quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Portugal | MATANÇA



Ora a perda de cem vidas humanas, nas circunstâncias em que ocorreu – dois picos de vagas incendiárias muito concentradas no tempo e imprevisivelmente diversificadas no espaço –, não é um acidente: é uma matança, um selvático assassínio em série.

José Goulão | AbrilAbril | opinião

Anuncia-se que, por ora, as chamas estão extintas; fazem-se os enterros, recolhem-se os salvados, secam-se as lágrimas, respeita-se o luto, limpam-se os destroços, recontam-se as poupanças – se ainda as há – deitam-se mãos à obra porque a vida continua e sempre é menos dura sob o abrigo de um tecto. Até à próxima.

Sem surpresa, e como já percebemos, agora segue-se a campanha feroz contra o governo, exigem-se cabeças de ministros, sobe de tom a troca de soundbitescomo balas, exercita-se a caridadezinha público-privada, provavelmente teremos de assistir às repugnantes práticas de necrofilia política dos que, habituados a tratar mal os vivos jamais respeitarão os mortos.

Cem mortos e dezenas de feridos é o rescaldo provisório da hecatombe dos incêndios deste ano em Portugal. Ano após ano, fogos florestais sempre houve; mas não há memória de uma tragédia humana com esta envergadura, de uma insegurança, de um sentimento de fragilidade e de terror que se estende a todos os cidadãos que habitam no território português.

Onde havia jogos sujos de madeireiros e se apostavam grandes interesses imobiliários e florestais tornou-se este ano comum o sacrifício de vidas humanas. Salta à vista, sente-se no peito, que o País ficou desestabilizado num tempo em que, finalmente, recomeçava a olhar em frente.

Escrevi há dois meses que as circunstâncias qualitativamente diferentes dos fogos deste ano exigiam abordagens, medidas e respostas diferentes. Lembrei o caso, também único, do Verão de 1975, quando a multiplicação de incêndios, então centralizados no Alentejo, tinha como objectivo político não apenas a destruição da Reforma Agrária mas também a expansão de um clima de pânico que forçasse o país e os seus habitantes a desejarem um recuo drástico na Revolução.

E admiti a hipótese de estarmos agora perante uma desestabilizadora operação de terrorismo puro e duro, uma prática que, embora não pareça a quem se regula pela comunicação social dominante, não se cinge às malfeitorias do Daesh, nem sequer ao universo do radicalismo islâmico.

PORTUGAL | As coisas estão mais complicadas para Costa



O governo Costa faz em novembro dois anos

Ana Sá Lopes | Jornal i | opinião


O Presidente da República fez, na noite de terça-feira, o melhor discurso que alguma vez foi feito no passado recente, em Portugal, por um chefe do Estado. Exatamente porque demonstrou, para quem ainda tinha dúvidas, para que serve um chefe de Estado. Vamos lá fazer o exercício de pensar que os 107 mortos dos incêndios mais as desastradas intervenções de Constança, Costa e Jorge Gomes se tinham passado em 2004 durante o governo Santana Lopes – o Presidente da República não teria esperado por esse inverno de 2004 para dissolver o parlamento. Teria tomado a decisão logo em outubro. 

António Costa sobreviveu politicamente aos incêndios de Pedrógão Grande, como o prova a extraordinária vitória que obteve nas eleições autárquicas. Mas vai ser mais difícil uma reconciliação popular depois do que se passou no domingo. Apesar de ontem, na Assembleia da República, António Costa parecer ter interiorizado algumas das lições da véspera da comunicação ao país de Marcelo – e a sua performance no debate parlamentar, despojado da arrogância e autossuficiência que o caracterizam, foi indiscutivelmente boa –, as coisas tornaram-se mais complicadas doravante. Se havia um antes e um depois de Pedrógão Grande, a fronteira agora aumentou substancialmente.

