Em
inícios de 2015, Marine Le Pen já era apontada como uma potencial vencedora das
eleições presidenciais de 2017. Então, recebeu o Expresso para uma entrevista
exclusiva, na qual confessou gostar dos portugueses, recusou o epíteto de
extrema-direita, defendeu a saída do euro, a nacionalização da banca, o
restabelecimento da pena de morte e o fecho das fronteiras para imigrantes.
Este domingo, Marine está mais perto do que nunca de ocupar o Palácio do
Eliseu. Releia a sua entrevista ao Expresso publicada a 21 de março de 2015
Pronto,
respondi-lhe sempre sem papas na língua, hein?”. Marine Le Pen (formada em
Direito, de 46 anos) fala assim, com exclamações diretas, por vezes joviais.
“Sem papas na língua” é, de facto, o mínimo que se pode dizer no fim da longa
entrevista exclusiva ao Expresso, no seu pequeno gabinete no edifício do
Parlamento Europeu, em Estrasburgo, onde é deputada. A líder da Frente Nacional
(FN) respondeu a todas as perguntas, recorrendo por vezes a imagens
inesperadas. Ela, que não desmente ter uma “história de amor” com os
portugueses de França, compara por exemplo Durão Barroso a um chefe dos guardas
da prisão que, para ela, é a União Europeia (UE). Segundo a filha de Jean-Marie
Le Pen, fundador da FN, Angela Merkel é a patroa de tudo, a “diretora da
prisão”. Em vésperas de eleições departamentais (nos diversos departamentos das
regiões francesas), para as quais a FN parte em primeiro lugar, segundo as
sondagens, Marine Le Pen desenvolve nesta entrevista, com convicção apoiada em
sorrisos, alguns sarcasmos e gestos largos, as suas propostas para a Europa —
saída da França da UE, fim do euro, fim da imigração, regresso das fronteiras,
fim de Schengen e da livre-circulação, regresso à Europa das Nações. Diz
defender a restauração da pena de morte em França para os crimes mais graves,
como o terrorismo.
Sem
mãos a medir, em campanha eleitoral e com 25 pedidos de entrevistas só para a
imprensa estrangeira, Marine Le Pen é a nova estrela da política francesa. É
dada como vencedora de todas as eleições em França, incluindo as presidenciais
de 2017. O primeiro-ministro, Manuel Valls, confessou há dias que tem medo
dela, receia que a França se estilhace contra a FN já em 2017. Foi designada
como a adversária principal a abater pelo Presidente, François Hollande, e pelo
seu antecessor, Nicolas Sarkozy. Se Barroso é o chefe dos guardas da prisão,
estes dois franceses são prefeitos às ordens de Bruxelas, diz.
O
primeiro-ministro, Manuel Valls, diz que tem medo de si e da Frente Nacional
(FN), e garante que você pode chegar à Presidência francesa já em 2017. Como
comenta?
É a estigmatização permanente do que eu represento: o patriotismo, a defesa da França e do seu povo contra a União Europeia e a globalização. Na realidade, Manuel Valls está em pânico, porque a FN é hoje o primeiro partido de França e, ao dizer o que disse, fica desacreditado como republicano e como democrata. Ele tem medo de perder o seu lugar, de perder o poder. É disso, de facto, que ele tem medo, da democracia e de ver o seu futuro político em perigo, mesmo antes das presidenciais. Ele está muito implicado na campanha eleitoral para as departamentais dos próximos dias 22 e 29 e o seu futuro está em jogo nestas eleições porque a FN vai ampliar a vitória das recentes eleições europeias. O que ele disse apenas confirma que ele e a direita de Nicolas Sarkozy estão prontos a fazer tudo para impedir a vitória da FN. É uma confissão, obsessiva e compulsiva, de um homem derrotado, que depois da previsível derrocada, nas departamentais, deverá assumir as consequências e demitir-se.
Acredita
mesmo que pode ganhar as mais importantes eleições francesas, como as
presidenciais e as legislativas, apesar da lei eleitoral maioritária a duas
voltas, que a prejudica?
