O sucesso do modelo português não
vem das políticas de oferta, mas das políticas de demanda. A Comissão Europeia
não esconde seu mal-estar
Pascal de Lima, Huffingtonpost.fr | em Carta Maior
Durante muito tempo, o modelo de
referência na Europa foi o modelo alemão. Bruxelas cansou de fazer sua
apologia, particularmente devido ao excepcional excedente orçamentário alemão,
à dinâmica de sua dívida, e às reformas que permitiram uma excepcional
competitividade. A Comissão Europeia se apoiou com frequência neste modelo para
pressionar os outros países.
Historicamente, este modelo
baseia-se nas reformas heterogêneas da epopeia do chanceler Schröder para
superar a crise da década de 1990 na Alemanha. As reformas do sistema de saúde,
as famosas leis Hartz e os acordos de competitividade nas empresas
impulsionaram a Alemanha em direção ao ideal da economia de oferta. A redução
das taxas sobre a produção e o aumento do imposto sobre consumo deslocaram a
carga tributária. Paralelamente, o peso do Estado foi significativamente
reduzido. Este modelo, cujos pilares são, basicamente, as empresas, é
encontrado na Áustria, Holanda e também no norte da Itália. Essas políticas
pró-empresas tiveram seu apogeu na Europa entre 2005 e 2011, quando o
crescimento alemão, em particular, atingiu seu pico.
De todo modo, a Alemanha perdeu
fôlego em 2013-2014, mesmo com um crescimento ainda positivo. Um fato notável e
longe de banal é que a taxa de crescimento de Portugal ultrapassou a da
Alemanha em 2015-2016, como será provavelmente o caso em 2017. Ao mesmo tempo,
os excedentes comerciais da Alemanha que preocupam cada vez mais a União
Europeia.
A influência da Alemanha sobre as
políticas de austeridade na Europa atingiu seu limite. A locomotiva europeia,
imaginem, avança hoje a um ritmo mais lento, em termos de crescimento e
exportação.
Enquanto isso, o pequeno polegar da Europa, durante muito tempo criticado por Bruxelas, vem perturbar as grandes certezas sobre as boas políticas amargas a serem implementadas na Europa. Estamos falando de Portugal. Pouco mais de um ano atrás, em julho de 2016, a Comissão Europeia iniciou um procedimento contra o governo de Lisboa por "déficit excessivo". Mas desde então, Portugal reduziu o déficit para 2,1% em 2016 e deve reduzi-lo para 1,5% este ano, quando a França, por exemplo, pena para deixar o seu abaixo da marca de 4%.
Depois de um período histórico de
privatizações forçadas em troca dos empréstimos da Troika, foi finalmente a coalizão
de esquerda, no poder desde 2015, que veio transformar as coisas, deixando
Bruxelas em situação de grande mal-estar.
O modelo econômico português é
totalmente oposto ao defendido por Bruxelas. Desde 2015, o crescimento real em
Portugal recuperou-se de forma incontestável após os anos sombrios da Troika,
durante os quais as taxas de crescimento chegaram a ser negativas, entre 2011 e
2013. Hoje, as taxas de crescimento de Portugal excedem as da Alemanha. Se a
taxa de desemprego estava próxima de 17% em 2013, com as políticas de
austeridade, desde 2015 diminuiu de forma acentuada, com toda a probabilidade
de chegar a 8% em 2017. Uma queda notável, nunca vista. Portugal também se
beneficia de uma forte recuperação do consumo nos últimos dois anos, juntamente
com um excedente na balança de bens e serviços. Os investimentos produtivos em
percentagem do PIB estão próximos dos da Alemanha, ou seja, 16,5% contra 20% da
Alemanha. Com a melhoria contínua do capital humano, há também uma queda
acentuada nos empréstimos ao setor privado, enquanto a poupança cresce de forma
constante há dois anos. A inflação, por sua vez, está controlada, sendo menor
(1,3%) que na Alemanha (1,6% em 2016). É verdade que a dívida portuguesa é de
cerca de 146% contra 68% na Alemanha, mas está em declínio há dois anos. As
políticas de demanda não são, portanto, políticas que aumentam sistematicamente
o endividamento. Além disso, as taxas de juros de longo prazo situaram-se em
3,2% em 2016, em comparação com 0,09% na Alemanha. Em 2015-2016, já com a nova
aliança de esquerda que assumiu em 2015, foram as menores taxas que o país
conheceu desde 2010.
O sucesso do modelo português na
verdade não resulta das políticas pelo lado da oferta, mas sim de políticas
pelo lado da demanda: nada de reforma estrutural do mercado de trabalho para
cortar direitos trabalhistas, nenhuma de redução da proteção social, nenhum
programa de austeridade como o do governo anterior, de direita, que havia, por
exemplo, congelado o salário mínimo e as aposentadorias e aumentado os
impostos, tudo isso sem nenhum efeito notável sobre a economia. Pelo contrário,
o que testemunhamos naquele período foi um aumento da pobreza.
Dessa vez, não houve nada disso:
o salário mínimo teve aumentos em 2016 e em 2017. Ao mesmo tempo, vimos uma
queda nas contribuições dos empregadores de 23% para 22%. Finalmente, o governo
não hesitou em seu plano de revitalização do poder de compra: houve aumento das
aposentadorias e dos subsídios familiares, reforço das leis trabalhistas, queda
nos impostos sobre os salários mais baixos, suspensão das privatizações... Para
completar, Portugal entendeu que não adiantava tentar competir em custo com os
países do leste. Passou-se a investir em maior qualidade, tanto na indústria
como no turismo. Um ponto particularmente inspirador: o investimento na
qualidade da produção e das políticas de estímulo à demanda, juntamente com a
simples redução das despesas das empresas.
Tradução de Clarisse Meireles
Tradução de Clarisse Meireles
Créditos da foto: Getty Images
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