sábado, 4 de fevereiro de 2017

Angola. ENSINO SUPERIOR: FINANCIAMENTO E ACESSIBILIDADE 3




M. Azancot de Menezes* - Jornal Tornado

Ainda sobre o estudo inédito acerca do ensino superior em Angola, por M. Azancot de Menezes, a que o Jornal Tornado teve acesso, segue hoje a continuação da publicação iniciada em Dezembro último

M. Azancot de Menezes propôs-se discutir as políticas de propinas à luz do princípio da equidade e analisar medidas de política educativa relacionadas com a acessibilidade do sistema. Tendo, no âmbito desta pesquisa, aplicado questionários a mil estudantes de 18 Instituições de Ensino Superior (IES), em 2013, a seis Regiões Académicas das Províncias de Benguela, Huíla, Luanda, Malanje, Kuanza-Sul e Uíge.

Na edição do dia 30 de Dezembro de 2016 fizemos uma introdução ao estudo (Ensino Superior: Financiamento e acessibilidade 1), com uma breve contextualização do País, e explicitando quais foram as regiões académicas abrangidas. Dando seguimento a esta publicação, para melhor esclarecimento do assunto, o Jornal Tornadosolicitou ao autor que fizesse uma breve alusão aos pressupostos teóricos do estudo e aos resultados gerais da investigação empírica. Tendo formulado quatro blocos de perguntas ao investigador, cujas respostas iniciais foram dadas na edição de 17 de Janeiro (Ensino Superior: Financiamento e acessibilidade 2), e as restantes estão na edição de hoje:

Jornal Tornado: No seu estudo disse que recorreu ao Plano Nacional de Formação de Quadros (PNFQ) de Angola, e referiu-se a “modelos de financiamento do ensino superior” e à “acessibilidade”. Em que medida é que os dados e informações do PNFQ foram importantes para o estudo? Por outro lado, para que todos nós possamos acompanhar com mais interesse o seu raciocínio enquanto investigador, quer fazer o favor de explicitar melhor a significação desses dois conceitos?

Azancot de Menezes: Com certeza, tenho o maior prazer, mas, antes de responder às suas perguntas, gostaria de clarificar o meu posicionamento inequívoco em matéria de educação. A educação produz “externalidades” e por isso justifica o financiamento público através do Estado.

Como assim?!

A educação produz mais-valias, com efeitos sociais, externos ao indivíduo. Claro que o estudante tem o seu benefício, pessoal, contudo, há efeitos para a sociedade no seu todo, ou seja, origina “externalidades” que se tornam benefício de toda a comunidade. Esta leitura parece-me de toda a clareza porque o investimento nos recursos humanos, nomeadamente na educação, é determinante para a luta contra a exclusão social e a pobreza. Permita-me fazer um breve parêntesis para ilustrar de forma simpática e em termos históricos a relação educação / externalidades.

Um autor de referência internacional, Jürgen Schriewer da Universidade de Humboldt de Berlim (Alemanha) publicou um escrito muito interessante intitulado “Formas de Externalização no Conhecimento Educacional”, um documento publicado nos Cadernos Prestige (Problems of Educational Standardisation and Transitions in a Global Environment). Segundo este autor, citando Arinori Mori (1872) – o primeiro Encarregado de Negócios do Japão Imperial nos EUA, no âmbito da disseminação global da ideologia educacional, refere que foram formulados os efeitos sociais a longo prazo de um sistema educativo construído com base em determinados princípios.

Esse novo sistema tinha como alcance o progresso da sociedade em múltiplas dimensões: âmbito económico, material, político, científico e moral. Segundo Schriewer, invocando Herbert Passin, um autor que escreveu sobre a sociedade e a educação no Japão, o «aumento do nível de educação de toda a população conduziria, por um lado, no que respeita à política externa, a um poderio económico, político e militar», por outro lado, ao nível interno, «a uma visível redução da força policial e de um sistema judiciário assente em princípios de coerção e represálias», ou seja, já nesse tempo era visível esta visão das “externalidades” considerada pelos investigadores sociais de hoje como absolutamente fundamental.

Muito bem, Dr. Azancot de Menezes! Estamos esclarecidos! Regressemos ao PNFQ, aos «modelos de financiamento do ensino superior» e à «acessibilidade», se faz favor.

O PNFQ é um documento orientador da capacidade técnico-científica concebido com o objectivo de corresponder, de forma sustentável, às necessidades que decorrem das prioridades definidas pela estratégia de desenvolvimento de Angola. Através deste documento, com uma margem de erro diminuta, consegue-se projectar para o período 2013-2020 o balanço de necessidades da oferta educativa interna nos domínios estratégicos do ensino superior (cursos das áreas científicas consideradas no estudo).

Dos vários resultados desta minha pesquisa, que mereceram a aprovação de Rui Brites, um dos grandes metodólogos portugueses, docente no ISEG (Universidade de Lisboa), apurou-se que os estudantes inquiridos estão inscritos em 73 cursos de todas as áreas científicas. Se tivermos em atenção o PNFQ, por exemplo, no curso de engenharia electrotécnica e electrónica, até 2020, estimou-se que em Angola há um défice na ordem dos 2150 engenheiros, contudo, os resultados do estudo mostram que é um dos cursos menos frequentados, com apenas 0.1% de frequência!

Refiro-me apenas a este caso, mas há mais situações de incongruência. O que eu quero tentar demonstrar é que as estatísticas sobre a frequência dos cursos seleccionados pode indicar que não tem havido cumprimento das orientações políticas de educação superior ou não há articulação entre a tutela e as IES, uma situação que, a existir, deve merecer especial atenção do Estado e das Instituições de Ensino Superior, pois, se não houver articulação, para além de gastos financeiros desnecessários, corre-se o sério risco de mergulhar para o desemprego estrutural.

Numa outra perspectiva ou de forma cumulativa, como a escolha dos cursos por parte dos estudantes pode depender de várias variáveis, como a origem social e económica dos estudantes ou dos seus pais, pode ter sucedido que os diferentes cursos foram seleccionados de forma desigual por essas razões, um assunto muito interessante que foi tratado em detalhe no estudo e que nos conduz, precisamente, às questões da acessibilidade e equidade, temáticas brilhantemente abordadas pelo grande sociólogo francês Pierre Bourdieu.

