Martinho Júnior | Luanda
Em
saudação ao 11 de Novembro de 2017, 42º aniversário da independência de Angola,
com uma atenção especial em relação a Cabinda.
1-
Foram três as batalhas decisivas que se travaram em Angola no último trimestre
de 1975: a do Ebo, a de Quifangondo e a de Cabinda.
As
vitórias obtidas pelas forças coligadas das FAPLA (Forças Armadas Populares de
Libertação de Angola) e das FAR (Forças Armadas Revolucionárias) permitiram
passar-se duma linha da frente “informal” e de geometria
variável”, de que a passagem do Che por África inaugurou, para o início
duma Linha da Frente que surgia como vanguarda contra o “apartheid” instalado
na Namíbia e África do Sul, assim como contra o regime de Ian Smith na Rodésia,
tudo isso redundante do fim do colonialismo em Angola.
Os
combatentes que integraram essas fileiras por exemplo desconheciam (e
desconhecem ainda hoje na sua grande maioria) o contexto fechado do Exercício
ALCORA, no entanto a universidade de vida que foi essa luta em múltiplas
frentes, deu-lhes uma percepção adequada sobre os fenómenos com que se tiveram
de deparar, e neles sobre quem era quem…
Até
então Brazzaville e Dar es Salam (com o ponto fraco intermédio em Lusaka), eram
os lugares geográficos de referência para os combatentes da libertação de
África, sobretudo angolanos, cubanos e moçambicanos, mas com a queda do
colonialismo português, Luanda e Maputo passaram a ser decisivas na luta contra
o renitente “apartheid”, o apêndice rodesiano e as respectivas sequelas,
que guarneciam o último reduto fascista na África Austral (à qual o “Le
Cercle” atraiu por via dos canais mentores do “apartheid”, quer
Savimbi, quer Dlakhama).
Com
esse movimento, também as redes clandestinas e semiclandestinas do MPLA,
tiveram a oportunidade de sair de Kinshasa, de Lusaka, até de Brazzaville e Dar
es Salam, tendendo imediatamente a concentrar-se em Luanda, onde outras suas
redes haviam travado, desde 1961, uma luta constante que a partir dos meados da
década de 60 do século XX se refinou, iniciando-se assim um processo
inteligente, capaz de tirar partido dos expedientes de “assimilação” do
próprio colonialismo, (conforme se propiciava por exemplo com a “apsic –
acção psicológica”), revertendo-os paulatinamente a favor do empenho na
libertação.
Em
Luanda, entre os “assimilados”, vastos sectores da pequena e até de média
burguesia urbana angolana, patriótica e com capacidade de luta, deu substância
viva e experiência ao MPLA, pois tinham vindo a ser mobilizados e empenhados no
caldo da contenda que também tinha matizes ideológicas, num processo amplo que
se estendia à Iª Região Politico Militar.
2-
Para Angola, em 1975, quando tudo estava por decidir, era necessário não se
perder Cabinda a favor dos apetites do regime de Mobutu, ele próprio
instrumentalizado em relação aos interesses da aristocracia financeira mundial.
Mobutu
serviu-se da facção de N’Zita Tiago da FLEC como “biombo”, tal como se serviu
de Holden Roberto e da FNLA para o resto do país (e mais tarde de Savimbi e da
UNITA, após o colapso final do “apartheid”).
Se
Cabinda fosse perdida para o Zaíre, seria praticamente impossível a sua
recuperação para a causa da libertação do continente, pois se o facto se
consumasse, a República Popular de Angola veria reforçados a norte os
dispositivos zairenses às ordens da CIA e teria, por razões geoestratégicas e
económicas, maiores dificuldades em bater-se contra o “apartheid” na
fronteira sul com o Sudoeste Africano ocupado (Namíbia).
Essa
foi a percepção do Comandante Fidel que permitiu galvanizar energias entre os
angolanos e os cubanos, energias que iriam ser importantes na luta contra
o “apartheid” e até mais tarde (após a neutralização da Operação
Argon levada a cabo pela 4ª Recc das SADF) no empenho para que os Estados
Unidos reconhecessem finalmente Angola!
Por
outro lado, à época Cabinda havia sido o principal laboratório da guerrilha do
MPLA e o seu papel em função da exploração do petróleo pelas multinacionais
estado-unidenses e francesas, propiciava-se a que o MPLA tivesse presente uma
abordagem permanente ao seu contexto distinto e sensível, uma vez que era
substancial garantir a sobrevivência da RPA nos primeiros anos, no seguimento
da proclamação da independência.
Mobutu,
apoiado pela CIA e partícipe dos dispositivos mobilizados contra o MPLA,
encontrou-se com o general António Spínola na ilha do Sal (Cabo Verde), a 15 de
Setembro de 1974; ambos não queriam que o MPLA tomasse o poder em Luanda a 11
de Novembro de 1975, excluíam Agostinho Neto e em contrapartida, ambos
acordaram apoiar a FNLA, a UNITA e a “facção Chipenda”, os dois últimos
como uma fórmula para estabelecer uma plataforma de entendimento tácito e
tático com o “apartheid”, uma vez que Savimbi foi desde logo atraído pelo
novo esforço militar duma “border war” em que se encontrava “enquadrado” desde
1968 e Daniel Chipenda conduziu as forças que o seguiram à formação do Batalhão
Búfalo (desde logo disponível para participar na Operação Savana, na tentativa das
South Africa Defence Forces de tomar Luanda).
