quinta-feira, 8 de junho de 2017

PARA RESGATAR O ESPÍRITO REBELDE DE SEATTLE





Dezessete anos depois da grande ação global que abalou a crença no neoliberalismo, um dos articuladores provoca: sistema reciclou-se, por falta de uma alternativa. É nossa responsabilidade construí-la.

Walden Bello | Outras Palavras

Aprendi várias lições na Batalha de Seattle, e uma delas foi que uma policial feminina pode ser tão eficiente quanto qualquer policial. Fui espancado, fortemente, por uma das melhores de Seattle. Ontem, decidi descer a ladeira da memória e visitar a cena do crime. Lembro-me de que vi Medea Benjamin, do movimento Code Pink, sendo tratada com bastante brutalidade e corri até lá para tentar fazer a polícia parar. Foi quando uma policial feminina começou a me bater com o cassetete, enquanto me arrastava e me jogava na rua, com o golpe de misericórdia sendo um bem planejado chute no meu traseiro. Mas o maior golpe não foi este, e sim o que atingiu meu ego: eu merecia ser espancado e chutado, mas não incomodava o bastante para ser preso…

Como Cesar, vou dividir minha fala em três partes. Primeiro, algumas reflexões sobre o que Seattle significou para a mudança nos sistemas de compreensão do mundo globalizado. Segundo, uma discussão de como, a despeito da profunda crise do neoliberalismo, o capital financeiro manobrou para manter intacto eeu imenso poder. Terceiro, um apelo para construirmos uma nova visão abrangente da sociedade desejável.

Segundo a teoria de Thomas Kuhn, a respeito de como se dão as mudanças nas ciências físicas, os dados dissonantes não podem ser acomodados no antigo paradigma até que alguém venha com um novo, no qual eles possam ser explicados. Os cientistas sociais apropriaram-se dos esforços de Kuhn para explicar o deslocamento e a substituição do pensamento hegemônico em política, economia e sociologia. Penso que embora o papel dos dados dissonantes tenha sido exaustivamente estudado, como no caso do deslocamento do keynesianismo no final dos anos 70 e das teorias da escolha racional e mercado eficiente durante a recente crise financeira, as explicações sobre mudança nos sistemas de conhecimento não foram capazes de considerar o papel da ação coletiva.

A Batalha de Seattle ressalta, a meu ver, o papel extremamente crítico, se não decisivo, da ação coletiva de massas no deslocamento dos sistemas de conhecimento. Explicarei a seguir.

Aceita-se hoje, de modo mais ou menos generalizado, que a globalização fracassou, em sua promessa tripla de resgatar os países da estagnação, eliminar a pobreza e reduzir a desigualdade. A crise econômica global em andamento, conduzida pelas corporações e baseada na liberalização financeira, fincou o último prego na ideologia da globalização virtuosa.

EDPORTUGAL | O MEXIA ESTÁ INOCENTE!



Acreditem: o Mexia é uma vítima das circunstâncias. Como o Catroga… e o Manso, & C.ia puras vítimas das circunstâncias…

Agostinho Lopes* | AbrilAbril | opinião

No pântano eléctrico (negociatas, corrupção, promiscuidade) produzido pelo desmembramento da EDP, da sua privatização e da liberalização de uma coisa a que chamam «mercado» da electricidade, de vez em quando vem à tona um OVNI, por exemplo um CMEC. Por vezes, mesmo um OVI, um Objecto Voador Identificado, como por exemplo, a rolha da garrafa de champanhe que o António abriu, quando determinado Secretário de Estado também voou! E voou em vez dos CMEC que queria fazer voar!

E quando tal acontece, a comunicação social dominante descobre novamente a pólvora e desfaz-se numa diarreia de comentários e debates sobre o que durante anos não viu, ou fez de conta que não existia, quando não fez pior…

Ora os CMEC, os ditos cujos «Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual», e o resto da selva legislativa e do monstro empresarial, criados pelo desmembramento (o tal unbundling da EDP, de que o Pinho tanto gostava!), privatização e liberalização do Sistema Eléctrico Nacional, não são filhos de pais e avós incógnitos. A sua mãezinha é a política de direita, como se sabe filha dilecta de sucessivos governos do PS, PSD e CDS. Sempre abençoada e abençoados pelos santos de Bruxelas e Estrasburgo.

Os CMEC são parte do sistema «complexo, opaco e rígido», atreito a manipulações contabilísticas e legislativas do processo regulatório, que garante que o sobrecusto do sistema é transferido para os consumidores finais de energia.

