, durante a fase final da ditadura.
Na
decisão, lida esta quarta-feira, a estudante espanhola Cassandra Vera, 21 anos,
foi acusada de ‘glorificação do terrorismo’ por 13 mensagens publicadas na rede
social entre 2013 e 2016 a falar da morte de Carrero Blanco, num atentado
bombista da ETA. ‘Filme: Três metros sobre o céu/ Produção: Filmes ETA/
Diretor: Argala [membro da organização terrorista ETA]/ Protagonista: Carrero
Blanco/ Género: Viagem espacial’ é um dos exemplos, referidos pelo tribunal,
numa lista tornada pública por Vera. (…) As autoridades espanholas consideram
(…) que as frases, acompanhadas frequentemente por imagens, ‘reforçavam um
caráter de descrédito, gozo e escárnio a uma vítima de terrorismo’. Para o
tribunal não é lógico oferecer uma pena mais leve pelo facto de o atentado da
ETA (…) ter ocorrido há mais de 40 anos. ‘A cicatriz do atentado persiste,
mesmo que com menos intensidade, e as vítimas de terrorismo continuam a ser uma
realidade inquestionável que merece respeito e consideração, independentemente
da altura’, lê-se no comunicado do tribunal sobre a decisão.”
“Arriba
Franco, más alto que Carrero Blanco” era a frase que os antifascistas espanhóis
faziam soar e pintavam nas paredes depois da execução do almirante Carrero
Blanco, primeiro-ministro e chefe dos serviços secretos, por um comando da ETA
Militar. Esta sentença descrita numa notícia é uma profissão de fé na ditadura
franquista. O homem que mandava torturar e executar antifascistas com um
garrote passa a vítima do terrorismo merecedora de respeito. Quem ironiza com
os ditadores e os seus carrascos de fila é condenado em tribunal pela mesma
justiça que expulsou o juiz Baltazar Garzón por pretender julgar os crimes do
franquismo. Não assistimos apenas ao impedir que se conheça e castigue os
autores que levaram à morte, apoiados por tropas nazis alemãs e fascistas
italianas, de centenas de milhares de pessoas na guerra civil, instaurando uma
ditadura que torturava e executava os seus opositores; condenamos aqueles que,
com perigo da sua própria vida, executavam os carrascos. O fantástico no relato
desta notícia não é só o descrito, mas é sobretudo como se descreve. A
jornalista portuguesa, que em nenhum momento tenta perceber quem era o angélico
Carrero Blanco, vê-se compelida a explicar com parênteses retos [quando nós,
jornalistas, fazemos entrar qualquer coisa num texto como se fosse um comentário
ou acrescento de quem escreve] que Argala, membro do comando da ETA Militar,
era um “terrorista da ETA”. A soma destes dois factos, o comportamento da
justiça de Madrid e a forma como o senso comum jornalístico trata o acontecido
a 20 de dezembro de 1973, quando o comando Txikia [nome de um dirigente da ETA
assassinado a tiro pela polícia] fez voar o carro blindado do almirante Carrero
Blanco, mostra que quem ganhou a guerra e continua a mandar são os herdeiros
putativos, travestidos em democratas, do franquismo.
Mesmo
a causa basca, com os seus momentos de heroísmo e tragédia e a sua viagem pelos
infernos, está hoje submergida na propaganda dos vencedores da guerra civil. O
massacre dos bascos pelas tropas franquistas e a destruição da sua liberdade
antecedem o nascimento da ETA. E se é verdade que esta organização continua a
matar depois da “transição para a democracia”, negociada com os franquistas,
é-o ainda mais que nenhuma das questões anteriores à ETA, as suas balas e
bombas, foi resolvida. Nem os franquistas foram condenados, nem as instituições
que vieram do regime foram dissolvidas, nem mesmo se permite aos bascos decidir
livremente o seu futuro. O ano passado assinalaram-se 40 anos do massacre de
Vitória. Junto ao sítio onde caíram os corpos em sangue dos operários bascos em
greve há um conjunto de cruzes. Apareceram pintadas com símbolos franquistas.
Não consta que os tribunais espanhóis se tenham indignado, e a polícia apanhado
os autores deste crime. Este sábado, a ETA entregou as armas. O texto antigo
que se segue é sobre o que está por detrás das armas.
Era
uma vez um fracasso. Falo de uma revista com o nome de “Pott”, que quer dizer,
mais uma vez, fracasso, em euskera (basco).
Vivia-se
o início da segunda metade da década de 70. Na Europa ocidental e civilizada
eram os “anos de chumbo” (uma espécie de ressaca dos “68” de todas as
promessas); no Estado espanhol, a transição do franquismo ainda não se dera.
Ainda soava nos ares a voz do cantor catalão Lluis Llach, que assinalava a sangrenta
repressão junto à igreja de São Francisco de Assis, em Gazteiz (Vitória), a 3
de março de 1976:
“Campanades
a morts
fan
un crit per la guerra
dels
tres fills que han perdut
les
tres campanes negres”
No
chão, junto à igreja do bairro operário, ficaram tombados cinco mortos (os três
da canção e mais dois baleados) e mais de 150 feridos. Os cinco mil operários,
reunidos na igreja, tinham sido expulsos do templo a tiros de gás lacrimogéneo.