Por
tabela e depois do general Spínola perder o mando sobre o processo de
descolonização em Portugal, Mobutu apoiou também a FLEC, integrando o projecto
da tomada de Cabinda no conjunto de dispositivos que decidiu projectar em
relação às disputas pela independência de Angola.
A
previsão para retalhar Angola, perdidas as três batalhas, esvair-se-ia em
Ambriz e no Huambo a 11 de Novembro de 1975, quando respectivamente Holden
Roberto e Jonas Savimbi declararam a versão “democrática” da
República, a versão que ninguém ousou reconhecer, nem mesmo Mobutu, a braços
com o colapso das suas próprias unidades das Forças Armadas Zairenses e dos
mercenários contratados para tomar Cabinda e Luanda, (Exército de Libertação de
Portugal, ELP, incluído).
Daniel
Chipenda, ainda que tivesse feito translação pela FNLA, estava já “engolido” inteiramente
pelos estrategas da “Border War”do “apartheid” e os efectivos
que lhe eram seguidores, integraram o Batalhão 32, Búfalo, das South Africa
Defence Forces, (Forças de defesa da África do Sul), instrumentalizado em
estreia por via da Operação Savana, na tentativa de chegar a Luanda…
A
norte, o papel de Mobutu assumido num poder neocolonial em Kinshasa foi
reconvertido: antes do fim do colonialismo o Zaíre estava-se a preparar para um
ataque contra os dispositivos do colonialismo português no norte e Cabinda,
conjuntamente com a Líbia, chegando o “apartheid”, no âmbito do pacto que
dava pelo nome de Exercício ALCORA, a começar a preparar as contramedidas
comuns (com o colonialismo português) com a prevista deslocação de meios aéreos
e mísseis (Crotale de fabricação francesa) para fazer face a essa contingência,
já que as Forças Armadas Portuguesas sozinhas não conseguiriam enfrentar as
ameaças que se avizinhavam, de que tinham já informação.
3-
Em Fevereiro de 1974, tendo como pano de fundo o âmbito do Exercício ALCORA,
foi apresentado pelo general Luz Cunha “a ameaça dum ataque concreto da
República do Zaíre a Cabinda, na reunião do Conselho Militar de Angola”.
Nessa
reunião ele referiu que “ultimamente têm-se acentuado o número de notícias
que referem a possibilidade de a FNLA executar uma acção de força contra aquele
território (Cabinda) apoiada directa ou indirectamente pelas Forças Armadas do
Zaíre e por outros países, nomeadamente a Líbia”.
Para
as autoridades coloniais eram as seguintes as vulnerabilidades que limitavam a
defesa de Cabinda:
“Limitado
potencial de fogo das companhias e batalhões de caçadores, cuja organização
estava adaptada à guerra de contraguerrilha;
Inadequada
preparação das unidades para a guerra convencional;
Muito
deficiente capacidade de defesa anticarro (dado que a República do Zaíre
dispunha duma brigada blindada com duzentos blindados);
Carência
geral de meios blindados;
Carências
muito graves no que respeita a material automóvel nas unidades de apoio de
combate, especialmente de artilharia;
Inexistência
de meios de defesa aérea e antiaérea, reconhecendo que o Zaíre e as nações
limítrofes dispõem de superioridade aérea;
Muito
limitada capacidade de apoio aéreo;
Deficiências
em meios navais, especialmente em fragatas”.
O
comando das Forças Armadas Portuguesas contactou a África do Sul e a 17 de
Março de 1974 o general Luz Cunha informava o Ministro da Defesa em Lisboa
através da seguinte mensagem:
“Em
consequência da ameaça de acções de força contra Cabinda e fronteira norte, foi
programado e posto em execução um plano de reconhecimento fotográfico (RecFoto)
com meios aéreos da FAP (1ª fase) e sul-africanos (2ª fase), a fim de detectar
preparativos de concentração de forças inimigas”.
A
20 de Abril de 1974 o aliado do “apartheid” fez uma proposta de apoio
ao Comando-Chefe em Angola:
“Colocação
em Luanda de dois aviões Camberra para missões de reconhecimento fotográfico e
de seis aviões Mirage para execução de acções de demonstração de força”;
“Os
aviões manteriam as insígnias sul-africanas e o pessoal usaria o respectivo
uniforme nacional”;
“Pela
parte portuguesa seria reforçado o destacamento temporário da Força Aérea em
Cabinda com dois aviões B-26, um helicanhão e um DO-27 e o sector com duas
companhias de Comandos”;
“Estas
missões estavam previstas para o período de 29 de Abril a 3 de Maio”.