Sobrecustos que como referiu, há anos, alguém (Prof. Pedro Sampaio Nunes, do IST), «ora é escondido em défices tarifários, ora é enviado para custos de acesso às redes, até ser um cadáver demasiado grande para se poder esconder no armário»! E de facto, 2,544 mil milhões de euros em 10 anos (2007/2017), não é um cadáver, é um cemitério!

Os CMEC (e o resto) são de facto uma máquina de fazer notas! E como tal deviam estar guardados na Casa da Moeda ou no Banco de Portugal. E não na sede da EDP.

Repare-se na receita do cozinhado:

Era uma vez um «mercado» livre de energia. Alguns chamam-lhe MIBEL! Era esse o objectivo de todas as malfeitorias feitas ao Sistema Electrico Nacional. Mas este mercado podia causar prejuízos à EDP! Caso houvesse muita energia no dito mercado, os preços da energia baixavam e a EDP tinha prejuízos. Isso não podia ser! Era um mercado, mas não podia ser mercado a mais, pelo menos para a EDP. Era um mercado sem riscos para os operadores/empresas, invenção notável da governança nacional.

Assim, nasceram os CMEC, que tinham um objectivo simples: compensavam a EDP dos possíveis prejuízos de preços baixos no mercado da energia que vinha das suas centrais hídricas, a carvão e a gás natural…todas com um CMEC cada uma (antes de 2004, eram CAE – Contratos de Aquisição de Energia). Uma espécie de seguro de vida para a (os lucros da) EDP.

E se houver muita energia no mercado, por exemplo, com a produção incentivada pelas tarifas fortemente bonificadas da energia renovável, eólica, fotovoltaica, etc.? Essa energia a mais, no mercado de electricidade, não baixa o seu preço e prejudica a EDP?! Não, não há perigo, porque lá estão os CMEC para compensar de forma proporcional a EDP dessa baixa… quanto mais desce o preço, mais sobem os CMEC. Mas quem tira proveitos (muitos) da bonificação da renovável, tanto mais, quanto mais produza? A EDP. Confuso? É o mundo EDP…

Isto é, a EDP ganhava e ganha a dois carrinhos! No mercado tem os CMEC a garantir-lhe que tem sempre um bom preço para toda a energia que lá coloque das suas centrais, todas com CMEC! Na produção eólica, fotovoltaica, de mini-hídricas, etc. tem garantida uma tarifa bonificada acima do preço do mercado! Que tem (3.ª garantia) igualmente garantido o escoamento para o mercado. E fluindo toda para o mercado, não lhe causará qualquer prejuízo: lá estão os CMEC para isso!

E quem faz as contas dos CMEC? Imaginem? A REN, que por acaso, até tem no seu capital social, uma pequena participação (5%) da EDP! Para lá de, desde 2012, ter também o mesmo patrão: o Estado chinês!

Confuso com o mercado? Não se aflija! o Mexia & C.ia, são inocentes, mas pagam-se bem!


Ora foi na tentativa de esclarecer, em 2013, um conhecido comentador económico, a propósito do OVI/rolha-de-garrafa-de-champanhe, que se escreveu uma longa carta sobre os problemas da energia em Portugal e os silêncios, pesados silêncios da comunicação social dominante, sobre as denúncias do PCP. Mas o comentador, nem chus nem mus. Nunca disse nada, nem acusou sequer a sua recepção. Pelo que, aí vai na oportunidade do assunto… a carta a José Gomes Ferreira, comentador económico da SIC.

O que agora tem uma segunda justificação: o ex-ministro Álvaro acaba de chegar aos jornais para sacudir a água do capote. Confessou o que ninguém sabia, «o lobby da energia é um dos mais fortes que temos em Portugal», e gabou-se de uma mentirola, de que o Governo PSD/CDS teria cortado «3,5 mil milhões de euros de rendas da energia». Esqueceu-se foi de explicar porque pôs o Secretário de Estado da Energia, Henrique Gomes, a «voar»…

* Engenheiro químico

EDPORTUGAL | COM O CATROGA NÃO SE BRINCA



Rafael Barbosa* | Jornal de Notícias | opinião

"Não se brinca com uma empresa cotada, lançando denúncias anónimas". A frase é de Eduardo Catroga e marca um antes e um depois nesta absurda história das suspeitas de corrupção na EDP e na REN. Antes, ainda podíamos ter umas quantas dúvidas quanto ao facto de a EDP andar a receber milhares de milhões de euros à conta de rendas impossíveis de compreender, mesmo que nos façam um desenho. Depois, percebemos que isto é coisa de magistrados mal-intencionados que acreditam em fábulas contadas por cobardes que atiram a pedra e escondem a mão. Ao contrário de Eduardo Catroga, que esse dá sempre a cara em defesa da honra e dos lucros de quem lhe paga o salário (coisa pouca, 45 mil euros por mês).