Relação dos cursos frequentados

Pelos estudantes inquiridos em 18 IES angolanas (2013)

Curso
N
%
Administração e Gestão de Território
5
,6
Administração e Marketing
8
,9
Análises Clínicas
 9
1,0
 Arquitectura
 3
,3
 …
 …
 …
 Sociologia
 33
3,8
 Total
858
 100,0

Nota de edição
Os primeiros artigos deste estudo foram publicado a:

*Secretário-Geral do Partido Socialista de Timor (PST) e Professor Universitário

*M.Azancot de Menezes, Díli – também colabora no Página Global

DE PINOCHET A TRUMP



Entre os matadouros humanos do general Augusto Pinochet, no Chile, e o terror anunciado e já iniciado por Donald Trump, expoente capitalista entronizado presidente dos Estados Unidos da América, distam 35 anos.

José Goulão*, opinião

Nesse período proclamou-se o fim da História, transformou-se o mercado no deus absoluto de céus e terra; homens e mulheres maravilharam-se, rendendo-se às novas missangas da tecnologia e da globalização; revolucionaram-se mapas nos quais se desfizeram, nasceram, renasceram e inventaram países.

Para que tais milagres, celebrados em mirabolantes farândolas mediáticas, fossem possíveis liquidaram-se milhões de pessoas, transformaram-se mais milhões ainda em refugiados, o terrorismo expandiu-se como ameaça global, o fosso das desigualdades entre os seres humanos cresceu de modo exponencial, o planeta foi dizimado ambientalmente, os comércios livres de armas, de drogas e de dinheiros sujos funcionam como alavancas clandestinas do poder económico e financeiro; um único exército de mil exércitos controla o mundo.

E, contudo, a crise afectando o sistema que determina a ordem mundial chegou, viu, e teima em resistir a todas as mezinhas. Muitos factos que nos rodeiam indiciam que o sistema de anarquia capitalista global está a atingir o esgotamento do prazo de validade – pelo menos nos padrões de funcionamento mais usados – e procede agora a correcções de rota, neste caso um visível regresso às origens.

É aqui que se dá o encontro entre Augusto Pinochet e Donald Trump, irmanados prosaicamente pelo fascismo político, redescoberto como a solução que resta, e a mais garantida, de fazer funcionar o fascismo económico e financeiro inerente à plenitude neoliberal.

O neoliberalismo, que tem sido entendido como estado supremo e bem-aventurado do capitalismo, no qual o mercado reina sem peias sociais e de dignidade humana, é o primado absoluto da economia do lucro máximo e da liberdade de especulação financeira
A primeira experiência da passagem à prática das teorias neoliberais renascidas na chamada Escola de Chicago, sob a tutela do seu mestre Milton Friedman, foi o Chile de Pinochet, estabelecido em Setembro de 1973 por acção do golpe militar fascista que derrubou o presidente Salvador Allende e o seu governo de Unidade Popular, legitimados por eleições livres e democráticas.

Os enviados da Escola de Chicago, os chamados «Chicago boys» na sequência do golpe preparado por Henry Kissinger e pela CIA – como outros na mesma época, na América Latina… E também na Europa – tomaram as rédeas da economia chilena sob a protecção de uma feroz ditadura política.

O sanguinário processo deu origem a milhares de democratas assassinados e desaparecidos, sindicatos e partidos dizimados, liberalização absoluta das leis de trabalho e do mercado laboral, privatizações sem limites e a preços de saldo, substituição da segurança social por seguros de saúde para alguns, enfim não é preciso enumerar a longa lista de malfeitorias pois algumas até as conhecemos por experiência própria, via União Europeia.

Da passagem da experiência chilena à institucionalização regimental do neoliberalismo foi um ápice. No Reino Unido, a primeira-ministra Margaret Thatcher, admiradora confessa de Friedman e Pinochet, procedeu a transformações económicas neoliberais sob o enquadramento do sistema político vigente, adaptado às circunstâncias – por isso ficou conhecida como «dama de ferro», devido à maneira como dizimou a vertente social da economia e reduziu a pó o poder sindical, sem hesitar em recorrer a acções de repressão de tipo fascista.

Rumo idêntico seguiu a administração Reagan nos Estados Unidos da América, a partir de 1980, ano em que se iniciou a chamada «revolução conservadora» que trouxe o mundo à situação em que se encontra. Membros da administração de Ronald Reagan e seus discípulos tornaram-se determinantes nas presidências seguintes, tanto sob os rótulos republicano, Bush pai e filho, como democrata – casos da família Clinton e de Obama.

Do mesmo modo, no Reino Unido e através da Europa a política neoliberal instaurada por Thatcher foi seguida, no essencial, pelos trabalhistas como Tony Blair e outros descobridores da «terceira via», de Felipe Gonzalez a Hollande, sem esquecer os sociais-democratas nórdicos e alemães.

Daí que a transformação da Comunidade Europeia em União Europeia, nos anos noventa, se tenha processado, por inteiro, sob os cânones neoliberais, de que são exemplos as destruições dos aparelhos públicos e sociais nos Estados membros, os intermináveis processos de privatizações, de agonia austeritária, de «liberalização» dos sistemas laborais, de ditaduras das dívidas e dos défices.

Eis então que a crise explode em 2009, depois de ter amadurecido durante os primeiros anos do século. É significativo que entre os principais instrumentos de combate ao fenómeno, nos dois lados do Atlântico, tenham estado a degradação ainda mais ostensiva da democracia e a multiplicação de guerras e agressões, ditas “humanitárias” e “democráticas”, nas regiões mais geoestratégicas do globo.

No primeiro período da «revolução conservadora», principalmente na Europa, o sistema de pluralismo democrático foi reduzido ao primado dos chamados «blocos centrais» ou «arcos da governação», cópias mais ou menos aparentadas do sistema bipartidário norte-americano: duas siglas obedientes ao mesmo sistema económico e financeiro e apenas ligeiramente diferenciadas nas práticas política e social.

