Martinho Júnior, Luanda
1 – Ocorreram 47 anos desde a passagem do Che por África!
Naquela altura uma guerrilha entre tantas outras procurava desesperadamente dar continuidade à saga de independência e liberdade encetada pelo heróico Patrice Lumumba.
As potências ocidentais desejosas de manter os seus privilégios, recorrendo a toda a casta de mercenários e agentes locais, deu-lhe caça.
Essa guerrilha, na profundidade das convicções de então, perdeu-se na bruma dos tempos e agora nos Kivus, as guerrilhas que em nome dos poderosos desestabilizam para que as matérias primas continuem a ser baratas e alvo dos saques, são estimuladas como nunca, expandindo a miséria, a fome, o deslocamento massivo forçado de milhões de seres, o “arco de crise” com todas as evidências da morte…
O tempo não apagará contudo os ensinamentos que perduram dessa aliança do Che com Laurent Kabila, simplesmente por que eles respiram a necessidade ampla de justiça que ainda não foi alcançada, a necessidade de, buscando energia ao sentido de vida que se cultivou com tanto fervor no âmbito do movimento de libertação, se lutar hoje contra o subdesenvolvimento, contra as sequelas que advêm do passado e contra tudo o que dá corpo afinal à opressão do presente e se constitui a perversa força com que se move o império pondo em risco cada vez mais a “casa comum” que constitui o próprio planeta.
2 – Os impactos do capitalismo neo liberal em África, nutrido de especulação financeira e do poder da aristocracia financeira mundial, num momento em que os recursos da Terra se vão inexoravelmente esgotando, é uma reciclagem neo colonial imposta a todos os povos do continente e ao mesmo tempo um desafio para todos aqueles que vão ganhando consciência real da situação e procuram soluções alternativas para ela, soluções com sentido de vida e por isso inspiradas na paz de que toda a humanidade urgentemente precisa.
Essas soluções não podem deixar-se confundir com as manipulações, com as ingerências, as tensões, os conflitos, as guerrilhas contemporâneas e as guerras: a pureza das profundas convicções assim o obriga!
A luta não se faz hoje com as armas na mão, o que abriria ainda mais as portas aos desejos bárbaros dos mentores do império, mas o sentido de responsabilidade dessa luta seria o mesmo se não tivesse havido movimento de libertação na América Latina e em África, se não se tivessem projectado para a história os heróis do passado, como os guerrilheiros das décadas de 60, 70 e 80 nos dois lados do Atlântico?
3 – Essa questão é hoje tanto mais pertinente quanto deste lado do Atlântico há a proliferação de conflitos, tensões, guerrilhas e guerras sob as mais diversas motivações, em especial motivações que se tornaram um pródigo manancial contra os interesses geo estratégicos dos povos e de África.
A guerrilha do Che expôs-se às traições (como são tão fáceis as traições): conseguiu entender o gérmen delas no leste do Congo, mas não se pôde furtar a elas na Bolívia, pelo que aí foi o seu fim (“Cubano diz que comunistas traíram Che Guevara” – http://noticias.terra.com.br/mundo/noticias/0,,OI109866-EI315,00-Cubano+diz+que+comunistas+trairam+Che+Guevara.html).
Che, em função das suas profundas convicções revolucionárias, tinha contudo a particularidade de prever e muitas das suas declarações se abriam a essa previsão de futuro.
Quando por exemplo teve a oportunidade de a 2 de Janeiro de 1965 se dirigir aos guerrilheiros do MPLA em Brazzaville (visita à sede do MPLA na capital congolesa), Che esclarecia:
“Guerrilheiro não é aquele que está na montanha, na montanha ou em qualquer outra zona de operações, guerrilheiro é o homem que já aprendeu a adaptar-se ao meio, a tomar desse meio tudo o que este pode oferecer a seu favor e que o leve a perder o medo ao exército inimigo. Esta é uma questão que não se consegue dum dia para o outro, pois ninguém nasce herói, nem a heroicidade é algo que se semeie”… (“O sonho africano do Che” – página 39 do livro de William Galvez).
4 – A luta em África hoje faz-se hoje em muitas frentes: desde a construção de infra estruturas e estruturas que inclusive não foram erguidas nestes 50 primeiros anos de independência, até e sobretudo com as batas brancas dos professores e dos médicos, por que é no homem e com o homem que se poderão ultrapassar todos os obstáculos inerentes ao subdesenvolvimento crónico a que África e a América Latina ainda estão submetidos.
Cada ser humano, cada comunidade e cada povo que é alfabetizado, por exemplo, é uma vitória para toda a humanidade!