Para quem duvidar da probidade do ex-ministro das Finanças e ex-negociador com a troika (sempre por escolha do PSD), basta recordar o episódio de abril do ano passado (é fácil de encontrar no Youtube), em que se colou ao primeiro-ministro António Costa, puxando-lhe insistentemente pela manga do casaco, enquanto pedia uma palavrinha em nome dos acionistas chineses da EDP: "Se você precisar de mim para eu dar aí alguns entendimentos eu disponho-me a isso. Porque eu tenho essa visão da política que não é partidária!" Verdadeiramente exemplar. Depois disto, e perante mais um aperto para a EDP, só poderia ser ele a assumir a responsabilidade de defender a honra do convento.

Julgo que os portugueses ficaram convencidos. Bem podem lançar suspeitas sobre os gestores que andam a alternar entre a EDP, REN, BES (e o sucedâneo Novo Banco) e os gabinetes governamentais. Bem podem por aí vir falar de um ministro, o que negociou as rendas, e que também andou pelo BES - ainda que no imaginário popular seja para sempre o dos "corninhos" no Parlamento -, por ter dado umas aulas na Universidade de Columbia, em curso patrocinado pela EDP. É tudo fruto de trabalho esforçado e prestígio internacional. Ou, para usar o complexo léxico de Eduardo Catroga, tudo gente disposta a fazer "entendimentos". Gente que não tem da política uma visão partidária, antes uma visão de negócio, que é como deve ser. Nada que se deva confundir com corrupção e outras palavras feias que não condizem com os sapatos lustrosos e os fatos de corte impecável das nossas elites.

Depois de ouvir Eduardo Catroga e as suas frases eletrizantes o que apetece mesmo é ir a correr pagar os 470 euros (mais juros) que, dizem-nos, cada um dos 10 milhões de portugueses está a dever às empresas produtoras de eletricidade. E isto é assim porque, pelos vistos, andamos a pagar um preço demasiado baixo pela eletricidade. Apesar de ser dos preços mais caros da Europa. Não perceberam? Perguntem ao Catroga, ele explica.

*Editor executivo

BENFICA | APAF desafia F.C. Porto a revelar todas as acusações de corrupção



A Associação Portuguesa de Árbitros de Futebol (APAF) desafiou, esta quarta-feira, o F. C. Porto a apresentar "às instâncias competentes" dados sobre as acusações de corrupção envolvendo o Benfica.

"Se existe alguma veracidade nas graves acusações que fazem, devem, para bem do futebol, apresentar esses dados às instâncias competentes, PJ e MP, se é apenas mais uma diversão, então condene-se e penalize-se estes comportamentos de uma vez por todas", pode ler-se, em comunicado.

O diretor de comunicação do F. C. Porto, Francisco J. Marques, acusou, no Porto Canal, o Benfica de corrupção, revelando uma alegada troca de emails entre Pedro Guerra, comentador da Benfica TV, e Adão Mendes, ex-árbitro, na época 2013/14.

"As declarações feitas são graves e não devem deixar de ser analisadas e investigadas desde a sua veracidade à intencionalidade, para bem da transparência do futebol. A APAF, tal como em casos anteriores, quer o prestigio da classe e do futebol e, para tal, irá tomar as ações e diligências necessárias para apuramento da verdade e não poderá deixar uma vez mais cair por terra mais este episódio detrator do nosso futebol", acrescentam.

De resto, a APAF adianta que irá "apresentar queixa" das declarações, "a fim de provarem a sua veracidade".

O Ministério Público (MP) confirmou hoje ter recebido uma denúncia anónima em que o Benfica é acusado de corrupção, tendo a mesma sido encaminhada para o DIAP de Lisboa com vista a instauração de inquérito.

Entretanto, na sua página oficial, o Benfica "repudia e desmente de forma veemente as falsas e absurdas insinuações do diretor de comunicação do F. C. Porto", acrescentando ir avançar "com um processo-crime por difamação e outros processos que se justifiquem".