A partir de 2009, sobretudo na União Europeia, o processo de desvalorização democrática perdeu o pudor e, como hoje podemos testemunhar, o fascismo e a xenofobia afirmam-se sem disfarces perante a cumplicidade, quando não o apoio, de Bruxelas. A Hungria, os Estados do Báltico, a Polónia, a Eslováquia seguem o seu rumo autoritário sem ser incomodados, enquanto todas as antenas da União fiscalizam o exemplo democrático e plural português como algo de anacrónico e desafiador, com os instrumentos punitivos à mão.

Por isso, não têm os agentes da especulação financeira e da exploração económica acastelados nas estruturas da União Europeia qualquer credibilidade para se afirmarem como bastiões de defesa da democracia perante a investidura e as investidas fascistas de Donald Trump.

A xenofobia e o desprezo de Merkel perante os refugiados e os povos do sul da Europa, a aliança institucional de Renzi com a extrema-direita berlusconiana em Itália, os despropósitos de Hollande ao governar há mais de um ano na arbitrariedade do estado de excepção, enquanto vai cumprindo a agenda social da família Le Pen pretensamente para travar o passo a Marine Le Pen, são maneiras mais ou menos encapotadas de estar em sintonia com Trump. Porque, além disso e como sabemos perante abundantes exemplos, a construção de muros, cercas e fossas anti-refugiados é uma prática europeia prévia à emergência de Trump; e também nada obstou a que a União Europeia fosse parte activa na concretização do golpe fascista na Ucrânia, apresentado como «revolução democrática», e nas guerras que destruíram países como o Iraque, a Líbia e a Síria.

Aliás, toda a argumentação dos governos europeus tentando harmonizar as declarações de fidelidade à NATO e a suposta contestação a Trump caem pela base sabendo-se que o mesmo Trump é, sem tirar nem pôr, o comandante supremo da NATO.

O ingresso de Donald Trump na Casa Branca aparenta ser um regresso do neoliberalismo à experiência original. Embora, visivelmente, a prática do novo presidente norte-americano esteja a suscitar contradições – que são mais inquietações – em alguns círculos do grande poder capitalista norte-americano e transnacional, os seus métodos parecem ser necessidades objectivas para a sobrevivência do neoliberalismo perante a crise, sob a ameaça de esgotamento dos efeitos temporariamente favoráveis da globalização, do aviltamento da democracia e do recurso à multiplicação de guerras.

A afirmação brutal de um nacionalismo norte-americano fundamentalista, tradicionalista e doentio, em busca da recuperação de galões económicos perdidos na globalização e no neoliberalismo exercido em tons formalmente democráticos, coloca-o em confronto com outros nacionalismos tradicionais ou renovados, recriando cenários tragicamente semelhantes aos que antecederam a Primeira Guerra Mundial.

Acresce que Donald Trump não é um «engano» do establishment norte-americano. Nem ele enganou ninguém para chegar onde chegou. Foi como candidato com programa fascista e ultra-nacionalista que foi eleito presidente, dentro do funcionamento normal do sistema político – mesmo com minoria de votos, como aliás já sucedeu em outros casos nos Estados Unidos, e também em países europeus. Sabemos ainda, como regra geral, que a vontade real das maiorias poucas vezes se casa com a democracia.

Como talvez nenhum outro presidente norte-americano, Trump entra a cumprir o que prometeu, não se esconde em eufemismos nem discursos redondos. Surpreendente é que tantas almas mainstream se declarem agora estupefactas e continuem a acreditar que existem dissonâncias entre Trump, o establishment e o próprio neoliberalismo – quando têm todos, e sempre, a mesma essência: poder absoluto do mercado, ganância de lucros sem limites, exploração máxima, direitos humanos zero, especulação financeira sem barreiras.

O que a chegada de Donald Trump à Casa Branca demonstra, em primeiro lugar, é que o neoliberalismo deu como esgotada a etapa de convívio com a democracia – ainda que precária – e, nas condições actuais, liga a sua própria sobrevivência ao autoritarismo político, no limite o próprio fascismo. Aqui chegou o estado supremo do capitalismo.

Posto isto, enquanto Donald Trump e Augusto Pinochet selam simbolicamente a sua cumplicidade, grande borrasca paira sobre o mundo. Quando um ciclo se fecha, outro deverá estar em formação. O problema mais inquietante são as circunstâncias do ponto de partida.

Trump não é um fenómeno, um erro ou engano; é uma consequência natural de um sistema acossado por uma crise renitente que resiste a terapias cada vez mais extremas.


Autor da capa polémica sobre Trump: "Democracia norte-americana está em perigo"



Edel Rodriguez falou com a TSF sobre a capa que desenhou para a Der Spiegel, em que Trump decapita a Estátua da Liberdade.

O ilustrador nasceu em Cuba e aos nove anos viajou até aos Estados Unidos, como refugiado político, em plena Guerra Fria. Edel Rodriguez referiu à TSF que a ideia para a capa surgiu durante um trabalho sobre o terrorismo e as similaridades com as políticas de Trump.

"Durante um par de anos estive a fazer algum trabalho sobre terrorismo e algumas das suas técnicas e quando o Trump apareceu, comecei a fazer algumas imagens sobre Trump. A dada altura, comecei a juntar algumas semelhanças entre os dois. Da mesma que desenhava terroristas a fazerem isto a pessoas, achei que seria uma ideia interessante mostrar Trump a fazer o mesmo à democracia", referiu em entrevista à TSF.

O cubano, entretanto naturalizado americano, desenhou uma imagem de Donald Trump com a cabeça da Estátua de Liberdade decapitada, ensanguentada, enquanto segura também uma faca. A ilustração faz capa da revista Der Spiegel e está nas bancas desde sexta-feira.

"A metáfora é que a democracia e a forma como este país tem acolhido imigrantes no passado está em perigo neste momento por causa desta pessoa. E qual é a melhor maneira de passar essa mensagem? Eu senti que esta era a maneira. Toda a gente percebe o que isto significa. Pode discordar mas toda a gente percebe", explicou Rodriguez.

O ilustrador disse que o cartoon "é uma reação à forma como o Trump é", adicionando que "luta-se contra a propaganda com outro tipo de propaganda".

O artista cubano confessou discordar "de basicamente tudo" o que o presidente norte-americano faz e pensa, aproveitando para relembrar que a Estátua da Liberdade é um símbolo de uma América livre e multicultural.

