Certa
esquerda ainda nega o aquecimento global. Mas tanto a história da consciência
ecológica quanto suas implicações estão profundamente ligadas ao ecossocialismo
E
é por nos mantermos na obscuridade sobre a natureza
da sociedade humana – entendida como oposta à natureza em geral –
que agora nos deparamos (assim me asseguram os cientistas implicados)
com a possível destruição completa deste planeta,
mal ele se converteu no lugar em que vivemos.
da sociedade humana – entendida como oposta à natureza em geral –
que agora nos deparamos (assim me asseguram os cientistas implicados)
com a possível destruição completa deste planeta,
mal ele se converteu no lugar em que vivemos.
O
Antropoceno, visto como uma nova Era geológica que substituiu o Era
Holocena nos últimos 10 a 12 mil anos, representa o que tem sido chamado uma
“brecha antropogênica 2” na história do planeta. Introduzido
formalmente no debate científico e ambiental contemporâneo pelo climatologista
Paul Crutzen em 2000, ele surge da noção segundo a qual os seres humanos
tornaram-se a força emergente primária a afetar o futuro do sistema Terra.
Embora normalmente identificado com as origens da Revolução Industrial, no
final do século XVIII, é provável que o Antropoceno tenha eclodido no final dos
anos 1940 ou 50. Evidências científicas recentes sugerem que o período a partir
de 1950 mostra um grande pico e marca a Grande Aceleração nos impactos humanos
sobre o ambiente, e que os traços mais dramáticos da brecha antropogênica são
encontrados na chuva de radionuclídeos desencadeada pelos testes com armas
nucleares 3.
Proposto
desta forma, o Antropoceno pode ser visto como correspondente, grosso modo, à
emergência do movimento ambientalista moderno, cujas origens estão nos
protestos liderados por cientistas contra os testes nucleares sobre a
superfície, após a II Guerra Mundial – e que emergiu como um movimento mais
amplo em seguida à publicação de Primavera Silenciosa [Silent
Spring], de Rachel Carson, em 1962. O livro de Carson foi logo seguido,
nos anos 1960, pelos primeiros alertas, de cientistas soviéticos e
norte-americanos, sobre um aquecimento global acelerado e irreversível 4. É esta inter-relação dialética
entre a aceleração ao Antropoceno e o avanço de um imperativo ambientalista
radical, em resposta, que constitui o tema central do maravilhoso livro novo de
Ian Angus. Sua capacidade de oferecer perspectivas sobre o Antropoceno como um
novo patamar de interação entre sociedade e natureza, produzido por uma mudança
histórica; e sobre como os novos imperativos ecológicos tornaram-se uma questão
central diante de nós no século XXI são o que faz Facing the Anthropocene
[Diante do Antropoceno, em tradução provisória] tão indispensável.
Hoje
parece provável que o Antropoceno será associado em particular, na ciência, à
era pós-II Guera Mundial. Apesar disso, como em todas os grandes pontos de
virada da História, houve sinais de picos menores, em etapas anteriores do
percurso, a partir da Revolução Industrial. Isso reflete o que o filósofo
marxista István Mészáros chama de “dialética da continuidade e
descontinuidade”, que caracteriza todos os processos emergentes na
história 5. Embora o conceito de Antropoceno
tenha emergido completamente apenas com a concepção científica moderna de
sistema Terra, e que suas bases físicas sejam cada vez mais identificadas com a
Grande Aceleração após a II Guerra Mundial, esta era foi prefigurada por noções
anteriores, que surgiram de pensadores cujo foco estava nas mudanças dramáticas
provocadas, na interface entre seres humanos e natureza, a partir do
capitalismo – entre elas, a Revolução Industrial, a colonização do mundo e a
era dos combustíveis fósseis.