Para os 'encarnados', as acusações do F. C. Porto visam "desviar as atenções da crise e graves problemas por que passam outras instituições"

Jornal de Notícias

BANDO DE SALAFRÁRIOS, TODOS ATRÁS DO VIL METAL



A tempo e horas eis o Curto que trazemos aqui quase todas as manhãs (quando somos pontuais). Hoje é servido por Ricardo Marques, do burgo Impresa, que é o mesmo que dizer a informação e a alienação em produto branco. Compre um e leva com todos. Como essa Impresa há mais desses grupos ou burgos. Talvez por isso os portugueses já nem possam dizer que “não vão em grupos”. É o come e cala. Os do capital ao serviço da tarefa aplicada da manipulação das mentes. E conseguem fazê-lo com bons resultados… nos mais distraídos, que são a maioria.

O tique de enviar o português (a língua) para o escanteio perdura e desenvolve-se, pelo visto. Hoje temos Curto a abrir com língua de vaca em vez da língua portuguesa. É chique, provavelmente. Que se lixe a língua, exceto a estufada. E assim se trata tão mal o português. Adiante que se faz tarde e a praia espera-nos.

A prosa está em baixo, a seguir se continuar a ler. Por acaso não começa com “goodmorning”. É para admirar. Entenda-se que os estrangeirismos aplicados por Ricardo Marques, o autor que se segue, tem razão de ser, com boa vontade. É que a história imaginativa com que abre oferece-lhe espaço para issso. Mas, podia não der assim e sim tudo em português. A língua de Portugal e dos portugueses. Ora, que se lixe. Mas que implicância!

Que hoje é dia de eleições no Reino Unido. Pfff. Pois. Um palpite: nada vai mudar. Deixem-se de tangas. O resto é só “serrar presunto”.

Depois disso vem Trump e futebol. Fátima desta vez não completa a grelha do costume, nem o fado. A não ser o fado (vivência de trampa e destino igual) dos desgraçadinhos portugueses que andam a sustentar a chularia de políticos (alguns) gestores e outros que até parecem que integram uma máfia que nos acossa e rouba sem parar.

Tudo está bem quando acaba em bem. Mas por aqui vamos acabar esta prosa de abertura sabendo que tudo está mal e que a bandidagem cresce a olhos vistos. Todos atrás do vil metal. O dinheiro, os cifrões, os euros. Bando de salafrários.

Mesmo assim, se conseguirem tenham um bom dia. E leiam o Curto, vale sempre o tempo de sabermos as linhas com que nos devemos cozer, por defesa. Por Portugal.

MM | PG

"O lobby da energia tem condicionado os governos" - ex-secretário de estado de Passos Coelho



Nove meses depois de ter tomado posse como secretário de Estado da Energia no governo de Pedro Passos Coelho, em 2011, Henrique Gomes bate com a porta no executivo. Pelo caminho fica a tentativa de impor uma contribuição extraordinária ao setor da energia, bem como a revisão dos contratos que garantem uma remuneração fixa às elétricas - o caso dos agora famosos CMEC, os Custos de Manutenção para o Equilíbrio Contratual. Nesta entrevista Henrique Gomes fala sobre a sua passagem pelo governo, como Vítor Gaspar lhe travou o passo quando argumentou que o corte nas rendas excessivas no setor da energia era uma forma de aliviar a economia e os portugueses. E como um relatório que chegou numa quinta-feira ao ministério da Economia e seguiu na manhã seguinte para o gabinete do primeiro-ministro, à hora de almoço já era do conhecimento da EDP. Apesar do desfecho diz-se "grato" pela experiência governativa. Mas pelo que não foi possível fazer "não ficaria lá mais tempo nenhum".

É sabido que defende que se devia ter ido mais longe no corte das rendas da energia. Na sua perspetiva até onde é que se pode, ou deve, ir?

Deixe-me começar por um enquadramento. Estamos neste momento já na terceira diretiva europeia para a energia, que está a tentar resolver todas as preocupações do que será todo o sistema elétrico baseado em energias renováveis. Isso acarreta alterações significativas na gestão dos próprios mercados e uma atuação de toda a produção que tem de ser concorrente no mercado, sem outros apoios. Portanto, tudo o que seja subsídios tem de ser eliminado o mais depressa possível, já devia ter sido eliminado. É assim com as renováveis. Na produção em regime ordinário os apoios deviam ter acabado com a primeira diretiva, que obrigou as hídricas e as centrais térmicas a ir ao mercado. Claro que tem que haver uma fase de transição, os espanhóis também a fizeram. Mas quando chegaram, salvo erro aos 3000 milhões de euros de subsídios à produção, fecharam a torneira, só ficaram uns apoios muito pontuais. Os espanhóis desde 2007 que não têm esses apoios.