"Só há um país com a Estátua de Liberdade. É um símbolo de boas-vindas a emigrantes de todos os países. Já recebeu italianos durante a Segunda Guerra Mundial. Recebeu cubanos no meio da Guerra Fria. Eu sou cubano e foi-me permitido vir para os Estados Unidos no meio da Guerra Fria, quando a Rússia e Cuba estavam contra os Estados Unidos. Ainda assim, acolheram-me como refugiado", rematou.

Além da revista alemã Der Spiegel, Edel Rodriguez já publicou ilustrações no The New Yorker, The New York Times, TIME, Newsweek.

Sara de Melo Rocha – TSF – Ilustração: Capa de Der Spigel

CAPITALISMO SEM SOLUÇÕES DE FUNDO PARA BENEFÍCIO DA HUMANIDADE



O PRESIDENTE DONALD TRUMP ATASCA A OPÇÃO PROTECCIONISTA NA EXAUSTÃO PROGRAMADA DO CAPITALISMO NEOLIBERAL


A ascensão de Donald Trump nas últimas eleições para Presidente, à frente do partido republicano nos Estados Unidos, representa o jogo sócio-político duma fracção do poder da aristocracia financeira mundial, numa tentativa desesperada de não perder o domínio no quadro duma hegemonia unipolar cada vez mais vacilante, reconhecendo que, para o efeito, muita coisa há a arrumar internamente nos próprios Estados Unidos, a fim de continuar a perseguir esse objectivo.

A nível interno a oposição (que é preciso relembrar, foi ganhadora no voto popular), passou deliberamente e de forma teleguiada para as ruas, como se os Estados Unidos estivessem em plena“Revolução Colorida”, o que concorre para toda a confusão que alimenta as tendências mais à esquerda, num presumível campo popular que está efectivamente muito longe de o ser!

De facto, a recém-instalada administração de Donald Trump, apesar do optimismo de alguns analistas como Thierry Meyssan, muito atento em relação ao curto exercício de duas semanas até agora realizado, põe a descoberto o esgotamento do poder da aristocracia financeira mundial em sua própria tentativa de acomodação nos Estados Unidos e os equívocos sucedem-se num estonteante encadeado que demonstra por si a decadência da opção pela hegemonia unipolar estado-unidense.

A Donald Trump parece não conseguir chegar o tirar partido directo e sem interpostas entidades, de maneira distinta aos seus antecessores republicanos, do poderoso “lobby” da energia e do armamento que tradicionalmente estimula a corrente a que ele está “tradicionalmente” ligado.

Também o recurso ao fundamentalismo da civilização judaico-cristã é insuficiente se não mesmo enfraquecedor, face aos fenómenos sócio-políticos inerentes à complexa sociedade multicultural dos Estados Unidos e de toda a América.

Desde a administração republicana de Ronad Reagan que os sucessivos Presidentes se deixaram aliciar e enredar pelas correntes capitalistas neoliberais que aproveitaram a especulação por via da“financeirização” até aos limites para colocar tecnologias e indústrias onde desse mais lucro, produzissem ingerências e manipulações onde quer que fosse, estimulassem os processos neocoloniais por todo o mundo e agora as corporações poderosas, em relação às quais Donald Trump está ligado (como por exemplo a Exxon, ou a Chevron), têm por si imensas dificuldades em adoptar, a coberto de medidas protecionistas, soluções que tendem a impedir o colapso corrente a todos os níveis, dentro e fora dos Estados Unidos, colapso esse provocado pela exaustão neoliberal que promoveu caos, terrorismo e neoliberalismo, onde quer que se assinalasse a sua marca mais imperiosa e sangrenta.

Apesar das evidências do 11 de Setembro de 2001, apesar de Donald Trump querer pôr fim aos estigmas daí derivados, apesar do enunciado propósito de luta contra o Daesh e a Al Qaeda, mantendo-se no ambiente sócio-político dos Estados Unidos uma posição de vantagem das correntes capitalistas neoliberais que se vêm fortalecendo desde a administração de Ronald Reagan, há sinais evidentes que o recém-instalado Presidente está atascado no atoleiro redundante das heranças recebidas:

Em relação aos poderosos media, a sua acção é insuficiente para desmascarar a deliberada e continuada mentira, ambiguidade, hipocrisia e cinismo de que fazem uso, em especial quando são abordados os imensos temas dos relacionamentos internacionais;

Em relação aos BRICS, é pálida a tendência de procurar um melhor relacionamento com a Rússia, quando ao mesmo tempo se vai radicalizando o relacionamento com a República Popular da China e com a Coreia do Norte, isto é, procurando criar divisões conforme outrora proveitosas experiências da segunda metade do seculo passado;


Em relação à migração, a decisão de impor o fecho de fonteiras aos fluxos humanos provenientes de 7 países tem sacudido e mobilizado desfavoravelmente a opinião pública interna e internacional, engrossando as manifestações públicas e as cores de cada uma das “revoluções coloridas” que animam a vida pública nas praças e aeroportos dos Estados Unidos;

Em relação ao muro que quer impor ao México, a reprovação é similar, com ênfase particular a partir dos estados, organizações internacionais, nações e povos da América Latina;

Em relação à Ucrânia, logo aos primeiros e “oportunos” disparos no leste desse país, Trump pronunciou-se por mais do mesmo, não alterando nada da linha perseguida por seu antecessor, condenando a Rússia por causa de sua legítima posição sobre a região e a Crimeia e caucionando as obsoletas sanções;

Em relação a África distende-se “inevitavelmente” e “por procuração” o agenciado campo de manobra neocolonial sob os auspícios da FrançAfrique, tirando sobretudo partido do colapso da Líbia, algo que começa a minar a própria Presidência da União Africana;

Em relação ao terrorismo, o equívoco passa pelo facto de Arábia Saudita, Catar e outras monarquias arábicas não serem os países-alvo das medidas de bloqueio de fronteiras à migração e de abertura de fluxos de refugiados (os países-alvo escolhidos foram Irão, Síria, Iraque, Iémen, Líbia, Somália e Sudão)…

Nesta última decisão, a administração de Donal Trump dá um sinal claro de estímulo em benefício de iniciativas que só favorecem os falcões de Israel e alguns interesses, (tão geoestrategicamente limitados quanto antes), das corporações estado-unidenses e europeias de energia e armamento no continente euro-asiático, incapazes de integrar a rota da seda, bem como os projectos dos oleodutos e gasodutos de inspiração multipolar.