Claro que acredito. Vai constatar isso mesmo nos dois últimos domingos deste mês de março. As departamentais decorrem sob a lei eleitoral maioritária a duas voltas, mas mesmo isso não nos vai prejudicar. Esse sistema eleitoral foi de facto criado para impedir partidos como o nosso de chegarem ao poder, mas quando a FN atinge 30 por cento dos votos, ou mais, como se prevê nas sondagens, a lei vai acabar por nos beneficiar tanto ou mais do que se as eleições decorressem sob a lei proporcional. Vai constatar isso nas departamentais.
Não
precisa, portanto, de fazer alianças com outros partidos para ganhar na segunda
volta? Acredita que ganha o Eliseu em 2017?
Não serão necessárias alianças porque a dimensão da nossa vitória na primeira volta vai ser de tal forma grande que o próprio sistema eleitoral maioritário criará uma dinâmica imparável a nosso favor.
Para
as departamentais a FN é o partido que apresenta mais candidatos de origem
portuguesa. Muitos portugueses e seus descendentes dizem gostar de si. Há uma
“história de amor” entre a Marine e os portugueses de França?
Os portugueses são meus amigos e eu gosto deles. Tiveram uma educação com valores tradicionais, de respeito, são trabalhadores, é gente de valor, e é por isso natural que me apoiem. São respeitadores das leis francesas e do nosso modo de vida, e criticam duramente os abusadores, são mesmo mais duros e mais radicais do que eu contra os estrangeiros delinquentes, os fundamentalistas islâmicos e os que abusam do nosso generoso sistema social.
No
entanto, é contra o ensino de línguas e culturas de origem aos filhos dos
imigrantes. Defende a assimilação dos estrangeiros em França, conceito que
integra alguma violência, e não a integração. Por que razão?
Temos de acabar com esse tipo de ensino que não favorece a harmonia na sociedade mas sim o comunitarismo, que evidencia alguns desvios muito perigosos. Os filhos dos imigrantes precisam de saber falar bem francês desde a escola primária e o que devem aprender sobretudo são disciplinas fundamentais como a língua, a história e a geografia da França. Não sou contra que as crianças aprendam a história dos países dos pais, a sua língua, mas no seio da família, não no sistema escolar nacional. A escola deve ser a âncora republicana, deve precisamente fabricar franceses de corpo inteiro e não remeter as crianças para as suas diferenças.
O
antigo sistema de integração dos estrangeiros em França falhou totalmente?
Não é um sistema tão antigo como isso, é um sistema até bastante recente. Antigamente, o que existia era a assimilação, que era de certo modo, reconheço, uma forma de violência. As pessoas tinham de abandonar uma parte de si mesmas, uma parte da sua identidade. Precisamente esse sacrifício, que eu não minimizo, era um elemento do julgamento da parte da comunidade que as recebia e demonstrava a vontade dos imigrantes de participarem plenamente na nova comunidade nacional de acolhimento. Portanto, a França abandonou a assimilação em benefício do sistema de integração, que é um mil-folhas anglo-saxão, isto é, dizíamos aos estrangeiros: ‘Venham e fiquem como são’...
Quando
aconteceu isso?
Foi a partir dos anos 1970/80. Dissemos aos imigrantes: não mudem, conservem os vossos hábitos e costumes, os vossos modos de vida, as vossas línguas, as vossas maneiras de vestir... E assim, de facto, a assimilação, que funcionava extremamente bem, que sempre funcionara bem, foi abandonada. A integração contribuiu para a criação de uma sociedade multicultural e eu penso que as sociedades multiculturais são sociedades, a prazo, multiconflituosas. Veja o exemplo do incrível desenvolvimento do islamismo radical aqui.
Acha
que existe realmente uma vaga, um grande movimento de islamismo radical bem
implantado e enraizado em França?
