Últimas
pesquisas revelam: líder trabalhista, claramente identificado com esquerda e
nova cultura política, está a um passo de vencer eleições. Repercussão
internacional seria imensa
Uma sondagem
eleitoral divulgada esta manhã (6/6), em Londres, voltou a
sobressaltar os conservadores – e a mostrar que continua aberta, em meio à
crise global, a porta para uma alternativa de esquerda renovada. O Partido
Trabalhista ampliou seu avanço notável, e está agora apenas 1,1 ponto
percentual atrás dos Conservadores, na disputa das eleições parlamentares
marcadas para esta quinta (8/6). O movimento é surpreendente por três motivos.
Uma vitória trabalhista era considerada sonho lunático há apenas seis semanas,
quando a primeira-ministra Theresa May convocou o pleito
antecipado. A campanha trabalhista, liderada por Jeremy Corbyn, propõe uma
reviravolta completa nas políticas de “austeridade” praticadas na Europa e em
quase todo o Ocidente. Além disso, inclui um forte aspecto de nova cultura
política: é fruto de uma rebelião das bases trabalhistas contra a política de
conciliação e de alinhamento com os EUA, adotada pelo partido há pelo menos
quatro décadas.
Com
68 anos, Corbyn percorreu
uma trajetória semelhante à do norte-americano Bernie Sanders, que quase chegou
a ser indicado candidato do Partido Democrata à Casa Branca, em 2016. Militante
do Partido
Trabalhista desde os 16 anos, foi um jornalista e organizador sindical
ligado às alas à esquerda do partido por muitos anos. Em 1983, elegeu-se membro
do Parlamento. Mas manteve-se em oposição à maioria trabalhista acomodada – em
especial durante o governo de Tony Blair, que consolidou a adesão do partido às
políticas neoliberais. Corbyn otou contra a orientação das direções 428 vezes.
Defendeu, em especial, a garantia dos serviços públicos e uma política de paz –
nos tempos em que, sob Blair, a Inglaterra era aliada principal de Washington
nas guerras contra o Afeganistão e Iraque.
Em
maio de 2015, uma derrota eleitoral devastadora provocou a renúncia da
liderança trabalhista – que, segundo as regras do partido, é escolhida pelo
voto direto dos militantes. Corbyn lançou-se à disputa como um azarão completo,
quase sem conseguir o número de assinaturas de parlamentares necessárias para o
registro. Mas deixou claro que era o único a concorrer “com uma plataforma
anti-austeridade clara” e que seu gesto destinava-se a “dar voz à militância
calada”.
Em
apenas três meses, sua campanha sacudiu o partido e revelou que havia espaço
para desafiar uma orientação imposta de cima e considerada inabalável. Corbyn
foi eleito em primeiro turno, com 59,5% dos votos. Conseguiu-o graças à imensa
adesão dos eleitores jovens – muitos dos quais aderiram aos trabalhistas
especialmente para apoiá-lo. Parecia surgir uma outra via para reconstituir uma
esquerda autêntica. Se em países como a Espanha o caminho eram
partidos-movimento, como o Podemos, na Inglaterra a renovação surgia virando do
avesso o próprio partido tradicional.
A
velha estrutura partidária jamais aceitou Corbyn – os parlamentares do partido
e a mídia, menos ainda. Sua liderança foi constantemente desafiada por
deputados. Sua orientação era vista pelos jornais – tanto, The Economist, abertamente
neoliberal, quanto The Guardian, que dialoga com a esquerda – como
fadada a provocar o fracasso dos trabalhistas. Em junho de 2016, menos de um
ano depois de eleito, Corbyn sofreu voto de desconfiança dos parlamentares do
partido. Perdeu por arrasadores 172 x 40. Mas apelou de novo às bases e foi
reconduzido ao posto com votação ainda maior: 61,8% de uma militância que se
recusava a obedecer a burocracia partidária.
No
último 19 de abril, quando Theresa May convocou eleições gerais, a expectativa
era de que os trabalhistas sofressem uma derrota esmagadora, e de que o
incômodo Corbyn fosse forçado à renúncia. Ele mais uma vez apostou no debate e
na relação direta com o eleitorado. Ao contrário de May, encastelada em
Londres, lançou-se pelo país, num ônibus estampado com o slogan de sua
campanha: “Para muito, não para poucos” [“For the main, not for the few”].
Propõe a revitalização dos serviços públicos, cuja excelência marcou o Estado
de Bem-Estar Social inglês no pós-guerra, mas que foram depredados ao longo de
sucessivos governos conservadores e trabalhistas, nas últimas décadas. Afirma,
sem medo de desafiar dogmas, que os recursos virão de mais impostos sobre os
ricos, as grandes empresas e as transações financeiras. Quer reestatizar as
ferrovias, o abastecimento de agua e os correios – cujos serviços deterioraram
gravemente, após a privatização. Compromete-se a nomear um cabinete em que
metade dos ministros sejam mulheres. Propõe abolir as (caríssimas) mensalidades
universitárias, instituídas e elevadas nos últimos anos. Para simbolizar a
defesa do trabalho, frente ao capital, sugere criar quatro novos feriados
nacionais. Defende a revisão da política externa, com o fim do alinhamento
automático a Washignton.
Um
sinal simbólico de seu crescimento, nas últimas semanas, pode ser a notável
mudança de orientação do Guardian. Ainda em março, o diário londrino escrevia
em editorial que o partido estava ameaçado de reduzir-se à
irrelevância – e que a única forma de evitá-la era a remoção de Corbyn da
liderança. Em maio, a atitude começava a mudar. Na última
sexta-feira, sinais
de rendição: “O líder trabalhista fez uma boa campanha. Foi enérgico e
efetivo. Sente-se confortável em sua pele e na presença de outros. Ele
claramente gosta das pessoas e está interessado nelas. Gerou um senso incomum
de que é possível; mais uma vez, as pessoas interessam-se pela política (…) Em 8
de Junho, ele merece nosso voto”.
*
* *
O
avanço de Corbyn rumo ao governo de um país crucial, geopolítica e
simbolicamente, parecia inevitável até os atentatos em Londres, no último
sábado. Diante de uma ameaça concreta, os eleitores tendem ao conservadorismo.
Mas tudo permanece incerto, porque também em relação a estes fatos o
velho trabalhista foi feliz. Lembrou que os cortes de Theresa May nos
serviços públicos, feitos para agradar a aristocracia financeira, resultaram
também (ao contrário do que ocorre no Brasil…) em redução do efetivo policial.
E ressaltou que a política externa de May prioriza (inclusive com venda maciça
de armas) países como a Arábia Saudita – claramente, a inspiração maior do
terror fundamentalista islâmico.
Tudo
é incerto agora, nas eleições do Reino Unido. Mas a campanha admirável de
Corbyn revela: por diferentes caminhos está surgindo, em todo o mundo, espaço
para uma nova esquerda. Seria diferente, no Brasil
*Antonio
Martins é Editor do Outras
Palavras
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