Na prática, do inventário de medidas, apenas são sinais relativamente favoráveis à nova administração as que determinam o fim dos Tratados multi-laterais de acordo com as correntes capitalistas neoliberais no Trans Pacífico, em relação ao espaço da América do Norte (envolvendo o Canadá e o México) e em relação à Europa (pondo em evidência os nexos de toda a ordem entre os Estados Unidos e a Grã Bretanha, em função do “Brexit”… cultura anglo-saxónica “oblige”)!...

Não existem sinais ambiciosos no caminho da paz, das possibilidades de levar por diante um projecto global de emergências multipolares, de encontrar soluções mais equilibradas entre os estados, as nações e os povos, de incentivar o renascimento africano, de melhor respeitar o planeta (o acordo de Paris já Trump atirou para as urtigas…)… a tudo isso o império diz nada!

…Há portanto todas as razões para colocar os ponteiros do holocausto nuclear a dois minutos da meia-noite!

Imagens:
Confluentes ironias no relacionamento com os problemas de Médio Oriente e Norte de África;
Nada de novo em relação à Ucrânia;
Tudo de novo em reforço dos falcões de Israel.

TRUMP REAGE À SENTENÇA DO JUIZ QUE BLOQUEOU PROIBIÇÃO DE ENTRADAS NOS EUA




Casa Branca promete combater bloqueio de juiz à proibição de entradas nos EUA

A Casa Branca vai lutar contra a decisão de um juiz federal que suspendeu temporariamente a proibição de entrada de pessoas de sete países muçulmanos, decretada pelo Presidente Donald Trump.

O porta-voz da Casa Branca, Sean Spicer, reafirmou que a ordem executiva de Trump é "legal e apropriada" e disse que o Departamento de Justiça irá pedir uma suspensão de emergência da ordem do tribunal federal "o mais depressa possível".

"A ordem do Presidente tem como objetivo proteger a nação e ele tem a autoridade constitucional e a responsabilidade de proteger o povo norte-americano", disse.

O comunicado inicial de Spicer classificava à decisão do tribunal de "escandalosa", mas numa versão atualizada o termo foi retirado.

A ordem de suspensão do juiz James Robart devia manter-se válida em todo o país até ser efetuada uma revisão completa da queixa apresentada pelo procurador-geral de Washington, Bob Ferguson.

A decisão surgiu depois de Ferguson ter apresentado uma ação legal para invalidar disposições essenciais da ordem executiva de Trump, que afasta refugiados sírios indefinidamente e bloqueia cidadãos do Irão, Iraque, Líbia, Somália, Sudão, Síria e Iémen de entrarem nos Estados Unidos por 90 dias. Refugiados de outros países que não a Síria ficam impedidos de entrar por 120 dias.

Ferguson argumentou, na sua queixa, que a ordem do Presidente viola os direitos constitucionais dos imigrantes e das suas famílias, já que visa especificamente muçulmanos.

No início da semana a então procuradora-geral interina do país, Sally Yates, ordenou aos advogados do Ministério Público que não defendessem a proibição de Trump, uma posição que fez com que, em seguida, fosse despedida pelo Presidente.

Lusa, em TSF

Trump: "a opinião desta espécie de juiz é ridícula"

O Presidente americano usou o Twitter para criticar o juiz que suspendeu a proibição de imigrantes de alguns países islâmicos viajarem para os Estados Unidos.

Trump usou o Twitter para mostrar que está irritado com o juiz de Seattle. Para o Presidente, "a opinião desta espécie de juiz, que basicamente vai contra a lei do nosso país, é ridícula e vai ser anulada".

Horas antes, e através do porta-voz da Casa Branca, Sean Spicer, a presidência norte-americana já tinha mostrado o seu desagrado. Sean Spicer, tinha reafirmado que a ordem executiva de Trump é "legal e apropriada" e disse que o Departamento de Justiça irá pedir uma suspensão de emergência da ordem do tribunal federal "o mais depressa possível".

"A ordem do Presidente tem como objetivo proteger a nação e ele tem a autoridade constitucional e a responsabilidade de proteger o povo norte-americano", disse.

A ira da Casa Branca surge depois de um juiz federal de Seattle, nos Estados Unidos, ter ordenado na sexta-feira a suspensão temporária, a nível nacional, da proibição de entrada de pessoas de sete países de maioria muçulmana, decretada pelo Presidente Donald Trump.

A ordem temporária do juiz James Robart vai manter-se válida em todo o país até ser efetuada uma revisão completa da queixa apresentada pelo procurador-geral de Washington.

TSF

NÃO É A NATO E SIM CERTA ESQUERDA QUE ESTÁ “OBSOLETA”



Manlio Dinucci

Vozes influentes da esquerda europeia uniram-se no protesto anti-Trump "No Ban No Wall", a decorrer nos EUA, esquecendo-se do muro franco-britânico anti-migrantes de Calais e calando o facto de que na origem do êxodo de refugiados estão as guerras nas quais participaram os países europeus da NATO.

Ignora-se o facto de que nos EUA a proibição impede a entrada de pessoas provenientes destes países – Iraque, Líbia, Síria, Somália, Sudão, Iémen, Irão – contra os quais os Estados Unidos conduziram durante mais de 25 anos guerras abertas e secretas: pessoas às quais até o presente foram concedidos vistos de entrada fundamentalmente não por razões humanitárias, mas para formar nos EUA comunidades de imigrados (com base no modelo dos exilados anti-castristas) que servissem as estratégias estado-unidenses de desestabilização dos seus países de origem. Os primeiros a serem bloqueados e a tentarem um tipo de acção (recurso colectivo) contra a proibição são um contractor(mercenário) e um intérprete iraquiano, que colaboraram por muito tempo com os ocupantes estado-unidenses do seu próprio país.

Enquanto a atenção político-mediática europeia centra-se no que se passa além atlântico, perde-se de vista o que se passa na Europa. O quadro é desolador.

