Tiago
Mota Saraiva | jornal i | opinião
Não
consegue pagar a renda dois meses. Retoma os pagamentos e o senhorio devolve.
Meses passados, chega o oficial de justiça com o aviso para pagar as rendas em
falta a duplicar e as que foram devolvidas com mais 50% de multa.
A
dívida entrou em progressão geométrica. Depois chega o despejo. Cada dia de
resistência acumula dívida. Mais dia menos dia, tem as suas contas e
vencimentos aprisionados, o tribunal aciona os mecanismos para garantir a
sobrerrenda do senhorio. Evitou-se a polícia, para que o problema não se torne
visível.
A
maioria dos proprietários de casas arrendadas ainda não usam algumas das
múltiplas possibilidades de proxenetismo que a lei lhes confere. Ainda há um
consenso na sociedade de que são imorais. O que Assunção Cristas produziu no
campo do arrendamento foi um quadro jurídico de radical desequilíbrio entre
proprietário e inquilino em favor do primeiro, com instrumentos desfasados do
que a sociedade entende como moralmente aceitável.
Todas
as operações são silenciosas e administrativas para que não tenham
visibilidade. O único instrumento do inquilino para reposição do equilíbrio é a
sua denúncia pública, identificando o nome do proprietário. No caso da Rua dos
Lagares (Lisboa), o proprietário utilizou outros instrumentos, sempre dentro da
lei. O objetivo era despejar 40 pessoas de um edifício na Mouraria. Os
moradores protestaram, criou-se uma rede de solidariedade e o município
interveio. Esta semana, a CML anunciou que havia chegado a um acordo que
garante a permanência dos moradores nas suas casas por mais cinco anos. É uma
vitória histórica que faz tremer o sistema feudal desenhado por Cristas – no
qual se espera que os inquilinos fiquem dependentes das boas graças do
proprietário.
Se
é certo que, no parlamento, a nova maioria já aprovou retificações à lei – uma
das quais altera a tolerância para com o não pagamento de dois para três meses
–, torna-se difícil perceber os motivos da não alteração de todo o quadro jurídico.
Ao longo das últimas décadas, a resposta que o Estado deu para retificar o problema do congelamento das rendas (que terminou em 1990, embora as associações de proprietários continuem a referi-lo como se existisse) foi sempre no sentido de conferir mais poderes ao senhorio na relação com o inquilino. Hoje, o problema é que o sistema está tão desequilibrado que não dá garantias de permanência a quem arrende a sua casa. Com um sopro dos mercados, qualquer inquilino pode ser despejado.
Escreve
à segunda-feira
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