sábado, 18 de novembro de 2017

Angola | 11 DE NOVEMBRO DE 1975 – UMA EPOPEIA DECISIVA - I



Martinho Júnior | Luanda
  
Em saudação ao 11 de Novembro de 2017, 42º aniversário da independência de Angola, com uma atenção especial em relação a Cabinda.

1- Foram três as batalhas decisivas que se travaram em Angola no último trimestre de 1975: a do Ebo, a de Quifangondo e a de Cabinda.

As vitórias obtidas pelas forças coligadas das FAPLA (Forças Armadas Populares de Libertação de Angola) e das FAR (Forças Armadas Revolucionárias) permitiram passar-se duma linha da frente “informal” e de geometria variável”, de que a passagem do Che por África inaugurou, para o início duma Linha da Frente que surgia como vanguarda contra o “apartheid” instalado na Namíbia e África do Sul, assim como contra o regime de Ian Smith na Rodésia, tudo isso redundante do fim do colonialismo em Angola.

Os combatentes que integraram essas fileiras por exemplo desconheciam (e desconhecem ainda hoje na sua grande maioria) o contexto fechado do Exercício ALCORA, no entanto a universidade de vida que foi essa luta em múltiplas frentes, deu-lhes uma percepção adequada sobre os fenómenos com que se tiveram de deparar, e neles sobre quem era quem…

Até então Brazzaville e Dar es Salam (com o ponto fraco intermédio em Lusaka), eram os lugares geográficos de referência para os combatentes da libertação de África, sobretudo angolanos, cubanos e moçambicanos, mas com a queda do colonialismo português, Luanda e Maputo passaram a ser decisivas na luta contra o renitente “apartheid”, o apêndice rodesiano e as respectivas sequelas, que guarneciam o último reduto fascista na África Austral (à qual o “Le Cercle” atraiu por via dos canais mentores do “apartheid”, quer Savimbi, quer Dlakhama).

Com esse movimento, também as redes clandestinas e semiclandestinas do MPLA, tiveram a oportunidade de sair de Kinshasa, de Lusaka, até de Brazzaville e Dar es Salam, tendendo imediatamente a concentrar-se em Luanda, onde outras suas redes haviam travado, desde 1961, uma luta constante que a partir dos meados da década de 60 do século XX se refinou, iniciando-se assim um processo inteligente, capaz de tirar partido dos expedientes de “assimilação” do próprio colonialismo, (conforme se propiciava por exemplo com a “apsic – acção psicológica”), revertendo-os paulatinamente a favor do empenho na libertação.

Em Luanda, entre os “assimilados”, vastos sectores da pequena e até de média burguesia urbana angolana, patriótica e com capacidade de luta, deu substância viva e experiência ao MPLA, pois tinham vindo a ser mobilizados e empenhados no caldo da contenda que também tinha matizes ideológicas, num processo amplo que se estendia à Iª Região Politico Militar.

2- Para Angola, em 1975, quando tudo estava por decidir, era necessário não se perder Cabinda a favor dos apetites do regime de Mobutu, ele próprio instrumentalizado em relação aos interesses da aristocracia financeira mundial.

Mobutu serviu-se da facção de N’Zita Tiago da FLEC como “biombo”, tal como se serviu de Holden Roberto e da FNLA para o resto do país (e mais tarde de Savimbi e da UNITA, após o colapso final do “apartheid”).

Se Cabinda fosse perdida para o Zaíre, seria praticamente impossível a sua recuperação para a causa da libertação do continente, pois se o facto se consumasse, a República Popular de Angola veria reforçados a norte os dispositivos zairenses às ordens da CIA e teria, por razões geoestratégicas e económicas, maiores dificuldades em bater-se contra o “apartheid” na fronteira sul com o Sudoeste Africano ocupado (Namíbia).

Essa foi a percepção do Comandante Fidel que permitiu galvanizar energias entre os angolanos e os cubanos, energias que iriam ser importantes na luta contra o “apartheid” e até mais tarde (após a neutralização da Operação Argon levada a cabo pela 4ª Recc das SADF) no empenho para que os Estados Unidos reconhecessem finalmente Angola!

Por outro lado, à época Cabinda havia sido o principal laboratório da guerrilha do MPLA e o seu papel em função da exploração do petróleo pelas multinacionais estado-unidenses e francesas, propiciava-se a que o MPLA tivesse presente uma abordagem permanente ao seu contexto distinto e sensível, uma vez que era substancial garantir a sobrevivência da RPA nos primeiros anos, no seguimento da proclamação da independência.