O presidente Hollande, vendo a França ultrapassada pela Grã-Bretanha, que recupera o papel do aliado mais próximo dos EUA, escandaliza-se com o apoio de Trump ao Brexit pedindo que a União Europeia (ignorada por esta mesma França na sua política externa) faça ouvir a sua voz. Voz de facto inexistente, a de uma União Europeia em que 22 dos seus 28 membros fazem parte da NATO, reconhecida pela UE como "fundamento da defesa colectiva", sob a direcção do Comandante Supremo aliado na Europa nomeado pelo presidente dos Estados Unidos (portanto, agora por Donald Trump).

A chanceler Angela Merkel, no momento em que exprime seus "lamentos" acerca da política da Casa Branca para com os refugiados, na sua entrevista telefónica com Trump convida-o para o G-20 que se reunirá em Hamburgo no mês de Julho. "O presidente e a chanceler – informa a Casa Branca – concordam com a importância fundamental da NATO para assegurar a paz e a estabilidade". A NATO, portanto, não está "obsoleta" como havia dito Trump. Os dois governantes "reconhecem que nossa defesa requer investimentos militares apropriados".

Mais explícita, a primeira-ministra britânica Theresa May que, recebida por Trump, comprometeu-se a "encorajar meus colegas os líderes europeus a exararem o compromisso de despender 2% do PIB para a defesa, de modo a repartir o encargo mais igualitariamente".

Segundo os dados oficiais de 2016, apenas cinco países da NATO têm um nível de despesa para a "defesa" igual ou superior a 2% do PIB: Estados Unidos (3,6%), Grécia, Grã-Bretanha, Estónia e Polónia. A Itália para a "defesa", segundo a NATO, 1,1% do PIB, ma está em vias de fazer progressos: em 2016 ela aumentou sua despesa em mais de 10% em relação a 2015. De acordo com os dados oficiais da NATO relativos a 2016, a despesa italiana para a "defesa" monta a 55 milhões de euros por dia. A despesa militar efectiva é na realidade muito mais elevada, uma vez que o orçamento da "defesa" não abrange o custo das missões militares no estrangeiro, nem o de armamentos importantes, como os navios de guerra financiados com milhares de milhões de euros pela Lei de estabilidade e pelo Ministério do Desenvolvimento Económico. A Itália está em qualquer caso comprometida a elevar a despesa para a "defesa" a 2% do PIB [1] , ou seja, a cerca de 100 milhões de euros por dia.

De nada disto se ocupa a esquerda institucional, enquanto espera que Trump, num momento livre, telefone também a Gentiloni. [2]

Notas:
[1] Para Portugal: em 2016 o orçamento foi de 2,54 mil milhões de euros, ou seja, 1,38% do PIB e 6,96 milhões de euros por dia. Os dados da NATO para todos os países membros estão em www.nato.int/... e em www.touteleurope.eu/...
[2] Paolo Gentiloni, presidente do Conselho de Ministros italiano após a demissão de Matteo Renzi em Dezembro de 2016, membro do Partido Democrata.

O original encontra-se em Il Manifesto de 31/Janeiro/2017 e a versão em francês em
 www.legrandsoir.info/ce-n-est-pas-l-otan-mais-la-gauche-qui-est-obsolete.html 

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ 

O MEDO COMO PROCESSO DO TERROR



A violência e a coacção pertencem à história do homem, mas a força indomável do querer sonhar é-lhes paralela.

Baptista Bastos – Jornal de Negócios, opinião

As decisões de Donald Trump têm preocupado seriamente o nosso mundo, pelo que extravasam da normalidade política e pelo que assumem de grande ameaça. Trump é um resultado, como o foram e têm sido outros que com uma certa displicência, direi moral, de tempos a tempos, assolam aquele país e o mundo. Recordo o terror causado pela Comissão de Actividades Anti-americanas, na década de 60 do século passado, que determinou a fuga daquele país de grandes nomes da cultura, como Charles Chaplin, Joseph Losey, muitos outros mais. Aquela comissão tivera como membros gente da estirpe de Richard Nixon e uma imprensa decapitada na honra e na dignidade. Durou uns anos largos a "caça às bruxas", que dizimou grande parte da cultura norte-americana, que teve de fugir das perseguições e da cadeia, instalando-se em França e no Reino Unido. Ainda há pouco tempo, o filme "Trumbo" revelou as atrocidades de uma política persecutória, que tinha posto de parte alguns dos maiores nomes da cultura norte-americana, como Dalton Trumbo, acusados de serem comunistas. É uma história miserável e sinistra do que a organização do medo e do pânico pode fazer a um país. Mas há muitíssimos mais casos. E o cinema norte-americano, honra lhe seja feita, tem revelado a imensidão do crime.

O senador Joseph McCarthy foi o oficiante desse inominável crime, associado a Roy Cohn, judeu e homossexual desabrido. Ambos puseram os Estados Unidos sob as coordenadas do terror, a que só a coragem de alguns americanos conseguiu pôr cobro. Recordo alguns episódios indignos, que calo por nojo e amor à verdade, e muitos outros de pujança moral e força da nobreza de carácter. Eu era muito novo, vinte anos, quando os tristes episódios ocorreram. N' O Século Ilustrado, e com o apoio do chefe da redacção, Redondo Júnior, escrevi o que pude sob as medonhas circunstâncias. Quero recordar o nome de José Vaz Pereira, que nos cineclubes também cruzou armas, numa altura muito perigosa da vida portuguesa. Recordo que as cadeias estavam repletas de presos políticos, que as guerras coloniais haviam começado, que milhares de jovens portugueses fugiam às guerras impostas.

Donald Trump é, inequivocamente, produto de um tempo semelhante. E o medo que instila, as perseguições que começou a fazer, o poder que lhe oferece o dinheiro que possui, não são suficientemente fortes para obstarem à verdade dos factos e à grandeza dos que se lhe opõem. Como todos aqueles que se julgam donos de tudo, ele tem cometido erros de carácter inomináveis. E ameaça continuar. A barreira que começou a construir, ao longo de parte da fronteira com o México, é um indício das suas intenções. A ideia não é nova, nem original. O Muro de Berlim também foi tombado, o que parecia impossível. "Não há machado que corte a raiz ao pensamento", disse-o um grande poeta português. A violência e a coacção pertencem à história do homem, mas a força indomável do querer sonhar é-lhes paralela.