António Costa tem o problema de outros tantos primeiros-ministros que o precederam – Passos Coelho, Sócrates, Cavaco Silva, por exemplo, eram também profundamente teimosos e incapazes, a partir de um certo momento, de estabelecer uma relação com o mundo das pessoas normais.

A cápsula do poder tende a capturar a melhor das inteligências – e Costa é profundamente inteligente, ao ponto de ontem ter conseguido recuar no estado de dissociação da realidade que estava a revelar relativamente aos horríveis fogos de domingo.
O governo Costa faz em novembro dois anos. É menos do que governou Sócrates, Cavaco ou Passos Coelho. E nenhum deles, a começar por Sócrates, foi fustigado, num período tão curto, por um Presidente da República da maneira que Costa foi. Se isso lhe vai servir para adquirir uma qualidade que não lhe assiste – alguma humildade –, não se sabe. A bolha do poder e o permanente contacto com yes men não ajudam a um melhor programa.

Moção da oposição timorense contesta programa e forma insensata da formação do governo



Díli, 19 out (Lusa) - Os três partidos da oposição timorense subscrevem a moção de rejeição apresentada no parlamento nacional ao programa do Governo, contestando quer o conteúdo do documento quer a forma "insensata" como o executivo foi formado.

O texto de seis páginas da moção de rejeição está assinado pelos líderes das três bancadas da oposição, Arão Noé Amaral (CNRT), Fidelis Magalhães (PLP) e Luís Roberto da Silva (KHUNTO), que entre si representam 35 dos 65 deputados. O CNRT é presidido por Xanana Gusmão e o PLP por Taur Matan Ruak, dois líderes históricos do país.

A Constituição prevê a queda do Governo, liderado por Mari Alkatiri e apoiado pelos 30 deputados da Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente (Fretilin) e do Partido Democrático (PD), se o programa for rejeitado duas vezes.

No documento os signatários referem que o Presidente da República nomeou um primeiro-ministro "sem se preocupar com a falta de uma maioria parlamentar" e afirmam que apesar de a decisão não ser inconstitucional é "politicamente insensata e imprudente".

Deveria o Presidente da República, argumentam, "ter procurado soluções alternativas de Governo com apoio maioritário no Parlamento Nacional, seguindo assim o exemplo dos seus antecessores".

PM timorense diz que teve garantia do CNRT de apoio a programa e Orçamento



Díli, 18 out (Lusa) - O primeiro-ministro timorense, Mari Alkatiri, disse hoje que Xanana Gusmão, presidente do maior partido da oposição, o CNRT, lhe garantiu apoio total ao programa e ao Orçamento do Estado, de que o Governo necessita por ser minoritário no parlamento.

"Xanana Gusmão disse-me que me ajudava a garantir o programa e o Orçamento do Estado. Eu disse que não tinha 33 deputados [a maioria] e ele disse: ´não te preocupes´", afirmou, numa intervenção no Parlamento Nacional.

Alkatiri disse que esperaria pelo regresso a Timor-Leste de Xanana Gusmão - está atualmente numa visita à Madeira - para que em conjunto possam explicar à sociedade timorense esses compromissos.

"Não há segredo. Esta é a realidade. Este é o compromisso com o irmão Xanana Gusmão e que agora divulgo", afirmou o líder do Governo.

Os comentários de Alkatiri, no terceiro dia consecutivo de debate sobre o programa do executivo no Parlamento Nacional, surgem numa altura em que a oposição maioritária se constituiu numa Aliança de Maioria Parlamentar (AMP) que quer ser alternativa de Governo.