Não sei se existe um grande movimento radical, mas existe um desenvolvimento do fundamentalismo islâmico. Por uma razão simples: o comunitarismo ajudou a que nalgumas zonas as leis da República sejam recusadas em benefício da lei imposta pelos chefes de gangues e pelos fundamentalistas religiosos. E esses bairros tornaram-se uma espécie de viveiros de recrutamento. A partir daí, eles pensam: porque não ir mais longe? Porque não fazer aplicar a sharia? Porque não contribuir para a jihad? Esse movimento de recrutamento alastrou, com financiamento estrangeiro e com mesquitas que desenvolvem um discurso extremamente radical e antifrancês. Nada é feito hoje, e nada foi feito pelo Governo depois dos atentados de janeiro para pôr fim a isso. Não é apenas com um site na internet stopjihadisme.gouv.fr que o Governo vai resolver esse problema...
Mas
algumas pessoas com ligações a esses meios e aos terroristas têm sido presas.
Sim. Mas muito poucas. As autoridades não atacam as causas, apenas atacam as consequências. Quer dizer: metem na prisão os que apanham e que podem estar ligados a atentados. Mas não atacam as raízes desse mal para que não continue a disseminar no país os frutos podres do terrorismo islamita. Contra essas causas nada se faz. Perante as múltiplas reivindicações político-religiosas, de vestuário, alimentares, contra o código do trabalho, etc., nada tem sido feito. Pelo contrário, essas reivindicações comunitaristas têm-se intensificado.
É
pelo restabelecimento da pena de morte para casos como por exemplo os
terroristas?
Pessoalmente, sou a favor do restabelecimento da pena de morte. Prometi que organizarei um referendo sobre a pena de morte porque penso que os franceses devem ser interrogados a esse respeito. Para os crimes graves, os que atingem as crianças, as pessoas idosas, ou para os atos terroristas, penso que a pena de morte deveria figurar no nosso arsenal jurídico. Creio que a existência da pena morte é suscetível de fazer refletir duas vezes as pessoas que hoje apenas correm riscos limitados quando cometem essas atrocidades.
Sobre
a Europa. É pela saída da França da UE e pelo fim do euro. É possível fazer
isso sem provocar grandes tensões entre os diversos países europeus?
Mas é hoje que as grandes tensões existem! Elas veem-se bem. As tensões nunca estiveram tão fortes como atualmente, veja em que estado estão as relações entre a Alemanha e a Grécia. Veja o que se passa entre os países do norte e os do sul. Os do norte tratam os do sul como parasitas, gastadores, preguiçosos. Quanto mais se avança mais a UE se transforma num palco onde decorre uma guerra económica, um dumping social, entre os diferentes países; e onde também decorre uma guerra psicológica que não une os diferentes povos mas sim, ao contrário, os divide cada vez mais e os põe em confronto. Penso que as nações são a estrutura mais adequada para ao mesmo tempo assegurarem a defesa dos interesses dos seus povos e sobretudo para criarem relações equilibradas entre as diferentes nações.
Acha
mesmo possível acabar com o euro de forma pacífica?
Se não é possível deveriam ter-nos prevenido! Isso não é nada democrático! Não são os povos que decidem? Se nos vêm agora explicar, como fazem em relação à Grécia, que os povos podem votar mas que, na realidade, o seu voto não tem qualquer importância nem influência, quer dizer que estamos numa ditadura. É o que eu chamo a ‘euroditadura’.
Pensa
que é isso mesmo que se está a passar atualmente entre a UE e a Grécia?
É claríssimo que eles querem impor tudo à Grécia. Digo muito claramente que não é o povo grego que é soberano na Grécia. É a ditadura europeia que impõe à Grécia o que deve fazer e como o deve fazer. Neste caso da Grécia, a UE está a comportar-se como o agente da autoridade que chega a sua casa e lhe diz: 'Olhe, para saldar as suas dívidas, vamos vender o sofá e o frigorífico, vai ter de deixar de pagar os estudos dos seus filhos, etc.'. É tudo salvo a democracia e a soberania nacional. Vimos bem, com este caso grego, que o euro e a austeridade estão intimamente ligados e o Governo grego, que acreditou que iria conseguir virar as costas à política de austeridade mantendo-se no euro, dá-se conta hoje do que eu chamo a 'eurosteridade'. O euro e a austeridade estão indissoluvelmente ligados.
Acha
que Tsipras vai ser 'engolido' pela UE?