Mobutu, apoiado pela CIA e partícipe dos dispositivos mobilizados contra o MPLA, encontrou-se com o general António Spínola na ilha do Sal (Cabo Verde), a 15 de Setembro de 1974; ambos não queriam que o MPLA tomasse o poder em Luanda a 11 de Novembro de 1975, excluíam Agostinho Neto e em contrapartida, ambos acordaram apoiar a FNLA, a UNITA e a “facção Chipenda”, os dois últimos como uma fórmula para estabelecer uma plataforma de entendimento tácito e tático com o “apartheid”, uma vez que Savimbi foi desde logo atraído pelo novo esforço militar duma “border war” em que se encontrava “enquadrado” desde 1968 e Daniel Chipenda conduziu as forças que o seguiram à formação do Batalhão Búfalo (desde logo disponível para participar na Operação Savana, na tentativa das South Africa Defence Forces de tomar Luanda).

Por tabela e depois do general Spínola perder o mando sobre o processo de descolonização em Portugal, Mobutu apoiou também a FLEC, integrando o projecto da tomada de Cabinda no conjunto de dispositivos que decidiu projectar em relação às disputas pela independência de Angola.

A previsão para retalhar Angola, perdidas as três batalhas, esvair-se-ia em Ambriz e no Huambo a 11 de Novembro de 1975, quando respectivamente Holden Roberto e Jonas Savimbi declararam a versão “democrática” da República, a versão que ninguém ousou reconhecer, nem mesmo Mobutu, a braços com o colapso das suas próprias unidades das Forças Armadas Zairenses e dos mercenários contratados para tomar Cabinda e Luanda, (Exército de Libertação de Portugal, ELP, incluído).

Daniel Chipenda, ainda que tivesse feito translação pela FNLA, estava já “engolido” inteiramente pelos estrategas da “Border War”do “apartheid” e os efectivos que lhe eram seguidores, integraram o Batalhão 32, Búfalo, das South Africa Defence Forces, (Forças de defesa da África do Sul), instrumentalizado em estreia por via da Operação Savana, na tentativa de chegar a Luanda…

A norte, o papel de Mobutu assumido num poder neocolonial em Kinshasa foi reconvertido: antes do fim do colonialismo o Zaíre estava-se a preparar para um ataque contra os dispositivos do colonialismo português no norte e Cabinda, conjuntamente com a Líbia, chegando o “apartheid”, no âmbito do pacto que dava pelo nome de Exercício ALCORA, a começar a preparar as contramedidas comuns (com o colonialismo português) com a prevista deslocação de meios aéreos e mísseis (Crotale de fabricação francesa) para fazer face a essa contingência, já que as Forças Armadas Portuguesas sozinhas não conseguiriam enfrentar as ameaças que se avizinhavam, de que tinham já informação.

3- Em Fevereiro de 1974, tendo como pano de fundo o âmbito do Exercício ALCORA, foi apresentado pelo general Luz Cunha “a ameaça dum ataque concreto da República do Zaíre a Cabinda, na reunião do Conselho Militar de Angola”.

Nessa reunião ele referiu que “ultimamente têm-se acentuado o número de notícias que referem a possibilidade de a FNLA executar uma acção de força contra aquele território (Cabinda) apoiada directa ou indirectamente pelas Forças Armadas do Zaíre e por outros países, nomeadamente a Líbia”.

Para as autoridades coloniais eram as seguintes as vulnerabilidades que limitavam a defesa de Cabinda:

“Limitado potencial de fogo das companhias e batalhões de caçadores, cuja organização estava adaptada à guerra de contraguerrilha;

Inadequada preparação das unidades para a guerra convencional;

Muito deficiente capacidade de defesa anticarro (dado que a República do Zaíre dispunha duma brigada blindada com duzentos blindados);

Carência geral de meios blindados;

Carências muito graves no que respeita a material automóvel nas unidades de apoio de combate, especialmente de artilharia;

Inexistência de meios de defesa aérea e antiaérea, reconhecendo que o Zaíre e as nações limítrofes dispõem de superioridade aérea;

Muito limitada capacidade de apoio aéreo;

Deficiências em meios navais, especialmente em fragatas”.

