Pedro
Bacelar de Vasconcelos – Jornal de Notícias, opinião
Era
difícil de conceber uma conjugação mais perversa! A Europa viu-se primeiro
confrontada pelo Brexit para, logo depois, lhe cair em cima a vitória de Donald
Trump nos Estados Unidos da América.
O
Brexit foi o fruto amargo do mais descarado populismo do Partido Conservador
britânico que, em má hora, achou que a promessa de um referendo era um risco
menor face à expectativa de se perpetuar no poder através dos truques habituais
com que se tenta enganar os povos, sob a invocação hipócrita da transparência e
da participação democráticas.
Por
seu turno, a eleição de Donald Trump iria revelar-se - à luz das inacreditáveis
peripécias que marcaram a semana inaugural do seu triste mandato - como sinal
da renúncia dos Estados Unidos da América à liderança mundial. Assim, 28 anos
mais tarde, os EUA partilham, por fim, o mesmo destino da velha União
Soviética.
A
Europa, surpreendida por esta súbita orfandade, enfrenta agora o dilema de
seguir a via populista que tanto entusiasma a extrema-direita e precipitar-se
no abismo da sua própria desintegração, ou de transformar esta ocasião adversa
na oportunidade para se reencontrar consigo mesma, recuperando as causas de que
tem andado tão esquecida e retomando o projeto inclusivo e generoso que lhe
valeu, até há bem pouco tempo, o respeito e admiração universais.
Depois
da queda do muro, a União Europeia falhou os esforços de integração económica,
política e cultural que os países do Leste desejavam e ambicionaram desde
sempre, pelo menos, desde o tempo de Pedro, o Grande, e de Catarina. E vê-se
agora sozinha para garantir a sua própria segurança e a dos povos de Leste que
desviou para a sua órbita. Essa missão não será porém bem-sucedida se não
conseguir recuperar o capital de solidariedade que desbaratou de forma cínica e
irresponsável, a partir da crise financeira de 2008. A invenção das dívidas
soberanas rasgou um fosso de suspeição e desconfiança contra os povos do Sul,
transformados em bode expiatório de todas as insuficiências e defeitos de uma
união monetária incipiente e de uma obsessão orçamental que condena a economia
à estagnação.
Como
disse o antigo ministro dos Negócios Estrangeiros e vice-chanceler da Alemanha,
Joschka Fischer, em artigo recente do "Project Syndicate" divulgado
pelo "Social Europe": "com todos os riscos que a presidência de
Trump coloca aos europeus, são oferecidas também (novas) oportunidades. A
retórica protecionista de Trump, por si só, conduziu já a uma aproximação entre
a China e a Europa. Mais importante, a nova administração americana proporcionou
aos europeus a oportunidade de finalmente cerrar fileiras, crescer e reforçar o
seu poder geoestratégico e a sua posição" no Mundo.
Em
Lisboa, reuniu no último fim de semana a Cimeira dos países da Europa do Sul
que teve António Costa como anfitrião e contou com a presença dos presidentes
da República da França e do Chipre, e dos chefes de Governo da Espanha, da
Itália, da Grécia e de Malta. No comunicado final, os sete presidentes e
primeiros-ministros reafirmam os valores matriciais do projeto europeu, a
liberdade, a democracia, o Estado de direito, o respeito e a proteção dos
direitos humanos. Assumem os seus deveres humanitários e a urgência de uma
resposta solidária para a crise dos refugiados. E reconhecem a necessidade de
apresentar "respostas para as preocupações reais" dos cidadãos. Respostas
concretas em matéria de "emprego, crescimento económico e coesão social,
proteção contra as ameaças do terrorismo e a incerteza, um futuro mais risonho
para as gerações mais jovens, através da educação e de empregos, e o papel
central da cultura e da educação nas sociedades". Tal com sublinha o
documento subscrito pelos sete estados da Europa do Sul, "o
enfraquecimento da Europa não é uma opção".
*Deputado
e professor de direito constitucional
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