5 – É esse o sentido de vida inerente à luta em África: mais infra estruturas, mais estruturas, mais educação e mais saúde e foi esse o marco da recente passagem do Vice Presidente do Conselho de Estado de Cuba, Esteban Lazo Hernandez, em visita de trabalho a Kinshasa, dando início a um outro ciclo de relacionamentos bilaterais com a República Democrática do Congo, relembrando o passado histórico e os heróis tão marcantes de África e da América Latina como o são Patrice Lumumba, o Che e Laurent Kabila!
O Digital Congo fez várias alusões a essa visita, das quais destaco (“Le Vice président du Conseil d’Etat de Cuba reçu en audience par le Chef de l’Etat salue l’excellence des relations entre Kinshasa et La Havane” – http://www.digitalcongo.net/article/83910):
“M. Esteban Lazo Hernandez, Vice-président du Conseil d’Etat de Cuba, arrivé jeudi à Kinshasa en visite de travail de quatre jours a été reçu vendredi par le Chef de l’Etat en saluant au sortir de cette audience l’excellence des relations entre son pays et la RDC.
M. Esteban Lazo Hernandez, Vice-président du Conseil d’Etat de la République de Cuba, s’est félicité de l’excellence des relations qui existent entre la République démocratique du Congo et son pays. M. Hernandez a fait cette déclaration au sortir de l’audience d’environ une heure que le Chef de l’Etat, le Président Joseph Kabila Kabange lui a accordée vendredi en son cabinet de travail de la Gombe.
L’hôte cubain a, à cette occasion, reconnu les efforts importants qui sont fournis par les autorités congolaises, sous la conduite du Président Joseph Kabila, en vue du développement intégral de la RDC, dans les domaines des infrastructures, de l’éducation, de la santé, de l’eau, de l’électricité et de la sante. Cuba, a-t-il poursuivi, dispose d’une longue expérience dans tous ces domaines et il est prêt à accompagner la RDC pour son développement”…
6 – O Congo é um país que, pela sua posição geográfica, pelos seus imensos recursos e pelo seu povo, constitui um manancial geo estratégico vital para África enfrentar as sequelas que advêm do passado como os impactos deste “modelo” de globalização neo liberal, nutrido da especulação financeira que se está a tornar num autêntico crime contra a humanidade (basta verificar a perversidade do que vai ocorrendo nos termos dessa especulação nos próprios Estados Unidos, na própria União Europeia e no resto do mundo)!
A bacia do rio Congo, é a de maior volume de águas interiores em África e o Congo, com Angola e a Zâmbia, formam a região noroeste da SADC, aquela que possui mais recursos hídricos no interior do continente africano, recursos esses que se expandem até ao coração geográfico do continente e são por si vitais em relação à sustentabilidade futura.
A bacia do Congo é o segundo maior pulmão tropical da Terra, a seguir ao Amazonas e ambos se situam em dois continentes, América e África, onde as afinidades históricas se reflectem até aos nossos dias.
A guerrilha do Che ocorreu precisamente junto ao lago Tanganika, onde se encontravam as forças de Laurent Kabila, à ilharga sul da bacia do grande pulmão de África!
7 – Che de armas na mão até poderia ter perdido todas as suas batalhas, mas o significado da sua luta, da luta do movimento de libertação, aquilo que foi ocorrendo desde a vitória revolucionária de Cuba, do sentido de vida que nos foi transmitido com tanto sacrifício e dignidade, transporta-nos para as convicções de hoje, que são essência da luta na “casa comum” onde existimos, a necessidade de continuar a saga que vem do passado histórico para vencer o subdesenvolvimento crónico em que África e a América Latina estão mergulhados.
Cuba e a RDC podem assim, também na integração prevista no quadro dos relacionamentos bilaterais pacíficos e exemplares, dar ainda mais conteúdo a essa luta, na certeza de que todos os ganhos que se obtiverem resultarão em benefícios salutares para a Terra.
África tem de sair por vontade própria e com a ajuda de todos os povos que constituem a humanidade, do “coração das trevas” em que foi tornada pelo egoísmo e pelo vício dos poderosos sem escrúpulos, predadores e inimigos da vida!
PAZ SIM, NATO NÃO!
CUBA PARA A CPLP!
Ao Dia de África – 25 de Maio de 2012!
Foto:
Esteban Lazo Hernandez, foto publicada no Digital Congo.
Consultas:
- “O fantasma do rei Leopoldo” – Adam Hochschild – http://www.submarino.com.br/produto/1/76686/fantasma+do+rei+leopoldo,+o
História de um dos maiores genocídios da humanidade na África.
O autor parte da história do oficial inglês Edmundo Morel, que denunciou o terror promovido pelos europeus na região do rio Congo instigando um dos primeiros movimentos pelos direitos humanos.