O
Comando sul-africano considerava a geoestratégia do obcecado Mobutu, que
procurava impedir o acesso a Angola, a todo o custo, do MPLA:
“Mobutu
procurava reforçar, mais uma vez, a sua posição como dirigente africano
anticolonialista, utilizando a FNLA para justificar a rejeição do MPLA”.
O
expedito plano comum do colonialismo português e do “apartheid” não
foi avante por que entretanto ocorreu o 25 de Abril de 1974, o que obrigava à
reconfiguração de todas as geoestratégias.
Da
parte de Mobutu, houve assim a possibilidade de aproximação à corrente de
descolonização liderada pelo general António Spínola e daí o encontro com ele
na ilha do Sal (Cabo Verde), a 15 de Setembro de 1974…
Martinho
Júnior - Luanda,
7 de Novembro de 2017
Imagens:
-
Retrospectiva sintética com mapa de Cabinda da evolução da situação segundo
algumas pistas da FLEC;
-
Os Canberra das South Africa Air Force do “apartheid”, no âmbito do
Exercício ALCORA, estiveram para ser utilizados no norte de Angola e Cabinda a
partir de Abril de 1974, em missões de reconhecimento e na espectativa de
confrontações contra uma poderosa força invasora zairense coligada com forças
da Líbia, a eclosão do 25 de Abril de 1974 inviabilizou esse plano, por “automática” caducidade
do Tratado entre o colonialismo português, o “apartheid” sul-africano
e regime rodesiano de Ian Smith;
-
Encontro do general António Spínola e do presidente Mobutu na ilha do Sal (Cabo
Verde), segundo o jornal Diário de Lisboa da época;
-
Encontro de Henry Kissinger, Secretário de Estado da administração de Gérald
Ford, com o presidente Mobutu em Kinshasa, a fim de criar condições para a
implementação da Operação Iafeature, da CIA contra Angola, envolvendo Nzita
Tiago (FLEC) e Holden Roberto (FNLA), na tentativa de retalhar Angola por
alturas do 11 de Novembro de 1975 (no quadro da ofensiva sobre Cabinda e sobre
o norte de Angola, a partir do Zaíre);
O
Zaíre apoia o plano de Kissinger, publicado num jornal dos Estados Unidos da
época.
Consultas
de Martinho Júnior:
A
liberdade que se alcançou está sedenta de amor e de vida – http://paginaglobal.blogspot.pt/2015/11/angola-liberdade-que-se-alcancou-esta.html
A
derrota de Mobutu em Cabinda – http://paginaglobal.blogspot.com/2011/11/derrota-de-mobutu-em-cabinda.html; http://pagina--um.blogspot.com/2010/12/derrota-de-mobutu-em-cabinda.html
Ainda
o sonho africano do Che – http://paginaglobal.blogspot.com/2012/05/ainda-o-sonho-africano-do-che.html
Che
45 anos depois – http://paginaglobal.blogspot.com/p/blog-page.html
O
resgate dos monangambas – I – http://paginaglobal.blogspot.com/2012/07/o-resgate-dos-monangambas-i.html
O
resgate dos monangambas – II – http://paginaglobal.blogspot.com/2012/07/o-resgate-dos-monangambas-ii.html
O
resgate dos monangambas – III – http://paginaglobal.blogspot.com/2012/07/o-resgate-dos-monangambas-iii.html
Desbravando
a lógica com sentido de vida – I – http://paginaglobal.blogspot.pt/2014/08/desbravando-logica-com-sentido-de-vida-i.html
Desbravando
a lógica com sentido de vida – II – http://paginaglobal.blogspot.pt/2014/08/desbravando-logica-com-sentido-de-vida.html
Desbravando
a lógica com sentido de vida – III – http://paginaglobal.blogspot.pt/2014/08/desbravando-logica-com-sentido-de-vida_15.html
Os conflitos contemporâneos na África Sub
Sahariana – http://paginaglobal.blogspot.pt/2016/08/os-conflitos-contemporaneos-na-africa.html
90
anos honrando a vida – http://paginaglobal.blogspot.com/2016/08/90-anos-honrando-vida.html
O
amor rigoroso que faz remover montanhas – http://paginaglobal.blogspot.pt/2016/01/o-amor-rigoroso-que-faz-remover.html
Outras
consultas:
Departamento
de Estado – transcrição de um dos encontros de Henry Kissinger com o presidente
Mobutu, sobre o plano da CIA contra Angola – https://2001-2009.state.gov/documents/organization/67240.pdf
EUA
queriam neutralidade na guerra colonial portuguesa – http://ultramar.terraweb.biz/Noticia_DocumentosSecretos_EUA_GuerradoUltramar_19Set2011.htm
Cabinda,
une enclave convoitée – https://www.monde-diplomatique.fr/1986/10/MAS/39554
Spínola
e Mobutu afastam Agostinho Neto e o MPLA – https://www.dn.pt/dossiers/politica/a-revolucao-de-abril/noticias/interior/spinola-e-mobutu-afastam-agostinho-neto-e-o-mpla-1210660.html
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