Os acontecimentos nefastos que, diariamente, são tornados públicos correspondem, também, à ideia de que todos os homens são lugares no mapa e que tudo se modifica e altera. Trump é apenas um episódio, nefasto mas episódico. Podem crer.

A CIMEIRA DA EUROPA DO SUL



Pedro Bacelar de Vasconcelos – Jornal de Notícias, opinião

Era difícil de conceber uma conjugação mais perversa! A Europa viu-se primeiro confrontada pelo Brexit para, logo depois, lhe cair em cima a vitória de Donald Trump nos Estados Unidos da América.

O Brexit foi o fruto amargo do mais descarado populismo do Partido Conservador britânico que, em má hora, achou que a promessa de um referendo era um risco menor face à expectativa de se perpetuar no poder através dos truques habituais com que se tenta enganar os povos, sob a invocação hipócrita da transparência e da participação democráticas.

Por seu turno, a eleição de Donald Trump iria revelar-se - à luz das inacreditáveis peripécias que marcaram a semana inaugural do seu triste mandato - como sinal da renúncia dos Estados Unidos da América à liderança mundial. Assim, 28 anos mais tarde, os EUA partilham, por fim, o mesmo destino da velha União Soviética.

A Europa, surpreendida por esta súbita orfandade, enfrenta agora o dilema de seguir a via populista que tanto entusiasma a extrema-direita e precipitar-se no abismo da sua própria desintegração, ou de transformar esta ocasião adversa na oportunidade para se reencontrar consigo mesma, recuperando as causas de que tem andado tão esquecida e retomando o projeto inclusivo e generoso que lhe valeu, até há bem pouco tempo, o respeito e admiração universais.

Depois da queda do muro, a União Europeia falhou os esforços de integração económica, política e cultural que os países do Leste desejavam e ambicionaram desde sempre, pelo menos, desde o tempo de Pedro, o Grande, e de Catarina. E vê-se agora sozinha para garantir a sua própria segurança e a dos povos de Leste que desviou para a sua órbita. Essa missão não será porém bem-sucedida se não conseguir recuperar o capital de solidariedade que desbaratou de forma cínica e irresponsável, a partir da crise financeira de 2008. A invenção das dívidas soberanas rasgou um fosso de suspeição e desconfiança contra os povos do Sul, transformados em bode expiatório de todas as insuficiências e defeitos de uma união monetária incipiente e de uma obsessão orçamental que condena a economia à estagnação.

Como disse o antigo ministro dos Negócios Estrangeiros e vice-chanceler da Alemanha, Joschka Fischer, em artigo recente do "Project Syndicate" divulgado pelo "Social Europe": "com todos os riscos que a presidência de Trump coloca aos europeus, são oferecidas também (novas) oportunidades. A retórica protecionista de Trump, por si só, conduziu já a uma aproximação entre a China e a Europa. Mais importante, a nova administração americana proporcionou aos europeus a oportunidade de finalmente cerrar fileiras, crescer e reforçar o seu poder geoestratégico e a sua posição" no Mundo.

Em Lisboa, reuniu no último fim de semana a Cimeira dos países da Europa do Sul que teve António Costa como anfitrião e contou com a presença dos presidentes da República da França e do Chipre, e dos chefes de Governo da Espanha, da Itália, da Grécia e de Malta. No comunicado final, os sete presidentes e primeiros-ministros reafirmam os valores matriciais do projeto europeu, a liberdade, a democracia, o Estado de direito, o respeito e a proteção dos direitos humanos. Assumem os seus deveres humanitários e a urgência de uma resposta solidária para a crise dos refugiados. E reconhecem a necessidade de apresentar "respostas para as preocupações reais" dos cidadãos. Respostas concretas em matéria de "emprego, crescimento económico e coesão social, proteção contra as ameaças do terrorismo e a incerteza, um futuro mais risonho para as gerações mais jovens, através da educação e de empregos, e o papel central da cultura e da educação nas sociedades". Tal com sublinha o documento subscrito pelos sete estados da Europa do Sul, "o enfraquecimento da Europa não é uma opção".

*Deputado e professor de direito constitucional

SÓCRATES ACUSA INVESTIGAÇÃO DE “MOTIVAÇÕES POLÍTICAS”



José Sócrates acusou esta sexta-feira a investigação do processo em que é arguido de ter "motivações políticas".

"Isto é uma perseguição política, uma perseguição pessoal", salientou o antigo primeiro-ministro. E anunciou uma ação contra o Estado, por considerar terem "sido ultrapassados todos os prazos" do inquérito. 

A ação corre termos no Tribunal Administrativo, mas adiantou também ir recorrer a instâncias internacionais.

José Sócrates lembrou que o prazo legal máximo para o inquérito é de 18 meses e o processo já dura há 42 meses considerando estarem em causa os direitos, liberdades e garantias.

Carlos Varela – Jornal de Notícias – Foto: Nuno Pinto Fernandes/Global Imagens/Arquivo

Juiz bloqueia ordem de Trump que proíbe entrada de pessoas de países muçulmanos



Decisão tem efeitos a nível nacional nos EUA e é válida até ser efetuada uma revisão completa da queixa apresentada pelo procurador-geral de Washington

Um juiz federal de Seattle, Estados Unidos, ordenou na sexta-feira a suspensão temporária, a nível nacional, da proibição de entrada de pessoas de sete países de maioria muçulmana, decretada pelo Presidente Donald Trump.

A ordem temporária do juiz James Robart vai manter-se válida em todo o país até ser efetuada uma revisão completa da queixa apresentada pelo procurador-geral de Washington, Bob Ferguson.

Juízes federais de vários outros estados norte-americanos agiram contra a ordem executiva de Trump desde que entrou em vigor na passada sexta-feira, mas a decisão de Robart é aquela com maior alcance até agora.

A decisão surgiu depois de Ferguson ter apresentado uma ação legal para invalidar disposições essenciais da ordem executiva de Trump, que afasta refugiados sírios indefinidamente e bloqueia cidadãos do Irão, Iraque, Líbia, Somália, Sudão, Síria e Iémen de entrarem nos Estados Unidos por 90 dias. Refugiados de outros países que não a Síria ficam impedidos de entrar por 120 dias.

"A Constituição prevaleceu hoje. Ninguém está acima da lei, nem sequer o Presidente", afirmou Ferguson.