2016 | SEBASTIÃO, EMPRESÁRIO PORTUGUÊS RAPTADO EM MOÇAMBIQUE… SILÊNCIO À NYUSI



Governo português “espreme” contraparte moçambicana exigindo esclarecimentos sobre o sumiço do seu concidadão há mais de um ano em Sofala

Portugal continua indignado com a alegada demora e o mutismo do Governo moçambicano em relação ao rapto de um cidadão lusitano, há 15 meses, na província de Sofala. Desde essa altura a esta parte, não se sabe o que é que aconteceu, efectivamente, ao cidadão em causa, facto que está a originar crispação entre os dois países. Aquele país acusa ainda o Executivo da chamada “Pérola do Índico” de estar a ignorar, há meses, as insistentes démarches da embaixadora de Portugal em Maputo, com vista a obter possíveis novos desenvolvimentos em torno do caso. E diz que o Governo do Presidente Filipe Nyusi decidiu, agora, pautar por aquilo que considera “um blackout quase absoluto”. E avisa que não se vai deixar vencer pelo cansaço.

Trata-se do empresário Américo António Melo Sebastião, raptado a 29 de Julho de 2016, no distrito de Marínguè, em Sofala, por indivíduos não identificados.

O seu paradeiro é desconhecido e o Executivo moçambicano não dispõe de nenhuma novidade. Por conseguinte, parece haver um profundo retraimento diplomático entre Portugal e Moçambique.

ANGOLA | Estado de graça



Luísa Rogério | Jornal de Angola | opinião

O Presidente João Lourenço regressou à instituição que se inscreve, em caixa alta, no seu percurso político.

Foi deputado, presidente do Grupo Parlamentar do MPLA e, por último, 1º Vice-Presidente da Assembleia Nacional. João Lourenço entrou pela porta grande do sumptuoso edifício do Parlamento, e pela primeira vez na condição de Presidente da República, com o propósito de falar sobre o Estado da Nação. Desse modo, deu-se cumprimento ao disposto no artigo 118º da Constituição da República de Angola. 

O discurso, considerado transversal sob os diferentes pontos de vista, terá ido ao encontro das expectativas de sectores distintos da população, incluindo os mais críticos. Em diferentes plataformas, diz-se, e com destaque para as redes sociais, que o Presidente tocou em pontos chaves. Em linhas gerais, disse aquilo que muita gente desejava ouvir, que outros tantos não esperavam ouvir tão cedo.

João Lourenço inspirou o seu discurso na premissa da resolução dos problemas do povo, tendo reiterado o foco do mandato numa aposta maior no sector social e na diversificação da economia. A coragem para “melhorar o que está bem e mudar o que está mal, com a serenidade e a firmeza”, segundo as palavras do Presidente da República, esteve omnipresente no discurso que traçou as linhas mestras do programa de governação para os próximos cinco anos. 

A primeira comunicação, depois do acto de posse, deu vazão a vários ângulos de análise, apesar de nem todos espaços mediáticos os terem explorado de forma exaustiva. A identificação dos elementos fulcrais, denominados “desafios da mudança”, esteve bem patente na abordagem madrugadora que deixou recados políticos muito claros.

HÁ QUE PÔR FIM A “UMA SAÚDE MERCENÁRIA EM NOME DO MERCADO”!



Martinho Júnior | Luanda

Desde 2007, quando se começaram a melhor detectar os impactos na saúde angolana das questões que se prendem aos comportamentos típicos do capitalismo neoliberal, que tenho vindo a espaços a chamar a atenção para a impraticabilidade e amoralidade relativas do que se tem vindo a fazer.

Desde o primeiro ano de independência que no sector da saúde interesses egoístas e privados têm vindo a provocar desgastes a todos os níveis ao sistema de saúde do estado angolano, mas foi a partir de 2002 que no âmbito da “terapia neoliberal”, esses desgastes mais se têm evidenciado, por que foi a partir desse ano que o estado mais investiu na saúde nacional!

A delapidação do património e o desvio de medicamentos têm sido uma constante ao longo dos tempos, uma prática impune que socorre as iniciativas privadas dos mercenários!

Há que dar urgentemente combate a essas práticas!

Por isso há que, de forma abrangente, se chamar a atenção de todos os angolanos PARA UMA CUIDADA REFLEXÃO!

Os impactos neoliberais têm atingido Angola, provocando desequilíbrios e fazendo aumentar o fosso das desigualdades!