De duas, uma: ou ele constata esta situação e decide fazer um referendo para sair do euro ou se submete à política de austeridade imposta pela troika e pela UE.
É
pelo regresso ao antigo franco e pela nacionalização dos principais bancos?
Sim, penso que temos de distinguir entre bancos de depósitos e bancos de negócios. Se um banco tem problemas é preciso nacionalizá-lo, mesmo de forma temporária. Digo-lhe, aliás, de passagem, que foi o que fez a muito liberal Grã-Bretanha. Por muito liberal que seja, a Grã-Bretanha compreendeu que o 'Estado-estratego' deve defender o interesse dos seus compatriotas e não hesitou em nacionalizar bancos quando foi necessário. Nós não queremos regressar ao antigo franco, mas sim criar um novo franco, com um euro igual a um franco. Nós vemos bem o que se passa hoje. Constatamos, é preciso sublinhar, que a UE organiza a concorrência internacional desleal no próprio seio da união e que os países não param de divergir quando, precisamente desde há 20 anos nos explica que é preciso que eles convirjam.
Como
vê o papel da troika em Portugal e na Grécia, por exemplo?
Penso que esse organismo tripartido está a reenviar os países para a idade média económica. É uma hidra com três cabeças cujo único objetivo é defender os interesses dos bancos, das grandes instituições financeiras, dos credores dos países e de modo algum defender os interesses dos povos. Basta ver, por exemplo, os milhares de milhões que foram transferidos desde há três anos para a Grécia. Hoje, um braço-direito da senhora Merkel confessa que na realidade esse dinheiro não foi para a Grécia, não chegou ao povo grego, foi para os bancos. A ação da troika visou sobretudo permitir aos bancos franceses e alemães retirarem o seu risco da Grécia e transferirem esse risco para os estados. É, portanto, uma gigantesca fraude e as vítimas são os povos europeus.
Ainda
sobre a UE, a imigração e as fronteiras. Parece-me muito dura, não deveria ser
mais humana e aceitar receber, por exemplo, pelo menos quem sofre com a fome,
as guerras e as ditaduras?
A caridade tem de começar em cada país. Eu, em França, tenho nove milhões de pobres. Não podemos ajudar o mundo inteiro quando deixamos o nosso próprio povo na miséria. Neste caso, a questão que se deve colocar não é a de ser generoso ou não, é a do abandono. É um pouco como o caso de uma mãe de família que convidaria todos os habitantes do seu prédio para jantar quando os seus próprios filhos morrem de fome. Ela seria perseguida por maus tratos. Portanto, os governos que põem os outros à frente dos seus deveriam ser perseguidos por maus tratos em relação ao seu próprio povo.
Se
a França sair da UE, vai pôr em causa a livre-circulação de pessoas nos países
europeus? Por exemplo, os portugueses, que são europeus, deixarão de ter esse
direito?
Claro, e será para todos. Penso que um país não é um verdadeiro país se não tem fronteiras. Do mesmo modo, não seremos proprietários de um apartamento se este não tiver portas ou janelas. Deveremos poder impedir que uma pessoa possa entrar em qualquer país ou em qualquer apartamento para aí se instalar. Quando recebo alguém em minha casa, fico feliz, mas essa pessoa tem de ser convidada. As pessoas têm de pedir autorização antes de entrar. Na realidade, a livre-circulação permitiu todos os tráficos e a liberdade para todas as máfias.
Propõe,
portanto, o fim imediato de Schengen...
Pois. Voltaremos ao sistema com o qual vivemos no passado. Quer dizer: você quer ir viver para outro país, primeiro pede autorização e frequentemente tem uma resposta positiva.
Faz
uma ligação entre a imigração, por exemplo de países muçulmanos, do Magrebe, e
o terrorismo islâmico, o islamismo radical?
