Miguel
Guedes | Jornal de Notícias | opinião
Fui
sabendo da desgraça à distância de um oceano inteiro. A catástrofe de Pedrógão
Grande rebentara de mãos dadas com a primeira hora da minha primeira manhã em
Havana. Escrevi a crónica da passada semana no hall do hotel, sobre o fogo, com
o coração na manhã que despontava e embriagado pelo gelo de um ar condicionado
frigo-guerrilha de Caribe.
Lá
fora chovia copiosamente, como ainda não havia chovido este ano,
asseguravam-me. Saí da cidade, procurei o mar e desejei desligar da
síndrome-galo-de-Barcelos-tic-tac, bomba-relógio, quando senti que alguns
procuraram encontrar culpados mal acabassem de contar as vítimas. Passaram
alguns dias e Cuba, afinal, não conseguiu a minha vitória final para sempre.
Regresso a Portugal e a primeira notícia-manchete é a de Passos Coelho e os
seus suicídios-fantasma. Não sobre o seu suicídio político, já requentado: era
mesmo sobre os seus particulares suicídios anónimos por confirmar. Fazemos
todos um esforço enorme por esquecer Passos mas ele não permite.
O
líder da Oposição resvalou para um sítio sem pé, amarrou-se nas palavras,
afundou a pés juntos e nem no momento em que, pedindo desculpa, procurava
respirar na linha de água percebeu a gravidade do que fizera. Não só do que
disse, mas sobretudo do que pretendia dizer e ligar. Politicamente, revela um
homem em desespero e em fuga para a frente, à solta porque se sente sozinho.
Não alinho no assassinato de carácter, não acredito que seja um homem obstinado
a ganhar votos à custa da ignomínia. Passos Coelho, por enorme infelicidade,
teve só um comportamento de abutre.
Passos
pediu desculpa por um equívoco, mas a gravidade não reside no engano. A
gravidade sente-se na intenção. É totalmente absurdo que alguém, no rescaldo
duma tragédia desta dimensão, noticie um suicídio para no segundo seguinte ter
necessidade de o confirmar, olhando para trás a procurar companhia: está
confirmado, não está? Mas totalmente inaceitável, o que não está ao alcance da
desculpa, é que alguém fale em suicídio naquelas circunstâncias, como um
portador-aprendiz de notícias fresquinhas mas tristes. Passos parece um homem
que necessita desesperadamente de apoio político para evitar pedir apoio
psicológico. E apesar de ninguém no partido querer avançar antes das
Autárquicas, alguém o deveria intimar a desistir do país quando o partido já
desistiu dele há muito, poupando-nos - a nós e a mais um dos seus casacos - à
torpe visão da sua bandeirinha do tempo da PàF. É um apelo. Passos perdidos.
Salve-se o homem agora que morreu o político.
O
autor escreve segundo a antiga ortografia
Músico
e advogado
Com acréscimo parcial do título no PG
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