Leopoldo II, rei dos belgas, era dono de uma longa barba branca, uma amante adolescente e uma ganância absoluta.
Alimentou a todas com uma riqueza calculada em 1,1 bilhão de dólares atuais, espoliados com sistemática crueldade de um território centro-africano que se tornou seu feudo pessoal: o "Estado Livre do Congo" (ex-Zaire, atual República Democrática do Congo).
O rei belga pode ser considerado um antecessor dos dois grandes genocidas modernos, Hitler e Stalin.
Em 1885 Leopoldo se torna soberano absoluto do Congo; em 1908, é obrigado a transferir a administração do país ao governo belga - sob pressão de uma intensa e pioneira campanha internacional por direitos humanos liderada pelo inglês Edmund Morel.
Entre um extremo e outro, a população congolesa caiu pela metade. Dez milhões de pessoas morreram vítimas de seus métodos "administrativos", que incluíam o açoite até a morte dos trabalhadores escravizados que não cumpriam as cotas de coleta de látex e marfim.
Outros morriam nos grandes massacres de aldeias insurretas ou simplesmente em ações de retaliação "educativa", promovidas para vingar atos de insubordinação ou eventuais ataques aos brancos dominadores.
Juntamente com as doenças que os brancos traziam, a fome e a subnutrição - induzidas pela política de pilhagem de alimentos e pelo êxodo forçado da população - encarregaram-se de dizimar outros tantos milhões.
Entre os sobreviventes havia um grande número de pessoas sem mão ou pé, vítimas de mutilações punitivas.
Transformado em obra-prima da literatura universal por Joseph Conrad (O coração das trevas), o drama do Congo encontra em Adam Hochschild um cronista refinado, que sabe dar relevo humano aos personagens reais, sedutores e extravagantes que povoam este assombroso O fantasma do rei Leopoldo.
- “O assassinato de Lumumba” – Ludo de Witte – http://www.wook.pt/ficha/o-assassinato-de-lumumba/a/id/59157
O assassinato de Patrice Lumumba em 1961 foi certamente um dos mais importantes acontecimentos na história do continente africano na segunda metade do século XX.
As suas repercussões foram imensas, e ainda hoje o mundo sofre os seus efeitos. A publicação deste livro, quarenta anos depois do acontecimento, tem por isso uma enorme importância.
Respondendo, com apoio em abundante documentação, às questões - Quem matou Lumumba?, Por que razão foi morto Lumumba?, o livro é um contributo imprescindível para se compreender a história do Congo, e de toda a África, nos últimos cinquenta anos.
- “O sonho africano do Che” – William Galvez – http://groups.google.com/group/soc.culture.latin-america/browse_thread/thread/e1d397b86146f419/ddae5c7adac708fe%3Fq%3D%2522Luis%2BGarate%2522%23ddae5c7adac708fe&ei=iGwTS6eaOpW8Qpmqic0O&sa=t&ct=res&cd=1&source=groups&usg=AFQjCNHHHzDdorkTZiHo3m_p1KbIShzJug
LANÇADO EM HAVANA O "SONHO AFRICANO DO CHE", LIVRO DO GENERAL DE BRIGADA CUBANO WILIAM GALVEZ.
- O livro "O Sonho Africano do Che", escrito por Wiliam Galvez, general de brigada do exército cubano, foi lançado na segunda-feira na Casa de las Americas, em Havana.
O livro narra a campanha do guerrilheiro argentino-cubano no Congo em 1965, quando a pedido do actual primeiro mandatário congolês, Loren Kabila, vai para a África com um grupo de internacionalistas cubanos.
O general Galvez, membro da coluna invasora do comandante Camilo Cienfuegos, que junto a comandada pelo Che levou a luta contra o tirano Fulgêncio Batista a região central de Cuba, e é considerado uma autoridade literária sobre os fatos, devido a sua
ligação pessoal aos mesmos.
ligação pessoal aos mesmos.
7 comentários:
Excluído da vida política e administrativa de Cuba pelos russos, que sustentavam com bilhões de dólares o banquete de “la revolución” e não o queriam por perto, Guevara saiu mundo afora. Sua idéia era criar “um, dois, muitos Vietnãs” para debilitar o “imperialismo ianque”. Julgando oportuno e financiado por Ben Bella (leia-se “petróleo argelino”) e contemplado com armas chinesas, rumou para o Congo (ex-belga) e se juntou às tropas rebeldes de Laurent Kabila, o jovem aspirante a ditador que, por sua vez, queria derrubar o governo de Moise Tshombe e tomar o seu lugar.