É certo que o islamismo radical não nasceu, cresceu e se desenvolveu sozinho nas planícies da Normandia. Há pessoas que vieram, que criaram mesquitas onde pregaram o islamismo radical. Há imãs, religiosos, que fazem sermões que são apelos ao ódio e que, frequentemente, nem têm a nacionalidade francesa. Há excessos evidentes. Claro que os imigrantes do Magrebe não são todos fundamentalistas islâmicos. Mas todos os fundamentalistas islâmicos, num momento ou noutro, ou foram recrutados por pessoas que vieram divulgar em França essa ideia da jihad ou foram recrutados pelos que aderiram a essa ideia. Volto a repetir que o que facilita o desenvolvimento do fundamentalismo é o comunitarismo e o comunitarismo é facilitado pela imigração maciça, anárquica, desregulamentada, num momento em que o nosso país tem uma taxa de desemprego absolutamente histórica e uma taxa de pobreza que é elevadíssima.
Portanto,
se a França tem necessidade de imigrantes, o que propõe é uma imigração
controlada.
Não, a França não tem necessidade de imigrantes, tem cinco milhões de desempregados.
Vejamos:
agora propõe o fecho das fronteiras... e se a França um dia tiver necessidade
de imigrantes como tem acontecido frequentemente?
Se um dia tiver essa necessidade veremos. Eu não tenho uma posição ideológica sobre tudo isso. De qualquer modo penso que a imigração deve ser sempre em número razoável porque, caso contrário, criamos pontos de fixação, criamos guetos e vamos para a tal sociedade multicultural que os franceses não querem. E, por fim, concordo consigo, é preciso ter necessidade de imigrantes. Atualmente não há trabalho, para quê permitir a imigração? Para importar desempregados? Neste momento não tem qualquer sentido, nem economicamente, nem financeiramente, nem moralmente.
Diz
que não há aumento da islamofobia em França, contesta os números que apontam
nesse sentido?
Se houvesse islamofobia em França não haveria tantos imigrantes muçulmanos a quererem vir, constantemente a chegar. Se eles vêm é porque consideram que aqui são bem acolhidos. Essa é a primeira coisa. A segunda é que eu contesto a ideia de que, desde há algum tempo, existe uma subida espetacular da islamofobia em França. O problema é que os que fazem esses cálculos são eles próprios membros do Conselho Francês do Culto Muçulmano, que é controlado pela organização dos Irmãos Muçulmanos. Não vejo nenhuma boa razão para acreditar nas estatísticas deles porque eu sei muito bem que essas estatísticas visam colocar no mesmo plano factos que não podem nem devem ser comparados. Lembro-me de ler num dos relatórios deles que, no organismo que trata do desemprego, perguntaram a uma mulher muçulmana se ela aceitava tirar o véu para trabalhar numa administração. Consideraram essa pergunta como islamofóbica. Claro que este género de técnicas, que consistem em contabilizar este tipo de casos, faz aumentar artificialmente os números da islamofobia. Tenho o sentimento de que esses organismos querem tentar fazer uma espécie de concurso com o aumento do antissemitismo, que esse é real.
Reconhece
que se verifica um aumento do antissemitismo. Liga-o aos muçulmanos?
Existe de facto um aumento do antissemitismo. Está evidentemente ligado ao fundamentalismo islâmico. Não se podem comparar os atos anti-islâmicos com os atos antissemitas. Permita-me não comparar uma pichagem numa parede de uma mesquita com os assassínios de crianças judias, em Toulouse, feitos por Merat, ou com os atentados de janeiro em Paris que mataram polícias, jornalistas e judeus.
No
passado, com o seu pai, Jean-Marie Le Pen, o seu partido, Frente Nacional (FN),
tinha conotações fortes de extrema-direita, mesmo antissemitas. Desde que
chegou à presidência, em 2011, modernizou-o e deu-lhe uma imagem mais moderada.
A Marine Le Pen é o quê? Nacionalista? Não gosta que os jornalistas digam que é
de extrema-direita. Como gostaria que a classificássemos?
Sou patriota. Considero que a nação é uma estrutura sem a qual não podemos viver. Se o fizermos, se abandonarmos a defesa da nação, como faz atualmente a maioria da classe política, que está numa visão europeísta que, de facto é uma visão pós-nacional, caímos num sistema que não é nem democrático nem republicano, e que é um sistema de ruína da grande maioria em benefício de uma ultraminoria. Portanto, eu digo: sou uma patriota, defendo a minha identidade, a História da França, estou muito ligada a essas referências, defendo a minha língua...