“A
natureza, a natureza que precedeu a história humana”, destacaram Karl Marx e
Frederik Engels já em 1845, “não existe mais (exceto talvez em algumas ilhas de
coral de origem recente)”6. Visões similares foram apresentadas
por George Perkins Marsh, em Man and Nature, de 1864, dois anos antes
de que Ernst Haeckel cunhasse a palavra ecologia, e três anos antes
de Marx publicar o primeiro volume de O Capital, com sua advertência
sobre o abismo metabólico na relação entre humanidade e natureza 7.
Foi
apenas no último quarto do século XIX e no início do XX, porém, que apareceu o
conceito chave da biosfera, a partir do qual nossa noção moderna de
sistema Terra iria se desenvolver. O marco mais notável é a publicação de A
Biosfera, do geoquímico soviético Vladimir I Vernadsky, em 1926.
“Vernadsky desmantelou, de maneira notável, a fronteira rígida entre organismos
vivos e um ambiente não vivo, descrevendo a globalidade da vida bem antes que o
primeiro satélite enviasse fotografias da Terra a partir de sua órbita”,
escrevem Lynn Margulis e Dorian Sagan em What is Life 8.
A
aparição do livro de Vernadsky coincidiu com a primeira introdução do termo
Antropoceno (junto com Antropogene), por seu colega, o geólogo soviético
Aleksei Pavlov, que costumava se referir a um novo período geológico no qual a
humanidade seria a principal condutora da mudança geológica planetárias. Como
Vernadsky observou em 1945, “A partir da noção do papel geológico do ser
humano, o geólogo A.P. Pavlov (1854-1929) costumava falar, nos últimos anos de
sua vida, da era antropogênica, na qual vivemos agora. (…) Ele
enfatizou com razão que o ser humano, sob nossos próprios olhos, está se
tornando uma força geológica poderosa e crescente. (…) No século XX, o ser
humano conheceu e abarcou toda a biosfera, pela primeira vez na história da
Terra, completou o mapa geográfico do planeta e colonizou toda a sua
superfície” 9.
Simultaneamente
ao trabalho de Vernadsky sobre a biosfera, o bioquímico soviético Alexander
Oparim e o biólogo social britânico J.B.S Hadane desenvolveram
independentemente, nos anos 1920, a teoria da origem da vida, conhecida como a
“teoria da sopa primitiva”. Conforme sintetizado pelos biólogos Richard Levins
e Richard Lewontin, da Universidade de Harvard, “a vida emergiu originalmente
de matéria inanimada [o que Haldane descreveu, de mondo notório, como uma “sopa
quente diluída”], mas esta origem tornou impossível sua ocorrência contínua,
porque os organismos vivos consomem as moléculas orgânicas complexa necessárias
para recriar a vida de novo. Além disso, a atmosfera rarefeita
(desprovida de oxigênio livre) que existia antes do início da vida foi convertida,
pelos próprios organismos vivos, em outras, rica em oxigênio reativo”. Deste
modo, a teoria de Oparin-Haldane explicou pela primeira vez como a vida pode
ter-se originado de matéria inorgânica, e por que o processo não poderia se
repetir. Igualmente significativo, a vida, que emergiu desta maneira bilhões de
anos atrás, poderia ser vista como criadora da biosfera, por meio de um
complexo processo de co-evolução.10
Foi
Rachel Carson, em seu discurso paradigmático “Our Polluted Environment” [“Nosso
Ambiente Contaminado”], que introduziu o conceito de ecossistema entre o
público norte-americano. Ela expressou de forma eloquente a perspectiva ecológica
e a necessidade de levá-la em conta em todas as nossas ações. “Desde o início
do tempo biológico”, escreveu ela, “estabeleceu-se a interdependência mais
próxima possível entre o ambiente físico e a vida que ele sustenta. As
condições na jovem Terra produziram a vida; então, a vida modificou
imediatamente as condições da Terra, de forma que este único ato extraordinário
de geração espontânea não poderia se repetir. De uma forma ou de outra, a ação
e interação entre a vida e seus entornos mantém-se desde então”.
