"O
País Económico" seleccionou oito pontos e perguntas que ficaram por ser
esclarecidas pelo Banco Central de Moçambique após declarações de segunda-feira
Na
segunda-feira passada, o governador do Banco de Moçambique, Rogério Zandamela,
pronunciou-se sobre a escolha da Kuhanha para gestão de 80% das participações
do Moza Banco. O objectivo da conferência de imprensa era dar a conhecer as
decisões da reunião de Política Monetária do Banco Central, mas a Kuhanha
acabou por ser o tema central.
Como
quem estava preparado, Rogério Zandamela falou perto de uma hora das razões que
conduziram à selecção do Fundo de Pensões do Banco de Moçambique para dono de
um dos bancos mais importantes do país, destacando que não conhece um processo
mais transparente no mundo.
Essencialmente,
Zandamela disse que a Kuhanha não concorreu à compra do Moza Banco; que a
decisão foi tomada num quadro legal apertado; que não há conflito de interesses
por ser governador e ao mesmo tempo PCA da Kuhanha; que o uso do Fundo de
Pensões foi acautelado; que foi o Banco Central quem foi buscar João Figueiredo
para gestor do Moza Banco e que os pequenos bancos enfrentam actualmente
problemas de liquidez.
Os
pronunciamentos do governador do Banco de Moçambique levantam, no entanto,
várias questões desde a contradição entre as declarações dentro da instituição,
passando pela possibilidade de conflito de interesses, risco de uso de Fundo
Pensões, até ocultação de informação de interesse público e quebra de
confidencialidade.
“O
País Económico” seleccionou oito pontos e várias perguntas que ficaram por ser
esclarecidas pelo Banco de Moçambique após as declarações de segunda-feira.
Vamos por partes:
Contradição
No
dia 31 de Maio passado, o administrador do Banco de Moçambique para o pelouro
de Estabilidade Financeira, Alberto Bila, anunciou a selecção da Kuhanha para
gestão de 80% das participações do Moza Banco. Alberto Bila disse que a empresa
gestora de Fundos de Pensões do Banco de Moçambique concorreu com outras
entidades e foi seleccionada por apresentar a melhor proposta.
“Feita
a verificação da conformidade da entidade seleccionada com os requisitos
prudenciais, dentre os quais a capacidade financeira para garantir a
estabilidade da instituição, adequação do plano de negócios e dos membros dos
órgãos sociais propostos, o Banco de Moçambique constatou que a Kuhanha
preenche os requisitos para recapitalização do Moza Banco. Importa realçar que
o direito concedido à Kuhanha na qualidade de concorrente seleccionada decorre
do facto do accionista Moçambique Capitais ter abdicado do exercício de direito
de preferência dentro do prazo estabelecido”, disse o administrador do Banco
Central num discurso lido.
Ora,
estas declarações contradizem as afirmações do governador do Banco de
Moçambique, Rogério Zandamela, quando disse no passado dia 19 - segunda-feira -
que a Kuhanha não concorreu à compra do Moza Banco. “Começámos a pensar num
plano B, de contingência, e a Kuhanha, para ser franco, não era nenhum
concorrente. Ela aparece para concorrer consigo própria, no sentido de que, se
a concorrência que fosse posta de uma maneira transparente não produzisse os
resultados aprovados pelos accionistas, na reunião de 23 de Janeiro, teríamos
uma alternativa para salvaguardar o interesse público”, explicou.
O
que ficou por explicar?
Ficou
por explicar se a Kuhanha concorreu ou não à compra do Moza Banco, considerando
as contradições entre os responsáveis do Banco de Moçambique. Em outras
palavras, o que disse o governador do Banco Central não corresponde ao que
afirmou o seu administrador para Estabilidade Financeira.
As
questões são: qual das duas é a declaração certa? É aceitável, numa decisão
crucial e sensível para o sistema financeiro nacional, existirem duas versões
sobre o mesmo facto?
Falta
de informação relevante
O
governador do Banco de Moçambique disse que a sua administração já tinha
conhecimento dos problemas no Moza Banco e que encomendou um relatório a KPMG
para confirmar as dificuldades da instituição financeira. Rogério Zandamela
disse ainda que em dois ou três anos o Moza Banco dará lucros, no quadro do seu
plano de negócios.
O
que ficou por explicar?
Por
que o Banco de Moçambique não divulga ao público o relatório de auditoria ao
Moza Banco se se trata do instrumento orientador para intervenção na
instituição financeira?
Por
que o Banco de Moçambique não apresenta também o plano de negócios do Moza
Banco e a informação financeira sobre a Kuhanha para comprovar a viabilidade da
selecção do seu Fundo de Pensões e a produção de lucros em dois ou três anos
pelo Moza Banco?
