M.
Azancot de Menezes* - Jornal Tornado
Ainda
sobre o estudo inédito acerca do ensino superior em Angola, por M. Azancot de
Menezes, a que o Jornal Tornado teve acesso, segue hoje a continuação da
publicação iniciada em Dezembro último
M.
Azancot de Menezes propôs-se discutir as políticas de propinas à luz do
princípio da equidade e analisar medidas de política educativa relacionadas com
a acessibilidade do sistema. Tendo, no âmbito desta pesquisa, aplicado
questionários a mil estudantes de 18 Instituições de Ensino Superior (IES), em
2013, a seis Regiões Académicas das Províncias de Benguela, Huíla, Luanda,
Malanje, Kuanza-Sul e Uíge.
Na
edição do dia 30 de Dezembro de 2016 fizemos uma introdução ao estudo (Ensino
Superior: Financiamento e acessibilidade 1), com uma breve contextualização
do País, e explicitando quais foram as regiões académicas abrangidas. Dando
seguimento a esta publicação, para melhor esclarecimento do assunto, o Jornal
Tornadosolicitou ao autor que fizesse uma breve alusão aos pressupostos
teóricos do estudo e aos resultados gerais da investigação empírica. Tendo
formulado quatro blocos de perguntas ao investigador, cujas respostas iniciais
foram dadas na edição de 17 de Janeiro (Ensino
Superior: Financiamento e acessibilidade 2), e as restantes estão na edição
de hoje:
Jornal
Tornado: No seu estudo disse que recorreu ao Plano Nacional de Formação de
Quadros (PNFQ) de Angola, e referiu-se a “modelos de financiamento do ensino
superior” e à “acessibilidade”. Em que medida é que os dados e informações do
PNFQ foram importantes para o estudo? Por outro lado, para que todos nós
possamos acompanhar com mais interesse o seu raciocínio enquanto investigador,
quer fazer o favor de explicitar melhor a significação desses dois conceitos?
Azancot
de Menezes: Com certeza, tenho o maior prazer, mas, antes de responder às
suas perguntas, gostaria de clarificar o meu posicionamento inequívoco em
matéria de educação. A educação produz “externalidades” e por isso justifica o
financiamento público através do Estado.
Como
assim?!
A
educação produz mais-valias, com efeitos sociais, externos ao indivíduo. Claro
que o estudante tem o seu benefício, pessoal, contudo, há efeitos para a
sociedade no seu todo, ou seja, origina “externalidades” que se tornam
benefício de toda a comunidade. Esta leitura parece-me de toda a clareza porque
o investimento nos recursos humanos, nomeadamente na educação, é determinante
para a luta contra a exclusão social e a pobreza. Permita-me fazer um breve
parêntesis para ilustrar de forma simpática e em termos históricos a relação
educação / externalidades.
Um
autor de referência internacional, Jürgen Schriewer da Universidade de Humboldt
de Berlim (Alemanha) publicou um escrito muito interessante intitulado “Formas
de Externalização no Conhecimento Educacional”, um documento publicado nos
Cadernos Prestige (Problems of Educational Standardisation and Transitions in a
Global Environment). Segundo este autor, citando Arinori Mori (1872) – o
primeiro Encarregado de Negócios do Japão Imperial nos EUA, no âmbito da
disseminação global da ideologia educacional, refere que foram formulados os
efeitos sociais a longo prazo de um sistema educativo construído com base em
determinados princípios.
Esse
novo sistema tinha como alcance o progresso da sociedade em múltiplas
dimensões: âmbito económico, material, político, científico e moral. Segundo
Schriewer, invocando Herbert Passin, um autor que escreveu sobre a sociedade e
a educação no Japão, o «aumento do nível de educação de toda a população
conduziria, por um lado, no que respeita à política externa, a um poderio
económico, político e militar», por outro lado, ao nível interno, «a uma
visível redução da força policial e de um sistema judiciário assente em
princípios de coerção e represálias», ou seja, já nesse tempo era visível esta
visão das “externalidades” considerada pelos investigadores sociais de hoje
como absolutamente fundamental.
Muito
bem, Dr. Azancot de Menezes! Estamos esclarecidos! Regressemos ao PNFQ, aos
«modelos de financiamento do ensino superior» e à «acessibilidade», se faz
favor.
O
PNFQ é um documento orientador da capacidade técnico-científica concebido com o
objectivo de corresponder, de forma sustentável, às necessidades que decorrem
das prioridades definidas pela estratégia de desenvolvimento de Angola. Através
deste documento, com uma margem de erro diminuta, consegue-se projectar para o
período 2013-2020 o balanço de necessidades da oferta educativa interna nos
domínios estratégicos do ensino superior (cursos das áreas científicas
consideradas no estudo).
Dos
vários resultados desta minha pesquisa, que mereceram a aprovação de Rui
Brites, um dos grandes metodólogos portugueses, docente no ISEG (Universidade
de Lisboa), apurou-se que os estudantes inquiridos estão inscritos em 73 cursos
de todas as áreas científicas. Se tivermos em atenção o PNFQ, por exemplo, no
curso de engenharia electrotécnica e electrónica, até 2020, estimou-se que em
Angola há um défice na ordem dos 2150 engenheiros, contudo, os resultados do
estudo mostram que é um dos cursos menos frequentados, com apenas 0.1% de
frequência!
Refiro-me
apenas a este caso, mas há mais situações de incongruência. O que eu quero
tentar demonstrar é que as estatísticas sobre a frequência dos cursos
seleccionados pode indicar que não tem havido cumprimento das orientações
políticas de educação superior ou não há articulação entre a tutela e as IES,
uma situação que, a existir, deve merecer especial atenção do Estado e das
Instituições de Ensino Superior, pois, se não houver articulação, para além de
gastos financeiros desnecessários, corre-se o sério risco de mergulhar para o
desemprego estrutural.
Numa
outra perspectiva ou de forma cumulativa, como a escolha dos cursos por parte
dos estudantes pode depender de várias variáveis, como a origem social e
económica dos estudantes ou dos seus pais, pode ter sucedido que os diferentes
cursos foram seleccionados de forma desigual por essas razões, um assunto muito
interessante que foi tratado em detalhe no estudo e que nos conduz,
precisamente, às questões da acessibilidade e equidade, temáticas
brilhantemente abordadas pelo grande sociólogo francês Pierre Bourdieu.
Relação
dos cursos frequentados
Pelos
estudantes inquiridos em 18 IES angolanas (2013)
Curso
|
N
|
%
|
Administração
e Gestão de Território
|
5
|
,6
|
Administração
e Marketing
|
8
|
,9
|
Análises
Clínicas
|
9
|
1,0
|
Arquitectura
|
3
|
,3
|
…
|
…
|
…
|
Sociologia
|
33
|
3,8
|
Total
|
858
|
100,0
|
Consulte
a tabela
completa em PDF
Nota
de edição
Os
primeiros artigos deste estudo foram publicado a:
30
de Dezembro – Ensino
Superior: Financiamento e acessibilidade 1
17
de Janeiro – Ensino
Superior: Financiamento e acessibilidade 2
*Secretário-Geral
do Partido Socialista de Timor (PST) e Professor Universitário
*M.Azancot de Menezes, Díli – também colabora no Página
Global
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