Penso
que este fato histórico tem significado não apenas acadêmico. Uma vez que o
aceitemos, percebemos que não podemos fazer, impunemente, ataques repetidos ao
ambiente como os atuais. Qualquer estudante sério da história do planeta sabe
que nem a vida, nem o mundo físico que a mantém, existem em pequenos
compartimentos isolados. Ele reconhece, ao contrário, a extraordinária unidade
entre os organismos e o ambiente. Por esta razão, sabe que substâncias danosas
liberadas no ambiente retornam com o tempo, para criar problemas para a
humanidade.
O
ramo da ciência que lida com estas inter-relações é a Ecologia.. Não podemos
pensar no organismo vivo isolado; nem podemos pensar no ambiente físico como um
ente separado. Os dois existem juntos, cada um agindo sobre o outro para formar
um ecossistema ecológico complexo.11
No
entanto, apesar da visão ecológica integrada apresentada por figuras como
Carson, os conceitos de Vernadsky sobre a biosfera e os ciclos biogeoquímicos
foram por muito tempo subestimadas no Ocidente – devido às concepções
reducionistas que prevaleciam na ciência ocidental e, também, ao fundo
soviético que havia nestes conceitos. Os trabalhos científicos soviéticos eram
bem conhecidos dos cientistas do Ocidente e foram frequentemente traduzidos,
nos anos da Guerra Fria, por publicações científicas e mesmo pelo governo dos
EUA – ainda que, de modo incompreensível, A Biosfera, de Vernadsky
não tenha sido traduzido ao inglês até 1998. Era uma necessidade, já que, em
alguns campos como a climatologia, os cientistas soviéticos estavam bem à
frente de seus pares norte-americanos. Porém, este intercâmbio científico mais
amplo, que atravessava as fronteiras da guerra Fria, foi raramente transmitido
ao público mais amplo, entre o qual o conhecimento das conquistas soviéticas em
tais áreas praticamente inexistia. Ideologicamente, portanto, o conceito da
biosfera parece ter caído, por largo período, sob uma espécie de interdição.
Ainda
assim, a biosfera assumiu o centro do palco em 1970, com uma edição especial da
revista Scientific American sobre o tema 12. Mais ou menos à mesma época, o
biólogo socialista Barry Commoner advertiu, em The Closing Cicle, sobre
asa vastas mudanças na relação humana com o planeta, a partir da era atômica e
da emergência dos processos modernos na química sintética. Commoner chamou a
atenção novamente para os alertas precoces sobre a ruptura ambiental dos ciclos
da vida, expressa na discussão de Marx sobre a quebra do metabolismo do solo13.
Em
1972, Evgeni Fedorov, um dos principais climatologistas do mundo e membro do
Presidium do Soviete Supremo da União Soviética, assim como o principal
apoiador soviético da análise de Commoner (autor das “Notas de Conclusão” à
edição russa de seu livro) declarou que o mundo teria de livrar-se dos
combustíveis fósseis. “Um aumento na temperatura da Terra é inevitável se não
nos decidirmos a usar, como fontes de energia, a radiação solar direta e a
energia hidráulica das ondas e do vento, e preferirmos obter energia de
combustíveis fósseis” ou reações nucleares.14 Para Fedorov, a teoria de Marx
sobre o “metabolismo entre a humanidade e a natureza” constituía a base
metodológica para uma abordagem ecológica da questão do sistema Terra 15. Foi nos anos 1960 e 70 que os
climatologistas na União Soviética e Estade os Unidos encontraram as
“evidências” – nas palavras de Clive Hamilton e Jacques Grinevald – de um
“metabolismo mundial”.16
O
avanço das análises do sistema Terra nas décadas seguintes sofreu também o
forte impacto das visões de fora, que emanavam das primeiras missões espaciais.