À saída, a polícia franquista tinha-os fuzilado à queima-roupa. Nas ruas
cinzentas de Bilbau, alguns jovens tateavam um novo caminho. Tomar os céus de
assalto tinha, por enquanto, falhado. Seria possível, pelo menos, mudar a
“terra dos que falam basco” (Eukal Herria), salvar a língua e construir uma
comunidade imaginada. Três deles simbolizam, muitas décadas depois, os
diferentes caminhos da revista “Pott” (como fracasso). Fixemos os nomes: Jon
Juaristi, José Irazu Garmendia (Bernardo Atxaga) e Joseba Sarrionandia. Na
altura da fundação da revista apenas ultrapassavam os 20 anos e, como se sabe,
nessa idade tudo é possível . Na senda do poeta e comunista Gabriel Aresti,
falecido prematuramente aos 42 anos, queriam, nas palavras de Atxaga, “escrever
numa língua estranha que nunca pisou os jardins da corte”.
Como
gritava nas letras Gabriel Aresti, num dos mais célebres poemas bascos da
época:
“Tirar-me-ão
as armas, e, com as minhas mãos,
eu
defenderei a casa do meu pai;
Cortar-me-ão
as mãos e, com os meus braços,
eu
defenderei a casa do meu pai;
Deixar-me-ão
sem braços, sem peito e, com a minha alma,
eu
defenderei a casa do meu pai;
Eu
morrerei
a
minha alma perder-se-á
a
minha linhagem perder-se-á,
mas
a casa do meu pai
continuará
de
pé”
Décadas
depois, a “Pott” é uma memória, mas o fracasso perdura. Vejamos os caminhos que
levam cada um dos três bascos aos territórios que ocupam. Jon Juaristi
converteu-se no intelectual de serviço na denúncia do nacionalismo como
identidade assassina. Viveu anos sob a ameaça da ETA Militar, dá entrevistas em
sítios secretos e seguros.
Nos
seus livros, como “El bucle melancólico”, denuncia histórias escutadas e
repetidas na sua juventude: “Muitos bascos da minha geração estiveram expostos
aos significantes deletérios deste tipo de histórias – narrações sacrificiais
de amor e imolação, de heroísmo e de culpa, de traições e de derrotas” e,
acrescenta Juaristi, “porque o nacionalismo basco só sabe uma coisa (…) mas
sabe-o muito bem: é necessário perder para ganhar, manter vivos os agravos para
que o sacrifício das várias gerações se mantenha politicamente rentável.” Por
sua vez, Bernardo Atxaga transformou-se no mais conhecido escritor basco,
“Obabakoak”, “El hombre solo” e “Lista de locos” são alguns dos seus livros.
Politicamente apoiou, em tempos, a Esquerda Unida (comunistas).
Num
pequeno texto do livro “Nueva Etiopía”, Atxaga relata um diálogo com um amigo
historiador mantido enquanto estavam parados nos engarrafamentos de Bilbau. O
escritor diz ao companheiro de viagem que encontrou um armazém de livros
invendáveis, uma espécie de “cemitério de ilusões”. Aqui se encontrariam obras
de Mao, Marx, Lenine e Trotski e memórias de mulheres libertadas e
revolucionárias.
“Os
mesmos livros que há 15 ou 20 anos circulavam entre a juventude inquieta com
desejos de mudar a realidade; os mil textos, tantas vezes citados e comentados,
que tanto haviam influenciado a vida (…). Não tinha sido preso um companheiro
de turma por ter as obras de Mao? Não tinha ido para o campo um grupo de
estudantes da nossa faculdade, para trabalhar com os assalariados rurais,
porque tinham lido Kropotkin? Por outras palavras, os livros que víamos mortos
naquele armazém haviam sido mais do que um monte de páginas: representavam os
desejos de muita gente, a sua rebeldia e a sua luta. E agora estavam
abandonados naquele armazém perdido da periferia.”
O
amigo responde-lhe que “seria reacionário recusar a possibilidade de
transformar uma realidade que, a todas as luzes, continua a ser indesejável.
Porém, recusar um erro, uma simplificação, um ponto de partida falso não pode
ter nada de reacionário”. Há livros enterrados que esperam ser redescobertos.
O
vértice desta bifurcação em que participam Juaristi e Atxaga é Sarri (aliás,
Joseba Sarrionandia), que é preso em 1980, acusado de ser membro da ETA
Militar, e condenado a 28 anos de prisão. A 7 de julho de 1985 escapa da cadeia
de Matutene, escondido numa aparelhagem sonora que tinha sido utilizada para
dar um concerto no estabelecimento prisional. Desde então, este homem, que
traduziu Pessoa e Jorge de Sena para euskera, continua fugido. Como por
encantamento, todos os anos aparecem livros seus. O lugar onde se encontra
permanece secreto; pistas, talvez, só a letra, em português, do fado que mandou
ao cantor Mikel Laboa:
“Não
és tu faculdade de sentir um espaço/ Terminado por linhas ou superfícies/ E não
obstante chove sobre ti na cidade”
Há
um poema seu que ilustra bem – provavelmente sem ser essa a intenção do seu
autor – a situação de fracasso daqueles que resistem nas suas convicções sem
conseguirem fugir a uma lógica perversa, admiravelmente enredados, para além de
toda a coerência. Talvez esta seja a conclusão possível desta primeira
história.
“El
viagero se aventura a través del labirinto aunque apenas sí recuerda cuándo ni
por dónde entró.
Supone
que el camino ha de ser un laberinto Pues advina en lo nuevo reflejos del ayer.
Mas no son reflejos amables, son vástagos del miedo Pues le revelam que cae,
que se derrumba hacia el centro.
Pero
hay un centro acaso?
No
cae hacia los bordes?”
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