Porque é que isso não foi feito em Portugal?

Nós atrasámo-nos um pouco, por um lado. E por outro arranjámos os CMEC [Custos de Manutenção para o Equilíbrio Contratual], que também estão a acabar, estão agora a começar a acabar. E este é o ano da revisibilidade desses contratos.

Considera que o setor elétrico em Portugal tem sido protegido, tem sido sobre remunerado com estes vários apoios?

Com certeza que é sobre remunerado. Basta ver a decomposição dos custos para a formação dos preços. Este ano esses custos representam cerca de 1900 milhões de euros. Para o próprio CMEC, este ano, estavam previstos - é uma previsão - 300 milhões. Numa coisa que deveria ser um apoio mínimo para compensar a passagem para mercado. Estes apoios deviam ter sido muito mais reduzidos e foram mal negociados.

A investigação que está em curso faz supor que podem ter sido outra coisa...[Foram já constituídos sete arguidos por suspeitas de corrupção, ativa e passiva, e participação económica em negócio, na sequência da investigação às rendas pagas pelo Estado à EDP].

Não sei qual o âmbito da investigação e não vou falar sobre ela.

Considera possível uma decisão unilateral do Estado em relação a estes contratos?

É muito difícil. E repare que, quando estive no governo, a minha primeira abordagem não foi essa. Foi criar uma contribuição ao setor elétrico, ao sistema elétrico nacional, aos produtores. O resultado dessa contribuição iria para um fundo de equilíbrio do sistema elétrico, fundo esse que seria alimentados pelos consumidores, pelo Estado e pelos coprodutores, que pagariam essa contribuição na medida das potências instaladas - todos aqueles que não tivessem ido a mercado. A contribuição era temporária e era universal. Tinha uma lógica de aplicação, é uma medida na órbita da discricionariedade do Estado e era constitucional. E tinha um enquadramento, relativamente à troika, que era favorável. Não se fez isso...

E porque é que não se fez?

Teve-se medo de perturbar a privatização [da EDP]. Não se fez uma medida estrutural, importantíssima, que resolveria o equilíbrio do sistema elétrico por, quase, um prato de lentilhas. A esse propósito , aconselho as pessoas a lerem o relatório da auditoria do Tribunal de Contas à privatização das empresas do setor energético. Estão lá as conclusões. O produto da privatização foi para abater à dívida e vê-se qual foi o resultado desse abatimento. Foi um resultado modesto.

O ex-ministro da Economia, Álvaro Santos Pereira - que era o titular da pasta quando foi secretário de Estado - disse ontem ao jornal Público que o lobby da energia teve "uma influência nefasta no país". Concorda com esta afirmação?

Concordo. O lobby da energia defende os seus direitos e os seus interesses, daí não vem mal ao mundo. Mas o lobby da energia tem condicionado os governos. E isso acho mal, é um erro.

O lobby da energia condiciona o poder político?

O erro não é que as empresas defendam os seus interesses, é que o Estado não defenda os seus. Chamo a atenção para qual é o poder económico de que estamos a falar. Estamos a falar de três empresas, um pequeno grupo - EDP, EDP Renováveis, GALP e REN, que é pequenina no meio disto tudo. Estas empresas, em conjunto, representam 42, 43% de todo o PSI20. Este valor concentrado em três empresas... está a ver o poder que pode ter.

Estes lobbys tiveram alguma coisa a ver com a sua saída do governo?

Sim, são públicas algumas histórias, que eu aliás só vim a saber mais tarde.

E não sentiu apoio político nessa sua batalha pela diminuição das rendas da energia?

Não muito. Não levo isso a mal essencialmente por dois motivos. Primeiro, a grande preocupação nessa altura era a dívida. É uma inconfidência, mas lembro-me, numa das reuniões que tive logo no início com a secretária de Estado das Finanças da altura, Maria Luís Albuquerque, para explicar aquilo que pensava... Estávamos reunidos, ela é chamada, interrompe a reunião. Reaparece meia hora depois, estava completamente lívida e o comentário que fez foi : "Desculpe, temos que interromper a reunião. O país não tem dinheiro para nada. Estamos na bancarrota".