Conforme escreveu Howard Odum, um dos principais responsáveis pela criação da
ecologia dos sistemas, em Environment, Power and Society:
“Podemos
iniciar uma visão dos sitemas da Terra por meio do telescópio de um astronauta
muito acima do planeta. A partir de um satélite em órbita, a zona de vida da
Terra parece muito simples. A fina camada de água e ar que cobre o planeta
– a biosfera – está limitadea no interior por sólidos densos e no exterior pelo
quase vácuo do espaço… A partir do céu, é fácil falar de equilíbrios gasosos,
balanços energéticos ao longo de milhões de anos, e da magnífica simplicidade do
metabolismo total da delgada casca exterior da Terra. Com a exceção do fluxo de
energia, a biosfera é, em sua maior parte, um sistema fechado em que os
materiais circulam e são reutilizados.” 17
“O
mecanismo de mega-crescimento” que ameaça este “metabolismo total”, continuou
Odun, “é o capitalismo”18. O conceito atual de Antropoceno
reflete portanto, por um lado, um reconhecimento crescente do papel – em rápida
aceleração – dos motores antropogênicos, na ruptura dos processos
biogeoquímicos e dos limites planetários do sistema Terra; por outro um duro
alerta de que o mundo está sendo catapultado, sob as lógicas atuais, para uma
nova etapa ecológica – bem menos capaz de manter a diversidade biológica e uma
civilização humana estável.
Ao
articular estes dois aspectos do Antropoceno – o geológico e o histórico, o
natural e o social, o clima e o capitalismo – num visão única e integrada, é a
principal conquista de Facing the Antrhopocene. Ian Angus demonstra
que, se não interrompido, o “capitalismo fóssil”, é um trem desgovernado, que
conduzirá a um apartheid ambiental planetário e ao que o grande historiador
marxista E.P. Thompson chamava de um possível estágio histórico do
“extremismo”. Neste, as condições de existência de centenas de milhões, ou
bilhões de pessoas, mudarão dramaticamente, a as próprias bases da vida como a
conhecemos serão ameaçadas. Além disso, tudo isso tem como fonte o que Odum
chamou de “capitalismo imperial”, que ameça as vidas das populações mais
vulneráveis do planeta num sistema de desigualdade global forçada 19.
Tamanhos
são os perigos, diz Angus que apenas um enfoque novo, radical das ciências
sociais (e, portanto da própria sociedade) – uma abordagem que leve a sério a
advertência de Carson sobre o risco de solapar os processos vivos da Terra e
receber o troco – pode nos oferecer as respostas de que precisamos na era do
Antropoceno. No que diz respeito a esta mudança, fazê-la “amanhã é tarde
demais”20.
Mas
a ciência social dominante, que serve à ordem social dominante e aos grupos no
poder, ajudou até agora a obscurecer estes temas, preferindo jogar seu peso em
favor de medidas paliativas, e soluções mecanicista como os mercados de carbono
e a geoengenharia. É como se a resposta à crise do Antropoceno pudesse ser
consistente – dos pontos de vista econômico e tecnológico – com um novo avanço
da hegemonia do Capital sobre a Terra e seus habitantes. Isso, a despeito do
fato de a acumulação presente do capital estar na raiz do problema. O resultado
é projetar o mundo em direção a perigos ainda maiores.
O
necessário, como alternativa é reconhecer que a lógica de nosso modo de
produção atual – o capitalismo – é o que bloqueia o caminho para a criação de
um mundo de desenvolvimento humano sustentável, que transcenda o desastre em
espiral que, de outra forma, aguarda a humanidade. Para salvar-nos, precisamos
criar uma lógica socioeconômica distinta, que conduza a diferentes fins
humano-ambientais – uma revolução ecossocialista em que as grandes multidões da
humanidade participem.