Se
eu disser que é nacionalista zanga-se?
Sim, zango-me porque o termo nacionalista, em França, tornou-se pejorativo. O antigo Presidente François Mitterrand fez dele um termo guerreiro e eu não quero fazer a guerra contra ninguém. Quando eu defendo o direito à liberdade, à soberania, o direito de defender a nossa identidade, defendo-o para todas as nações e para todos os povos do mundo. Compreendo perfeitamente que os egípcios queiram continuar egípcios, que queiram defender a sua cultura e a sua identidade egípcia, defendo o mesmo direito para os portugueses, para os papuas...
A
sua linguagem é diferente da do seu pai e a FN mudou consigo. A FN veio da
extrema-direita para a direita radical. Aceita que a classifique como sendo da
direita radical?
Não. O que quer dizer “direita radical”?
Diz-se
que Tsipras e o Syriza, na Grécia, são da esquerda radical. Não se pode dizer
que é da direita radical?
Eu não me sinto como sendo da direita radical. No plano económico não me sinto mesmo nada à direita da direita. Não sou por menos Estado, não sou por mais privatizações, não sou pelo ultraliberalismo, não sou por essas leis do mercado que eu considero deverem ser controladas porque, caso contrário, conduzem ao esclavagismo.
Está
a defender temas da esquerda.
Olhe, eu sou como o general Charles de Gaulle. Não sou nem de esquerda nem de direita. De Gaulle, a certo momento, foi tratado de fascista pela esquerda e de bolchevique pela direita. Quando chegamos a ser classificados assim é porque estamos no bom caminho. Passa-se o mesmo comigo, hoje. Sou de extrema-esquerda para Nicolas Sarkozy e de extrema-direita para o Partido Socialista. Repito: não sou nem de esquerda nem de direita, sou de França.
Ainda
sobre a União Europeia. O que pensa de Durão Barroso?
Ah, esse! Foi o chefe dos guardas prisionais. Foi o chefe da prisão, foi o grande general da prisão dos povos, que é o que na realidade é a União Europeia. É alguém que considera que o simples facto de querer proteger os povos é uma blasfémia. Foi realmente o grande 'Manitu' do sistema económico que está em vias de destruir as nossas economias e as nossas riquezas e do sistema político que priva os povos europeus do direito a disporem de si próprios.
Tem
alguma esperança em Jean-Claude Juncker?
Nenhuma. É o chefe dos guardas prisionais que sucedeu ao antigo chefe da guarda prisional, que era Barroso. Faz exatamente a mesma coisa. Eis dois exemplos de pessoas que vão para Bruxelas precisamente com uma ideologia do mundialismo porque eles nem sequer defendem os interesses da Europa. Passam a vida a assinar acordos de trocas livres com o mundo inteiro. O objetivo deles não é defender os interesses dos europeus é o de criar um mercado único mundial. Vemo-lo com o Tratado Transatlântico, no qual os mais fortes ganharão, as multinacionais ganharão, e os fracos morrerão. E isso está a ser feito pagando o preço de sofrimentos horríveis. Não vejo onde está o progresso, por exemplo na situação em que se encontra a Grécia ou Portugal, com as perdas de direitos das pessoas, os recuos de vantagens sociais, as perdas salariais, as privatizações forçadas. Mesmo com muita imaginação não consigo encontrar um pingo de progresso nessa situação. Apenas vejo regressões e recuos.
Nicolas
Sarkozy é, em França, o seu inimigo, o seu adversário principal?
Não é o meu principal adversário, o meu adversário principal é quem está no poder.
É,
então, François Hollande...
Pois, o meu adversário principal é François Hollande. Mas na realidade é o mesmo, eles são idênticos como políticos. São ambos prefeitos da União Europeia. Recebem as ordens e executam-nas. O prefeito Sarkozy recebia as ordens de Bruxelas e aplicava-as à letra e o prefeito Hollande faz exatamente o mesmo. Eles não representam o povo francês porque não defendem os seus interesses, são os representantes da UE em França para defenderem os interesses da casta no território francês.