Considerando
que o relatório de auditoria determinou a injecção necessária e, eventualmente,
levantou as falhas de gestão e a característica do crédito mal parado, entre
outra informação, não seria de interesse público a sua divulgação para
compreensão das decisões do regulador?
A
Assembleia da República aprovou, em 2014, a Lei de Direito e Acesso à
Informação que no número 2 do artigo 4 estabelece que o exercício do direito à
informação rege-se pela máxima divulgação de informação, interesse público,
transparência das entidades públicas e privadas e permanente prestação de
contas aos cidadãos. A questão é: o banco regulador está a prestar toda a informação
necessária aos cidadãos em obediência à Lei de Direito e Acesso à Informação? O
relatório de auditoria ao Moza Banco é informação classificada? – a que reporta
dados cuja natuerza seja considerada, conforme o caso, segredo de Estado,
confidencial, secreta ou restrita? Se é, por que o Banco Central não o diz?
Falta
de informação relevante
O
governador do Banco de Moçambique disse que a sua administração já tinha
conhecimento dos problemas no Moza Banco e que encomendou um relatório a KPMG
para confirmar as dificuldades da instituição financeira. Rogério Zandamela
disse ainda que em dois ou três anos o Moza Banco dará lucros, no quadro do seu
plano de negócios.
O
que ficou por explicar?
Por
que o Banco de Moçambique não divulga ao público o relatório de auditoria ao
Moza Banco se se trata do instrumento orientador para intervenção na
instituição financeira?
Por
que o Banco de Moçambique não apresenta também o plano de negócios do Moza
Banco e a informação financeira sobre a Kuhanha para comprovar a viabilidade da
selecção do seu Fundo de Pensões e a produção de lucros em dois ou três anos
pelo Moza Banco?
Considerando
que o relatório de auditoria determinou a injecção necessária e, eventualmente,
levantou as falhas de gestão e a característica do crédito mal parado, entre
outra informação, não seria de interesse público a sua divulgação para
compreensão das decisões do regulador?
A
Assembleia da República aprovou, em 2014, a Lei de Direito e Acesso à
Informação que no número 2 do artigo 4 estabelece que o exercício do direito à
informação rege-se pela máxima divulgação de informação, interesse público,
transparência das entidades públicas e privadas e permanente prestação de
contas aos cidadãos. A questão é: o banco regulador está a prestar toda a
informação necessária aos cidadãos em obediência à Lei de Direito e Acesso à
Informação? O relatório de auditoria ao Moza Banco é informação classificada? –
a que reporta dados cuja natuerza seja considerada, conforme o caso, segredo de
Estado, confidencial, secreta ou restrita? Se é, por que o Banco Central não o
diz?
Conflito
de interesses
O
governador do Banco de Moçambique defendeu que não há conflito de interesses
por desempenhar simultaneamente as funções de governador do Banco de Moçambique
com as de Presidente do Conselho de Administração da Kuhanha. As suas palavras
foram as seguintes: “Eu não era desde o início o PCA (da Kuhanha). Não era
porque não queria, cria dores de cabeça. O Presidente da República já me tinha
incumbido tarefas muito complicadas e difíceis, e eu não estava preparado para
acrescentar outras tarefas. Conversámos dentro do banco, durante meses, e
foi-me dito que você é governador e tem de sinalizar que se interessa não só
com os trabalhadores que estão no activo, mas também com os trabalhadores que
dedicaram toda a vida e hoje são pensionistas. O governador deve ser uma
referência para esses trabalhadores. Aceitei esse cargo nesse contexto, mas não
quer dizer que tem de ser assim. E eu digo: não queria. Conflito de interesses
não há, porque isso não me traz nenhum, é um trabalho a mais que não me traz
nada”.
O
que falta explicar?
Por
que os órgãos sociais do Moza Banco foram anunciados pelo administrador do
Banco Central, Alberto Bila, quando se trata de uma aquisição entre entidades
privadas, nomeadamente a compra de 80% das participações do Moza Banco pela
Kuhanha?
Isto
quer dizer que o Banco de Moçambique pode anunciar os órgãos sociais do banco
privado Y como resultado da sua aquisição pela empresa privada X?
O
Banco de Moçambique usou ou não informação privilegiada de todas as partes para
selecção da Kuhanha como principal dono do Moza Banco? Não se conhecendo os
concorrentes, fica a impressão de que a Kuhanha terá sido preparada,
previamente, para assumir a posição de gestora do Moza Banco. Ou melhor, se a
Kuhanha não era concorrente e acabou assumindo o Moza, então, já tinha
informação privilegiada sobre a situação do banco, o que sugere, mais uma vez,
ter sido uma decisão previamente preparada pelo Banco Central.