Mas
não há riscos implícitos numa mudança tão radical? Todas as tentativas de
derrocar o sistema de produção atual, e o uso de energia associado a ele não
resultarão em grandes batalhas e sacrifícios? Há alguma certeza de que seremos
capaes de criar uma sociedade de desenvolvimento humano sustentável, como
concebem os socialistas do tipo de Ian Angus? Não seria melhor equivocar-se
pelo negacionismo que pelo “catastrofismo”? Não deveríamos esperar para agir,
até que saibamos mais?
Aqui
pode ser útil citar o grande dramaturgo e poeta alemão Bertolt Brecht, num
poema didático:
A
parábola de Buda sobre a casa em chamas
Gautama,
o Buda, ensinou
A doutrina da roda da cobiça, à qual estamos atados, e aconselhou
Livrar-se de toda cobiça e assim
Sem ambição penetrar no Nada, que ele denominou Nirvana.
Perguntaram-lhe então um dia seus alunos:
Como é esse Nada, mestre? Todos nós queremos
Livrar-nos de toda cobiça, como nos aconselhas, dize-nos porém
Se esse Nada, no qual então penetraremos
É talvez como o ser-um com tudo criado
Ao deitar-se alguém na água, corpo leve, ao meio-dia
Sem pensamentos quase, com preguiça deitado na água, caindo
No sono, mal sabendo então que puxa a coberta
Afundando rapidamente. Se esse Nada, portanto
É assim contente, um bom Nada, ou se esse teu Nada
É simplesmente um Nada, frio, vazio, sem sentido.
Longamente silenciou o Buda, e disse então displicente:
Nenhuma resposta para vossa pergunta.
Mas à noite, quando haviam partido
Sentado ainda sob o pé de fruta-pão, contou o Buda aos outros
Aos que não haviam perguntado, a seguinte parábola:
Há pouco tempo vi uma casa. Queimava. A chama
Lambia o telhado. Aproximei-me e notei
Que ainda havia pessoas dentro. Cheguei à porta e gritei-lhes
Que o telhado estava em fogo, incitando-as assim
A sair rapidamente. Mas as pessoas
Pareciam não ter pressa. Uma delas me perguntou
Enquanto o calor lhe chamuscava a sobrancelha
Se não soprava o vento, se não havia uma outra casa
E coisas assim. Sem responder
Afastei-me novamente. Estes, pensei
Têm que queimar, até parar de fazer perguntas. Em verdade, amigos
Àquele que ainda não sente o chão bastante quente
Para trocá-lo por qualquer outro, em vez de lá ficar, a este
Nada tenho a dizer. Assim fez Gautama, o Buda.
Mas também nós, não mais ocupados com a arte de suportar
Antes ocupados com a arte de não suportar, e apresentando
Sugestões várias de natureza terrena, e aos homens ensinando
A desvencilhar-se dos tormentadores humanos, achamos que àqueles que
À vista dos iminentes esquadrões de bombardeiros do Capital gastam tempo a perguntar
Como pensamos em fazer isto, como imaginamos aquilo
E o que será de suas economias e de seus trajes de domingo após uma reviravolta
Nada temos a dizer.
A doutrina da roda da cobiça, à qual estamos atados, e aconselhou
Livrar-se de toda cobiça e assim
Sem ambição penetrar no Nada, que ele denominou Nirvana.
Perguntaram-lhe então um dia seus alunos:
Como é esse Nada, mestre? Todos nós queremos
Livrar-nos de toda cobiça, como nos aconselhas, dize-nos porém
Se esse Nada, no qual então penetraremos
É talvez como o ser-um com tudo criado
Ao deitar-se alguém na água, corpo leve, ao meio-dia
Sem pensamentos quase, com preguiça deitado na água, caindo
No sono, mal sabendo então que puxa a coberta
Afundando rapidamente. Se esse Nada, portanto
É assim contente, um bom Nada, ou se esse teu Nada
É simplesmente um Nada, frio, vazio, sem sentido.