Tem,
em França, alguns intelectuais que validam as suas teses, designadamente sobre
os muçulmanos. Michel Houellebecq, por exemplo, com o seu livro, “Soumission”.
Trata-se de um grande passo em frente contra o pensamento único e em certa medida é uma vitória ideológica. A hegemonia cultural da esquerda está a chegar ao fim. Houellebecq escreveu uma ficção interessante na qual descreve uma direita e uma esquerda prontas a tudo para me impedirem de chegar ao poder, mesmo à custa de elegerem um muçulmano para o Eliseu.
O
que pensa dos primeiros passos de Tsipras na Grécia?
Sobre ele posso responder-lhe apenas quando souber o que ele tem na cabeça, porque a realidade é que os gregos que votaram Tsipras não votaram por uma política de imigração ou por utopias de extrema-esquerda em relação às questões de sociedade. Eles votaram em Tsipras porque não havia na Grécia um movimento parecido com a FN. Eles votaram para se oporem à União Europeia e escolheram-no porque ele prometeu opor-se à UE e à política de austeridade. Tsipras serviu de veículo da revolta democrática do povo grego. Espero, repito, que ele e o seu Governo não cedam à UE e que assumam porque arriscam-se a dececionar os que votaram neles.
Segue
com atenção a situação em Espanha, com o movimento Podemos?
Claro. O Podemos representa em Espanha mais ou menos o mesmo que o Syriza significa na Grécia. E sublinha de novo que, quando não existe um movimento patriota como a FN, é a extrema-esquerda que canaliza a cólera contra a UE...
É
um pouco estranha a situação atual: nuns países europeus os eleitores votam na
extrema-esquerda e noutros no polo oposto.
Depende da história de cada país. Em alguns países, os movimentos parecidos com a FN conseguiram virar as curvas no bom momento e passaram a representar a esperança de liberdade. É o caso da Liga do Norte, em Itália, que é muito parecida com a FN e que conseguiu efetuar a viragem a tempo e está a subir espetacularmente nas sondagens. Mas quando esses movimentos não existem, não evoluíram ou quando esses movimentos tradicionais não tiveram a coragem de se opor à UE com eficácia, é verdade que é a extrema-esquerda que simboliza essa revolta dos povos contra a UE.
Tem
falado muito sobre a Rússia e a Ucrânia e tem uma posição muito favorável a
Putin...
Nessa questão colam-me frequentemente uma etiqueta: ou sou de um lado ou do outro. Mas não é bem assim e eu não reajo desse modo. Considero muito claramente que a União Europeia é responsável pelo conflito ucraniano porque se imiscuiu voluntariamente na esfera de influência da Rússia. A UE quer que a Ucrânia entre na NATO, em contradição com os compromissos feitos quando da reunificação alemã e isso foi evidentemente considerado pela Rússia como uma verdadeira agressão geopolítica. Sabíamos na Europa que a Ucrânia estava frágil, dividida entre os que olhavam para Leste e os que olhavam para Oeste e a UE atiçou as brasas, lançou gasolina para o fogo e, evidentemente, o braseiro reacendeu-se. Hoje temos um perigo, um risco de guerra no seio da Europa e não poderemos continuar a dizer que a Europa é a paz.
Para
concluir: o que pensa de Angela Merkel? É a patroa?
É, é a patroa da Europa. Claramente. É a diretora da prisão. Os outros europeus de que falámos são os guardas prisionais. Mas eu não posso ter uma posição demasiado dura em relação a Angela Merkel. Porque a realidade é que ela defende os interesses da Alemanha e eu compreendo perfeitamente que o faça. Os que eu ataco são os nossos dirigentes, os dos nossos países, que não conseguem defender os nossos interesses, que se submetem à política imposta pela Alemanha. Portanto, não devemos criticá-la por ela ser forte e convicta em benefício exclusivo da Alemanha, temos é de denunciar a fraqueza dos nossos próprios dirigentes que não defendem os interesses dos seus povos.
Expresso
| Daniel Ribeiro, correspondente em Paris | Foto: Pascal Rosignol / Reuters
Republicado
em 06.05.17 | Entrevista publicada na Revista E, a 21 de março de 2015
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