Martinho Júnior | Luanda
1-
As Forças Armadas Sírias, consolidando as suas posições desde Alepo (a norte)
até Daraa (a sul), nas regiões mais populosas e mais cosmopolitas do país,
estão a lançar ofensivas nas direcções leste e nordeste.
As
ofensivas a leste têm como pontos de partida (de sul para norte) Daraa,
Damasco, Homs, Idlib e Alepo.
A
norte tendem a atingir o Eufrates onde o Estado Islâmico possui Raqah e está já
em vias de perder Deir ez-Zor, evitando atacar o cantão curdo de Efrin, no
espaço mais ocidental de Rojava.
2-
Um dos aparentes escolhos contudo no seu caminho é a “de facto” autonomia
confederada curda cujo território é conhecido como Rojava, que se situa em
grande parte a norte da margem esquerda do rio Eufrates, entre esse rio e toda
a fronteira síria com a Turquia.
Existem
nela três cantões “de facto”: Efrin, Jazira e Kobani, além de “enclaves” na
região de Shabaa e a sua proclamação como Federação do Norte da Síria (Rojava),
aconteceu a 17 de Março de 2016, como um dos episódios marcantes do quadro da presente
confrontação.
A
Federação do Norte da Síria, que dá consistência ao Curdistão sírio, não sendo
reconhecido por estado algum a nível internacional, é um exemplo de democracia
participativa progressista, organizada em cantões e comunas, auto integrando-se
nos aspectos organizativos e militares, com milícias suficientemente fortes
para expulsar o Estado Islâmico das áreas cobertas pelo seu sistema, apesar da
incompatibilidade com a autoridade do Estado Sírio, em relação ao qual tem
conseguido pragmatismo suficiente ao ponto de haverem até hoje e tacitamente,
aceitações recíprocas, que todavia não têm sido espelhadas nas conversações
alargadas até agora em curso.
O
Partido da União Democrática é o sustentáculo sócio-político do sistema
progressista de Rojava, que possui milícias masculinas e femininas, em pé de
igualdade e em função da Constituição da Confederação em vigor.
Rojava
é já um exemplo dum consistente processo poli-étnico, democrático e
descentralizado, (democracia directa, igualdade de género e sustentabilidade),
sujeito a constante prova de fogo, que eventualmente poderia ser aproveitado
pelo Estado sírio como um futuro modelo, se as influências externas de uns e de
outros conseguissem conjugar esforços nesse sentido (a mais optimista das
previsões, que é contrariada desde logo pelos intervenientes mais poderosos).
Rojava,
tem aproximadamente 4,6 milhões de habitantes, que se espalham pela faixa.
Os
curdos sírios são uma minoria que corresponde a 9% da população total síria,
mas na região, sendo maioritários, há outras minorias compatibilizadas com os
curdos (árabes, turcomenos, assírios, arménios e carcasianos), que estão
integrados nos autossustentados cantões; por essa razão além do curdo, as
outras línguas faladas nos cantões são o árabe e o siríaco.
3-
Mesmo em relação às outras instituições sócio-políticas curdas no Iraque, no
Irão e na Turquia (os curdos são minoritários em todos eles), Rojava
distingue-se pelas suas posições progressistas, num esforço para se aproximar
das ideias de Abdullah Ocalan (“Confederalismo Democrático”), o líder curdo do
banido (pelo poder de Erdogan) Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK),
condenado à morte e até agora mantido em isolada prisão na ilha turca de
Imrali, no Mar da Mármara(onde é o único preso).
A
Confederação tem contribuído para criar um eventual clima de aproximação aos
ainda que imprevisíveis enlaces dos Estados Unidos com a Rússia, pois se os
primeiros, conjuntamente com a França e Grã-Bretanha (antigas potências
coloniais na região), a apoiam, a Rússia não a hostiliza pelo que qualquer
política pragmática que vise impedir a “balcanização” da Síria, é
facilitadora da conjugação de esforços.
A
aproximação a Rojava possibilita, numa Síria não “balcanizada”, baseia-se
em uns poucos princípios básicos em relação ao Partido Baas Sírio, com suas
políticas laicas, multiétnicas e socialistas, em relação às quais a
Confederação vai muito mais longe, por via de processos participativos que
colocam as mulheres em pé de igualdade com os homens (inclusive nas suas
corajosas milícias), assim como na valorização dos processos produtivos
autossustentados locais e nas comunas, que são a base sócio-política dos
cantões.
Se
quisermos encontrar uma similar histórica a Rojava, encontrá-la-emos no exemplo
do que foi a República Espanhola, que seria esmagada pelos nazis e fascistas em
Espanha, antes da IIª Guerra Mundial, no início da década de 30.
O
poder de Erdogan, em relação a Rojava é hostil, contrastando com as posições
dos seus aliados na NATO, com a Rússia e com a própria Síria.
Para
ele os curdos deveriam lutar contra o Governo sírio e tem procurado de facto
levá-los a isso, até agora sem resultados satisfatórios.
O
Governo turco procura manipular sempre sobre os curdos: incentiva atritos entre
as várias sensibilidades sócio-políticas curdas dentro e fora de suas
fronteiras e, sempre que achar necessário, faz prisões, promove “cirúrgicos” ataques
militares (inclusive bombardeamentos aéreos) e chega até a procurar
geoestratégias de carácter expansionista à custa dos curdos no Iraque e na
Síria, de forma a dar espaço às potencialidades de “balcanização” ao
redor de suas fronteiras a sul.
Face
à Turquia, Rojava procura encontrar pontos de apoio e “guarda-chuva”, não
só com os curdos iraquianos (“peeshmerga”), mas tirando partido do apoio dos
Estados Unidos e alguns dos seus aliados, uma espinha espetada na garganta do
poder de Erdogan.
O
jornalista Pepe Escobar vê assim a situação decorrente:
“Kobani
é hoje pois um peão crucial num jogo impiedoso manipulado por Washington,
Ankara e Arbil (ou Irbil ou Erbil).
Nenhum
desses atores quer que floresça o experimento de democracia direta em andamento
em Kobani e Rojava, que se expanda e que comece a ser divulgado por todo o Sul
Global.
Há
altíssimo risco de que as mulheres de Kobani, se não forem escravizadas, sejam
amargamente traídas.”
A
reedição da República Espanhola, um pequeno sinal luminoso entre as trevas no
Médio Oriente, corre riscos de vir a morrer no ovo, tal como aconteceu em
Espanha, no século passado!
O
carácter do movimento e a coragem dos curdos sírios, é todavia um inegável
mérito que todos, duma forma ou de outra são obrigados a respeitar!
Mapas:
Os cantões de Rojava; Rojava na Síria; território de Rojava em 2016; recente
configuração de forças na Síria.
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