Longamente silenciou o Buda, e disse então displicente:
Nenhuma resposta para vossa pergunta.
Mas à noite, quando haviam partido
Sentado ainda sob o pé de fruta-pão, contou o Buda aos outros
Aos que não haviam perguntado, a seguinte parábola:
Há pouco tempo vi uma casa. Queimava. A chama
Lambia o telhado. Aproximei-me e notei
Que ainda havia pessoas dentro. Cheguei à porta e gritei-lhes
Que o telhado estava em fogo, incitando-as assim
A sair rapidamente. Mas as pessoas
Pareciam não ter pressa. Uma delas me perguntou
Enquanto o calor lhe chamuscava a sobrancelha
Se não soprava o vento, se não havia uma outra casa
E coisas assim. Sem responder
Afastei-me novamente. Estes, pensei
Têm que queimar, até parar de fazer perguntas. Em verdade, amigos
Àquele que ainda não sente o chão bastante quente
Para trocá-lo por qualquer outro, em vez de lá ficar, a este
Nada tenho a dizer. Assim fez Gautama, o Buda.
Mas também nós, não mais ocupados com a arte de suportar
Antes ocupados com a arte de não suportar, e apresentando
Sugestões várias de natureza terrena, e aos homens ensinando
A desvencilhar-se dos tormentadores humanos, achamos que àqueles que
À vista dos iminentes esquadrões de bombardeiros do Capital gastam tempo a perguntar
Como pensamos em fazer isto, como imaginamos aquilo
E o que será de suas economias e de seus trajes de domingo após uma reviravolta
Nada temos a dizer.
O
capitalismo e o meio ambiente global alienado que o sistema produziu constituem
hoje nossa “casa em chamas”. Os ecologistas hegemônicos em geral preferem,
diante deste dilema monstruoso, ir pouco além de contemplá-lo, observando e
fazendo pequenos ajustes ao que os rodeia, enquanto as chamas lambem o telhado
e toda a estrutura ameaça entrar em colapso. Trata-se, em vez disso, de mudar,
de reconstruir a casa da civilização com princípios arquitetônicos diferentes,
criando um metabolismo mais sustentável entre a humanidade e o planeta. O nome
do movimento para conseguir isso, que surge dos movimentos socialistas e
ecologistas radicais, é Ecossocialismo, e Facing the
Anthropocene é seu manifesto mais atualizado e eloquente
—
* Este artigo é uma adaptação do
prólogo do livro de Ian Angus,Facing the
Anthropocene: Fossil Capitalism and the Crisis of the Earth System (Monthly
Review Press, 2016).
1 Bertolt Brecht, Brecht on
Theatre (New York: Hill and Wang, 1964), 275
2 Clive Hamilton e Jacques Grinevald,
“Was the Anthropocene Anticipated?”Anthropocene Review 2, no. 1 (2015):
67.
3 Paul J. Crutzen e Eugene F. Stoermer,
“The Anthropocene,”Global Change Newsletter, 1º/5/2000, 17; Paul J. Crutzen,
“Geology of Mankind,”Nature 415, no. 6867 (2002): 23; Colin N. Waters et
al., “The Anthropocene Is Functionally and Stratigraphically Distinct from the
Holocene,”Science 351, no. 6269 (2016): 137, 137, 2622-1–2622-10.
4 Spencer Weart, “Interview with M. I.
Budyko: Oral History Transcript,” March 25, 1990, http://aip.org ;
M. I. Budyko, “Polar Ice and Climate,” em J. O. Fletcher, B. Keller, and
S. M. Olenicoff, eds.,Soviet Data on the Arctic Heat Budget and Its Climatic
Influence (Santa Monica, CA: Rand Corporation, 1966), 9–23; William D.
Sellars, “A Global Climatic Model Based on the Energy Balance of the Earth
Atmosphere System,”Journal of Applied Meteorology 8, no. 3 (1969): 392–400;
M. I. Budyko, “Comments,”Journal of Applied Meteorology 9, no. 2 (1970):
310.