O governador de Washington, Jay Inslee, considerou a notícia uma "tremenda vitória" mas alertou que a batalha para derrubar a ordem executiva de Trump não acabou.

"Ainda há mais a fazer. A luta não está ainda ganha. Mas devemos sentir-nos encorajados pela vitória de hoje e mais convictos que nunca de que estamos a lutar no lado certo da história", afirmou em comunicado.

Ferguson argumentou, na sua queixa, que a ordem do Presidente viola os direitos constitucionais dos imigrantes e das suas famílias, já que visa especificamente muçulmanos.

No entanto, advogados que representam a administração argumentaram que, como Presidente, Trump tem amplos poderes e o direito de emitir ordens que protejam os norte-americanos.

Ações legais contra a ordem foram iniciadas noutros estados, incluindo Califórnia, Nova Iorque e Washington.

No início da semana a então procuradora-geral interina do país, Sally Yates, ordenou aos advogados do Ministério Público que não defendam a proibição de Trump, uma posição que fez com que, em seguida, fosse despedida pelo Presidente.

Lusa – Diário de Notícias - Foto: Carlos Barria / Reuters

QUANDO O FUNDAMENTALISMO OCIDENTAL ATIÇA



Ao discriminar Islã, Trump amplia rejeição ao Ocidente no mundo muçulmano, demonstra que pode ser facilmente provocado e dá ao ISIS e Al-Qaeda, encurralados, nova chance de sobrevida

Patrick Cockburn – Outras Palavras - Tradução Cauê Seignemartin Ameni

proibição da entrada de refugiados e visitantes de sete países muçulmanos proposta por Donald Trump faz com que os ataques terroristas contra os norte-americanos, dentro de seu país e no exterior, sejam mais prováveis. Será assim porque um dos maiores propósitos da Al-Qaeda e ISIS na realização de suas atrocidades é provocar reações exageradas contra comunidades e Estados muçulmanos. Essas punições comunitárias aumentam consideravelmente o apelo e a simpatia pelo movimentos jihadistas entre o 1,6 bilhão de muçulmanos, que compõem um quarto da população mundial.

O governo Trump justifica sua medida alegando que está apenas seguindo as lições aprendidas com 11 de Setembro e a destruição das Torres Gêmeas. Mas aprendeu exatamente a lição errada: o grande sucesso de Mohammed Atta e seus dezoito sequestradores não foi o dia em que eles e outras 3 mil pessoas morreram, mas quando o presidente Geroge W Bush respondeu ao ataque deflagrando as guerras dos EUA contra Afeganistão e Iraque – que continuam acontecendo.

A Al-Qaeda e seus clones eram apenas uma pequena organização com cerca de mil militantes no sudeste do Afeganistão e no noroeste do Paquistão. Mas, graças à decisão calamitosa de Bush após o 11 de Setembro, agora tem 10 mil combatentes, bilhões de dólares em fundos e células em diversos países. Poucas guerras falharam de forma tão comprovada como a “Guerra ao Terror”. Os milicianos do ISIS e da Al-Qaeda são supostamente inspirados pela simpatia numa variante demoníaca do Islã – e isso é central em como Trump descreve suas motivações –, mas na prática foi o excesso da repressão antiterrorista (com tortura, prisões ilegais, Guatanamo e Abu Ghraib), que formou a ponte para os novos movimento jihadistas.

Trump está agora enviando uma mensagem para Al-Qaeda e ISIS: a de que Washington é facilmente provocada para responder com repressão desajeitada e contraproducente, visando os muçulmanos em geral. Os afetados são, até agora, limitados em número e, provavelmente, as últimas pessoas com inclinação para se engajar no terrorismo. Entretanto, o impacto político da medida já é imenso. Os líderes jihadistas podem ser monstros cruéis e fanáticos, mas não são estúpidos. Eles verão que se Trump, mesmo sem ser provocado por qualquer ultraje terrorista, age com tal vigor para se autodefender, algumas bombas e tiroteios direcionados aos alvos norte-americanos levarão a mais perseguição contra os muçulmanos mais dispersos.

Como os governantes mundiais, os comandantes do ISIS vão se perguntar quão desvairado Trump realmente é. A ordem que proíbe imigrações pode, em parte, ser uma forma rápida para garantir que os eleitores de Trump sintam que suas promessas serão cumpridas. Mas os demagogos tendem a se tornar prisioneiros de sua própria retórica e certamente as palavras e ações de Trump serão apresentadas como declarações sectárias de guerra por muitos muçulmanos mundo afora. O ISIS também verá que seus ataques eles aprofundar as divisões na sociedade norte-americana.

Bush mirou Saddam Hussein e o Iraque, como resposta ao 11 de Setembro, apesar de ser evidente que o líder iraquiano e seu regime não tinham nenhuma participação no atentado. Era notório que 15 dos 19 sequestradores eram sauditas, Osama bin Laden era saudita e o dinheiro da operação veio de doadores sauditas. Ainda assim, à Arábia Saudita foi dada carta branca, embora haja fortes evidências de sua cumplicidade no ataque.

O mesmo mal-entendido bizarro com países muçulmanos, acusados de enviar terroristas em 2001, está acontecendo em 2017. Embora o 11 de Setembro seja apontado como uma explicação para a ordem de Trump, nenhum dos países cujos cidadãos estavam envolvidos (Arábia Saudita, Emirados Arabes, Egito e Líbano) enfrenta qualquer restrição. As pessoas barradas vêm do Irã, Iraque, Síria, Líbia, Sudão, Iêmen e Somália. Além disso, o alvo principal da Al-Qaeda e do ISIS são muçulmanos xiitas — que estão no Iraque, mas também em outras partes do mundo. O Irã seria o último lugar onde os atuais terroristas construiriam alguma base.

Desde as grandes vitórias do ISIS em 2014, quando capturaram Mosul e conquistaram vasta área no Iraque e Síria, a organização vem sendo atacada por uma miríade de inimigos. Apesar de estarem lutando duramente, sua eventual derrota pareceu inevitável. Mas, com Trump alimentando a guerra sectárias entre muçulmanos e não-muçulmanos, que o ISIS e a Al-Qaeda sempre quiseram acentuar, suas perspectivas parecem mais oportunas hoje do que nunca.

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