Há toda a necessidade patriótica e humana de reverter essa situação!

No "ESTADO DA NAÇÃO" pronunciado pelo Presidente da Republica camarada João Lourenço, há um indicador a ter em conta: começar a impedir que alguns impactos neoliberais causem mais estragos para além dos que já provocaram!

Para Angola, o mais importante continua a ser RESOLVER OS PROBLEMAS DO POVO!

Boaventura: A ILUSÓRIA “DESGLOBALIZAÇÃO”



Não nos enganemos: vitória de Trump e Brexit expressam uma nova fase de globalização – mais dramática, mais excludente e talvez capaz de eliminar a democracia

Boaventura de Sousa Santos | Outras Palavras | Imagem: Adrian Paci, Centro de Permanência Provisória (2007)

Em círculos acadêmicos e em artigos de opinião nos grandes meios de comunicação tem sido frequentemente referido que estamos entrando num período de reversão dos processos de globalização que dominaram a economia, a política, a cultura e as relações internacionais nos últimos cinquenta anos. Entende-se por globalização a intensificação de interações transnacionais para além do que sempre foram as relações entre Estados nacionais, as relações internacionais, ou as relações no interior dos impérios, tanto antigos como modernos. São interações que não são, em geral, protagonizadas pelos Estados, mas antes por agentes econômicos e sociais nos mais diversos domínios. Quando são protagonizadas pelos Estados, visam cercear a soberania do Estado na regulação social, sejam os tratados de livre comércio, a integração regional, de que União Europeia (UE) é um bom exemplo, ou a criação de agências financeiras multilaterais, tais como o Banco Mundial e o FMI.

Escrevendo há mais de vinte anos1, dediquei ao tema muitas páginas e chamei a atenção para a complexidade e mesmo o caráter contraditório da realidade que se aglomerava sob o termo “globalização”. Primeiro, muito do que era considerado global tinha sido originalmente local ou nacional, do hamburger tipo MacDonald’s, que tinha nascido numa pequena localidade do meio-oeste dos EUA, ao estrelato cinematográfico, ativamente produzido no início por Hollywood para rivalizar com as concepções do cinema francês e italiano que antes dominavam; ou ainda a democracia enquanto regime político globalmente legítimo, uma vez que o tipo de democracia globalizado foi a democracia liberal de matriz europeia e norte-americana e, na versão neoliberal, mais norte-americana que europeia.

Segundo, a globalização, ao contrário do que o nome sugeria, não eliminava as desigualdades sociais e as hierarquias entre os diferentes países ou regiões do mundo. Pelo contrário, tendia a fortalecê-las. Terceiro, a globalização produzia vítimas (normalmente ausentes dos discursos dos promotores do processo) que teriam agora menor proteção do Estado, fossem elas trabalhadores industriais, camponeses, culturas nacionais ou locais, etc. Quarto, por causa da dinâmica da globalização, as vítimas ficavam ainda mais presas aos seus locais e na maioria dos casos só saíam deles forçadas (refugiados, deslocados internos e transfronteiriços) ou falsamente por vontade própria (emigrantes). Chamei a estes processos contraditórios globalismos localizados e localismos globalizados. Quinto, a resistência das vítimas beneficiava por vezes das novas condições tecnológicas tornadas disponíveis pela globalização hegemônica (transportes mais baratos, facilidades de circulação, internet, repertórios de narrativas potencialmente emancipatórias, como, por exemplo, os direitos humanos) e organizava-se em movimentos e organizações sociais transnacionais. Chamei a esses processos globalização contra-hegemônica e nela distingui o cosmopolitismo subalterno e o patrimônio comum da humanidade ou jus humanitatis. A mais visível manifestação deste tipo de globalização foi o Fórum Social Mundial, que se reuniu pela primeira vez em 2001 em Porto Alegre (Brasil) e do qual fui um participante muito ativo desde a primeira hora.

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