5 István Mészáros,The Power of
Ideology (New York: New York University Press, 1989), 128.
6 Karl Marx and Frederick Engels,Collected
Works, vol. 5 (New York: International Publishers, 1976), 40
7 George P. Marsh, Man and
Nature (Cambridge, MA: Harvard University Press, 1965); Frank Benjamin
Golley,A History of the Ecosystem Concept in Ecology (New Haven, CT: Yale
University Press, 1993), 2, 207; Karl Marx,Capital, vol. 1 (London: Penguin,
1976), 636–39;Capital, vol. 3 (London: Penguin, 1981), 949.
8 Lynn Margulis and Dorion Sagan, What
Is Life? (New York: Simon and Schuster, 1995), 47; Vladimir I. Vernadsky,The
Biosphere (New York: Springer, 1998). O conceito de biosfera, introduzido
originalmente pelo geólogo francês Edward Suess em 1875, foi muito mais
desenvolvido por Vernadsky e acabou associado basicamente a ele.
9 Vladimir I. Vernadsky, “Some Words
about the Noösphere,” en Jason Ross, ed.,150 Years of Vernadsky, vol. 2
(Washington, D.C.: 21st Century Science Associates, 2014), 82; E. V. Shantser,
“The Anthropogenic System (Period),” enThe Great Soviet Encyclopedia, vol. 2
(New York: Macmillan, 1973), 140. O artigo de Shantser introduziu a palavra
“Antropoceno” no idioma inglês.
10 Richard Levins and Richard
Lewontin, The Dialectical Biologist (Cambridge, MA: Harvard
University Press, 1985), 277; A. I. Oparin, “The Origin of Life,” en J. D.
Bernal,The Origin of Life (New York: World Publishing, 1967), 199–234; and
J. B. S. Haldane, “The Origin of Life,” en Bernal,The Origin of Life, 242–49.
11 Rachel Carson, Lost Woods (Boston:
Beacon, 1998), 230–31
12 G. Evelyn Hutchinson, “The Biosphere,”Scientific
American 233, no. 3 (1970): 45–53.
13 Barry Commoner,The Closing Circle:
Nature, Man, and Technology (New York: Knopf, 1971), 45–62, 138–75,
280.
14 E. Fedorov
citado em Virginia Brodine,Green Shoots, Red Roots (New York:
International Publishers, 2007), 14, 29. Ver também E.
Fedorov, Man and Nature (New York: International Publishers, 1972),
29–30; John Bellamy Foster, ” Late Soviet Ecology and
the Planetary Crisis ,”Monthly Review 67, no. 2 (June 2015): 9;
M. I. Budyko, The Evolution of the Biosphere (Boston: Reidel, 1986),
406. Os apelos de figuras proeminentes, como Fedorov, a uma resposta mais
rápida e radical diantes dos problemas ambientais foram basicamente ignorados
pelo Estado soviético, com resultados trágicos.
15 Fedorov, Man and Nature, 146.
16 Hamilton and Grinevald, “Was the
Anthropocene Anticipated?” 64.
17 Howard T. Odum, Environment,
Power, and Society for the Twenty-First Century (New York: Columbia
University Press, 2007), 3.
18 Odum, Environment, Power, and
Society, 263
19 E. P. Thompson, Beyond the Cold
War (New York: Pantheon, 1982) 41–80; Rudolf Bahro,Avoiding Social and
Ecological Disaster (Bath, UK: Gateway, 1994), 19; Odum,Environment,
Power, and Society, 276–78.
20 Rolf Edburg and Alexei Yablokov,Tomorrow
Will Be Too Late (Tucson, AZ: University of Arizona Press, 1991).
21Bertolt Brecht, Poemas
(1913-1956), Editora Braziliense, São Paulo, 1986
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