O comando das Forças Armadas Portuguesas contactou a África do Sul e a 17 de Março de 1974 o general Luz Cunha informava o Ministro da Defesa em Lisboa através da seguinte mensagem:

“Em consequência da ameaça de acções de força contra Cabinda e fronteira norte, foi programado e posto em execução um plano de reconhecimento fotográfico (RecFoto) com meios aéreos da FAP (1ª fase) e sul-africanos (2ª fase), a fim de detectar preparativos de concentração de forças inimigas”.

A 20 de Abril de 1974 o aliado do “apartheid” fez uma proposta de apoio ao Comando-Chefe em Angola:

“Colocação em Luanda de dois aviões Camberra para missões de reconhecimento fotográfico e de seis aviões Mirage para execução de acções de demonstração de força”;

“Os aviões manteriam as insígnias sul-africanas e o pessoal usaria o respectivo uniforme nacional”;

“Pela parte portuguesa seria reforçado o destacamento temporário da Força Aérea em Cabinda com dois aviões B-26, um helicanhão e um DO-27 e o sector com duas companhias de Comandos”;

“Estas missões estavam previstas para o período de 29 de Abril a 3 de Maio”.

O Comando sul-africano considerava a geoestratégia do obcecado Mobutu, que procurava impedir o acesso a Angola, a todo o custo, do MPLA:

“Mobutu procurava reforçar, mais uma vez, a sua posição como dirigente africano anticolonialista, utilizando a FNLA para justificar a rejeição do MPLA”.

O expedito plano comum do colonialismo português e do “apartheid” não foi avante por que entretanto ocorreu o 25 de Abril de 1974, o que obrigava à reconfiguração de todas as geoestratégias.

Da parte de Mobutu, houve assim a possibilidade de aproximação à corrente de descolonização liderada pelo general António Spínola e daí o encontro com ele na ilha do Sal (Cabo Verde), a 15 de Setembro de 1974…

Martinho Júnior - Luanda, 7 de Novembro de 2017

Imagens:
- Retrospectiva sintética com mapa de Cabinda da evolução da situação segundo algumas pistas da FLEC;
- Os Canberra das South Africa Air Force do “apartheid”, no âmbito do Exercício ALCORA, estiveram para ser utilizados no norte de Angola e Cabinda a partir de Abril de 1974, em missões de reconhecimento e na espectativa de confrontações contra uma poderosa força invasora zairense coligada com forças da Líbia, a eclosão do 25 de Abril de 1974 inviabilizou esse plano, por “automática” caducidade do Tratado entre o colonialismo português, o “apartheid” sul-africano e regime rodesiano de Ian Smith;
- Encontro do general António Spínola e do presidente Mobutu na ilha do Sal (Cabo Verde), segundo o jornal Diário de Lisboa da época;
- Encontro de Henry Kissinger, Secretário de Estado da administração de Gérald Ford, com o presidente Mobutu em Kinshasa, a fim de criar condições para a implementação da Operação Iafeature, da CIA contra Angola, envolvendo Nzita Tiago (FLEC) e Holden Roberto (FNLA), na tentativa de retalhar Angola por alturas do 11 de Novembro de 1975 (no quadro da ofensiva sobre Cabinda e sobre o norte de Angola, a partir do Zaíre);
O Zaíre apoia o plano de Kissinger, publicado num jornal dos Estados Unidos da época.

Consultas de Martinho Júnior:
A liberdade que se alcançou está sedenta de amor e de vida – http://paginaglobal.blogspot.pt/2015/11/angola-liberdade-que-se-alcancou-esta.html
Os conflitos contemporâneos na África Sub Sahariana – http://paginaglobal.blogspot.pt/2016/08/os-conflitos-contemporaneos-na-africa.html

Outras consultas:
Departamento de Estado – transcrição de um dos encontros de Henry Kissinger com o presidente Mobutu, sobre o plano da CIA contra Angola – https://2001-2009.state.gov/documents/organization/67240.pdf
EUA queriam neutralidade na guerra colonial portuguesa – http://ultramar.terraweb.biz/Noticia_DocumentosSecretos_EUA_GuerradoUltramar_19Set2011.htm
Cabinda, une enclave convoitée – https://www.monde-diplomatique.fr/1986/10/MAS/39554

Sem comentários:

Mais lidas da semana