Ao
afirmar que a Kuhanha fazia parte de um plano B, subentende-se que a autoridade
monetária fez uma intervenção em nome do Estado num banco privado, contando com
um privado como backup. Isso faz sentido numa economia de mercado?
Pode
a intervenção do Estado, no contexto de um plano B, contar com recursos
privados?
Por
ser PCA da Kuhanha, o governador do Banco de Moçambique terá um papel
importante na estratégia do Moza Banco, incluindo a participação nas reuniões
de Assembleia-Geral. Onde fica a fronteira entre o árbitro e o jogador?
Ademais,
o artigo 35 da Lei de Probidade Pública diz e passamos a citar: “o servidor
público deve abster-se de tomar decisões, praticar qualquer acto ou celebrar
contrato sempre que se encontre em qualquer circunstância que configure o
conflito de interesses ou possa criar no público a percepção de falta de
integridade na sua conduta”.
O
artigo é esclarecedor: enquanto governador do Banco de Moçambique – entidade
pública - e ao mesmo tempo PCA da Kuhanha – entidade privada -, Rogério
Zandamela foi exactamente seleccionar... a Kuhanha para gestão do Moza Banco,
abrindo campo para percepção de falta de integridade na sua conduta.
Concorrentes
de índole duvidosa
Rogério
Zandamela afirmou que houve vários tipos de investidores, os tradicionais da
praça e outros internacionais. “Todos tinham os critérios aprovados pelos
accionistas. Mas, na realidade, esse grupo queria pedaços do Moza Banco e isto
não se enquadra naquilo que foi aprovado pelos accionistas e o regulador não
pode vender pedaços do Moza ou de nenhum banco. Mas, em muitos países, pode
fazer-se: separar o banco bom do banco mau. Estes investidores que queriam
comprar o banco em pedaços caíram fora. Havia outros que entendiam claramente
que o banco não podia ser vendido em pedaços, mas eram investidores de índole
duvidosa que iam criar-nos problemas. Uma boa parte tinha dinheiro, mas não
podia demonstrar a sua fonte. O critério foi muito bem feito, quando se pediu
garantia bancária, não foi por casualidade, foi para evitar que investidores
trouxessem sacos de dinheiro ao Banco de Moçambique para investir no Moza.
Queríamos saber da proveniência do dinheiro, queríamos estar seguros de que o
Moza Banco não estaria a ser usado para lavagem de dinheiro. E não vou mentir,
houve investidores que vieram com essas intenções”, disse.
O
que falta explicar?
Em
primeiro lugar, estas declarações colocam em causa a seriedade das propostas
para aquisição do Moza Banco antes da divulgação pública, afectando a
confidencialidade de informação que devia prevalecer até que se torne público
os contornos dos concursos.
Não
ficou claro, desde cedo, quem são os concorrentes, visto que o Banco Central
não revelou. Não há, por isso, matéria suficiente para que o público possa
aferir se, de facto, os concorrentes eram de índole duvidosa ou não. Além
disso, ao referir que “queríamos estar seguros de que o Moza Banco não estaria a
ser usado para lavagem de dinheiro” e que “houve investidores que vieram com
essas intenções”, o governador do Banco Central dá a entender que há matéria
para polícia. O Banco Central denunciou ou propôs uma investigação aos
investidores com intenções de lavagem de dinheiro?
Nomeação
de João Figueiredo
O
governador do Banco de Moçambique defendeu a nomeação de João Figueiredo para
Presidente do Conselho de Administração do Moza Banco nos seguintes termos:
“João Figueiredo não veio ao Banco de Moçambique à procura de emprego. Nós
fomos atrás dele. Não foi ele que apareceu aqui desempregado à procura de
ajuda. Veio porque procurávamos o melhor. Contactámo-lo e ele hesitou. Mas
insisti, dizendo que é um assunto de interesse nacional e que “por favor, temos
de estar juntos nesse trabalho”. Ele aceitou e fez um bom trabalho, estou
satisfeito e, claramente, toda essa especulação de que a Kuhanha foi para
manter o João Figueiredo... a coisa mais importante num banco é o plano de
negócios, isso é que faz recuperar um banco. O plano de negócios do Moza Banco
é sério, diz que esse banco tem de ser recuperado e, no máximo de dois a três
anos, tem de dar lucros”.
O
que falta explicar?
Em
que qualidade Rogério Zandamela nomeou João Figueiredo para presidente do
Conselho de Administração do Moza Banco? Foi como governador do Banco de
Moçambique ou PCA da Kuhanha? Esta questão resulta de não estar claro em que
momento o governador do Banco Central fala como tal e em que momento fala na
qualidade de PCA da Kuhanha. Por exemplo, na conferência de imprensa desta
segunda-feira Rogério Zandamela falou da compra do Moza Banco como governador
ou como PCA da Kuhanha?
Boaventura
Mucipo | O País
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