Com 127 guerrilheiros cubanos e 3 mil soldados congoleses bem armados, Guevara se internou nos charcos do país africano e tentou derrubar Tshombe. Seus objetivos no Congo eram, pela ordem, privar as fontes financeiras do governo provenientes das minas, obrigar a Bélgica a reconhecer o novo Estado revolucionário, controlar os minerais estratégicos para benefício do bloco socialista e, mais tarde, levar sua guerrilha até Angola.
Diante da ameaça, Tshombe contratou os serviços do Coronel Mike “Mad” Hoare, mercenário sul-africano, especialista em guerra de movimento nas selvas. Conforme registra o historiador Miguel A. Faria, em “Escape of from lost paradise” (Hacienda Publishing, 2002), as derrotas dos guerrilheiros do “Che” no Congo, foram “desmoralizantes”. Na batalha pela hidrelétrica de Bendela, por exemplo, Hoare eliminou boa parte da guerrilha e botou o CHE a correr.
Na batalha de Fizi Baraka, nas proximidades do Lago Tanganica, Hoare encurralou Guevara e suas tropas, atacando-as pela retaguarda, de madrugada, destruindo o serviço de comunicação e o centro de abastecimento da guerrilha. No entrechoque fatal, Hoare eliminou 125 soldados congoleses e deixou pelo chão mais de 600 feridos. O “Che”, que tinha prometido aos seus comandados “devorar” com as próprias mãos os adversários vencidos, bateu célere em retirada. No seu próprio diário sobre a experiência militar do Congo (“Passagens da guerra revolucionária: Congo” - Record, Rio, 2005), diz que a experiência foi um “fracasso absoluto” e justifica a clamorosa derrota pela “indisciplina” dos soldados congoleses - que, por sinal, diga-se de passagem, eram também canibais, pois comiam o fígado e o coração dos inimigos.
(Depois da fuga humilhante, irritado com a derrota incontornável, o “Che”, vendo um dos seus guerrilheiros em conversa íntima com uma africana, ordenou que o comandado ficasse de joelhos e, em seguida, deu-lhe malvadamente um tiro bem no meio da testa).
Numa carta dirigida à primeira esposa, Hilda Gadea, o carrasco que de arma em punho matou vários presos políticos na prisão de La Cabaña, e que era movido pelo ódio como fator de luta, escreveu: “Querida velha. Estou na selva cubana, vivo e sedento de sangue”.
AS HABITUAIS TRAIÇÕES A ÁFRICA E À HUMANIDADE!
1 ) Tornar todos os Tshombés em heróis, tornar todos os Hoaras em heróis, é isso que continua a acontecer em África: quanto mais confusão e mercenários houver, mais proveitoso e lucrativo, para que África se mantenha dividida, frágil e inerte, pronta para o saque!
2 ) Os povos sabem distinguir bem os que passaram pela vida com convicções profundas e com princípios, com ética, independentemente da sorte que tiveram em seus actos.
3 ) Foram os Tshombés e os Hoara que mataram Patrice Lumumba, que mataram Laurent Kabila, para que o saque continuasse e o Congo se mantivesse no estado de torpor em que sempre esteve.
4 ) O sentido da vida que levou Esteban Lazo Fernandez ao Congo (e a outros países africanos, pois a visita está em curso), resulta de 50 anos de solidariedade cubana com África, por que Cuba é incondicional na educação e na saúde; o Congo tem toda a legitimidade em procurar, com Joseph Kabila, sair do imenso torpor.
5 ) Os donos dos Tshombés e dos Hoaras, que são também agora donos do destino de milhões de norte americanos e europeus reduzidos à impotência da indignação, fizeram sempre tudo para que África não aprendesse, África ficasse analfabeta e não se descobrisse a si própria, para que África morresse aos milhões e milhões (se não fosse pela via das guerras, pela via da miséria extrema, da subnutrição e da morte)!
6 ) Há quem, tentando atacar a memória do Che (o livro de William Galvez é uma profusa descrição do Che no Congo), procure esconder que é por causa de todos o Tshombés e Hoaras de todos os continentes que hoje se chegou ao extremo daqueles 1%, concentrando a maior parte da riqueza acumulada disponível na Terra, dominar os 99%da restante população mundial!
7 ) Defender os Tshombés e os Hoaras é tentar tapar o sol com a peneira: as suas vitórias trazem o sinal da morte, não o sentido da vida e foram os heróis africanos do movimento de libertção, com a solidariedade de Cuba, os que tiveram a coragem de enfrentar uma besta de séculos que ainda não se arredou de África!
Martinho Júnior.
Luanda.
Constate-se o "CANADÁ NEGRO":
- Negro Canada – saqueo, corrupción y criminalidade en África – http://www.rebelion.org/docs/149755.pdf
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