O
governo Costa faz em novembro dois anos
Ana Sá Lopes | Jornal i
| opinião
O
Presidente da República fez, na noite de terça-feira, o melhor discurso que
alguma vez foi feito no passado recente, em Portugal, por um chefe do Estado.
Exatamente porque demonstrou, para quem ainda tinha dúvidas, para que serve um
chefe de Estado. Vamos lá fazer o exercício de pensar que os 107 mortos dos
incêndios mais as desastradas intervenções de Constança, Costa e Jorge Gomes se
tinham passado em 2004 durante o governo Santana Lopes – o Presidente da
República não teria esperado por esse inverno de 2004 para dissolver o
parlamento. Teria tomado a decisão logo em outubro.
António Costa sobreviveu politicamente aos incêndios de Pedrógão Grande, como o prova a extraordinária vitória que obteve nas eleições autárquicas. Mas vai ser mais difícil uma reconciliação popular depois do que se passou no domingo. Apesar de ontem, na Assembleia da República, António Costa parecer ter interiorizado algumas das lições da véspera da comunicação ao país de Marcelo – e a sua performance no debate parlamentar, despojado da arrogância e autossuficiência que o caracterizam, foi indiscutivelmente boa –, as coisas tornaram-se mais complicadas doravante. Se havia um antes e um depois de Pedrógão Grande, a fronteira agora aumentou substancialmente.
António Costa tem o problema de outros tantos primeiros-ministros que o precederam – Passos Coelho, Sócrates, Cavaco Silva, por exemplo, eram também profundamente teimosos e incapazes, a partir de um certo momento, de estabelecer uma relação com o mundo das pessoas normais.
A cápsula do poder tende a capturar a melhor das inteligências – e Costa é profundamente inteligente, ao ponto de ontem ter conseguido recuar no estado de dissociação da realidade que estava a revelar relativamente aos horríveis fogos de domingo.
O governo Costa faz em novembro dois anos. É menos do que governou Sócrates, Cavaco ou Passos Coelho. E nenhum deles, a começar por Sócrates, foi fustigado, num período tão curto, por um Presidente da República da maneira que Costa foi. Se isso lhe vai servir para adquirir uma qualidade que não lhe assiste – alguma humildade –, não se sabe. A bolha do poder e o permanente contacto com yes men não ajudam a um melhor programa.
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