Mas é chamada por quem? Pelo ministro? [À data, o titular das Finanças era Vítor Gaspar].

Não sei. Sei que vinha lívida, apavorada. A grande preocupação era essa, era a dívida. E foi a privatização [da EDP]. No caso da energia, a preocupação era fazer dinheiro de qualquer maneira, por pouco que fosse. Não se soube pesar nem o valor de uma reforma da energia - do lado das Finanças não havia sensibilidade para isso. E quem assessorava o primeiro-ministro e as Finanças também terá tido alguma influência.

Chegou a pedir um estudo à Universidade de Cambridge, que acabou na gaveta e nunca foi usado...

Eu pedi esse estudo na sequência do relatório da segunda revisão do memorando de entendimento. O governo compromete-se então numa medida nova, uma medida de benchmarking - medidas de benchmarking eram aquelas que, na revisão seguinte, não podiam falhar, sob pena de de falhar tudo. Havia muitas medidas, que se iam fazendo, e havia as de benchmarking, que eram para cumprir. E a medida nova era o governo comprometer-se a determinar todas as rendas excessivas - é a primeira vez que aparece o termo rendas excessivas - de todas as naturezas, na produção de energia. E a entregar esse relatório até 31 de janeiro. Estávamos em dezembro de 2011, tive que montar uma equipa, e uma das coisas que era necessário era saber quais as remunerações de referência, nos mercados e em toda a Europa. Nós não tínhamos meios para fazer isso de uma forma competente, andámos à procura, a equipa da universidade de Cambridge tem nome, é uma equipa boa. O que essa equipa fez foi um levantamento do que eram as rentabilidades de referência, ano a ano, para as diversas formas de produção [de energia]. Sobre este relatório fizeram-se então as contas. Foi o tal trabalho que depois foi desconsiderado. Foi um trabalho interessante, foi entregue ao ministro Álvaro [Santos Pereira] numa quinta-feira ao fim do dia, em papel, o sr. ministro leu durante a noite, falou connosco de manhã, fizemos os ajustes que ele achou por necessários e mandou entregar ao sr. primeiro-ministro ao fim da manhã. À hora de almoço, estava a almoçar com a minha equipa, começámos a receber chamadas da EDP a perguntar que relatório era aquele. Passados uns dias, o relatório era desvalorizado porque tinha erros e porque não era por ser em inglês que seria bom . Ok, percebe-se a desvalorização, não se percebe é porque do nosso lado, do lado do governo - onde também se repetiu esse discurso de que o relatório tinha erros - não se tivesse indicado e discutido esses erros. Eu disponibilizei-me a ajustar o relatório, deveria ser do interesse de todas as partes, era um relatório de referência para podermos negociar a seguir.

O processo de ajustamento implicou medidas muito complicadas. Esta exigência da troika sobre as rendas excessivas, em particular, não foi cumprida, pelo menos na medida em que a troika pretendia. Porquê? O que é que explica isto?

Explica-se pela grande sensibilidade relativamente à preocupação financeira, de equilíbrio e de resposta imediata, porque estávamos de facto em bancarrota. Explica-se pelos conselhos de que o sr. primeiro-ministro e a equipa das Finanças se rodearam quanto a este setor. Numa reunião, uma reunião longa, cheguei a dizer "tenho um argumento político: é das poucas medidas que o governo conseguirá apresentar, nos próximos tempos, para aliviar a nossa economia e a população". A resposta do ministro [Vítor] Gaspar foi "então se o argumento é político, a reunião acabou". Também não percebo. Nunca percebi.

Cerca de um ano depois da sua saída do governo, o ministro Álvaro Santos Pereira disse isto, em entrevista à TSF: "Quando o meu anterior secretário de estado da energia, o engenheiro Henrique Gomes, saiu, eu tive um dos principais presidentes das produtoras de energia elétrica em Portugal a telefonar para várias pessoas, a celebrar com champanhe". Vê isto como isto um elogio?

Vejo, com certeza que sim.

Que imagem guarda hoje da sua passagem - que foi fugaz, nove meses - pelo governo?

Estou muito grato por ter tido essa oportunidade, estou grato ao primeiro-ministro [Pedro Passos Coelho], por quem tenho estima. Tive ao meu alcance a possibilidade de fazer coisas interessantes. Outras não foi possível, eu não ficaria lá mais tempo nenhum.

Susete Francisco | Diário de Notícias

Mais lidas da semana