No dia 29 de janeiro, a ministra
Cármen Lúcia disse que o Supremo Tribunal Federal “se apequena” se revisar a
decisão que autoriza a prisão após condenação em segunda instância, diante da
repercussão do caso de Lula. Será mesmo? Ou não estaria o Supremo se
apequenando há alguns anos diante do incrível aprofundamento da politização do
Judiciário?
Guilherme Castro Boulos* –
de Brasília | Correio do Brasil | opinião
Durante o processo de impeachment
de Dilma Rousseff, o STF teve papel decisivo, por ação ou omissão. No início de
2016, o ministro Gilmar Mendes impediu Lula de ser nomeado ministro sob a
alegação de que o objetivo do cargo era a obtenção do foro privilegiado e
obstrução às medidas judiciais.
Uma série de arbitrariedades
cometidas pela força-tarefa da Lava Jato; determinantes para o golpe
parlamentar, passou incólume pelos ministros. Por outro lado, Eduardo Cunha
demorou seis meses para ter o pedido de afastamento julgado. Coincidentemente;
só foi retirado do Parlamento após cumprir a missão de derrubar Dilma.
Segurança jurídica
Mesmo com critérios casuísticos e
sem qualquer segurança jurídica; muitos insistiam que tudo era legal e
legítimo; pois o processo era validado pela Suprema Corte. Vendia-se a imagem
de um tribunal justo; cristalino e comprometido com a democracia e a lei.
Após a consumação do impeachment,
Michel Temer nomeou Moreira Franco como ministro; garantindo seu foro
privilegiado. Dessa vez, o Supremo não enxergou uma tentativa de obstrução da
Justiça e chancelou a nomeação. Aécio Neves; apesar das provas cabais, entre as
quais a promessa de matar o primo antes de este delatar; permanece incólume no
Senado da República. Gilmar Mendes, repentinamente, retomou o velho garantismo,
na medida em que os alvos não eram mais do PT.
O povo
O povo, que nada tem de besta,
deu-se conta. Pesquisa de 2017 do Datafolha revelou que 83% da população não
confia; ou confia apenas um pouco no Supremo. E 92% dos brasileiros acreditam
que o Poder Judiciário como um todo trata melhor os ricos. Em um contexto de
evidente parcialidade e arbitrariedade; o tribunal deixa até mesmo de parecer
independente e se torna identificado como mais um grupo com interesses em
disputa na política nacional.
Não é a primeira vez na história
da Corte. Ao contrário, condenações vergonhosas e rupturas institucionais foram
respaldadas pelo Supremo no passado. Em 1936, o STF negou habeas corpus a Olga
Benário; porque sua permanência no país “comprometia a segurança nacional”.
Benário foi extraditada e assassinada seis anos após; em um campo de
concentração da Alemanha nazista.
Em 1964
Em 1964, parte do Supremo
chancelou diretamente o golpe militar. Ribeiro da Costa; então presidente do
STF; autorizou a posse de um deputado federal na Presidência da República,
alegando; que João Goulart tinha fugido do país. Na cerimônia, o ministro chegou
a afirmar:
“O desafio feito à democracia foi respondido vigorosamente. Sua recuperação tornou-se legítima; através do movimento liderado pelas Forças Armadas; já estando restabelecido o poder de governo pela forma constitucional”. A maior parte das ditaduras militares na América Latina; também teve a anuência das suas supremas cortes.
Nesse sentido, a farsa judicial
do dia 24 de janeiro; que condenou Lula a 12 anos e 1 mês de prisão sem
qualquer prova; faz jus aos piores momentos da história do Judiciário
brasileiro.
Em um verdadeiro teatro de frases
feitas; os três desembargadores do TRF-IV; rasgaram pilhas de páginas do
Direito Penal e fizeram política de toga. Dezenas de juristas dos mais variados
espectros políticos são quase unânimes em denunciar os abusos do processo.
Lula
Vale dizer que Lula foi julgado
como são julgados os pobres e negros diariamente no Brasil; que correspondem à
grande massa da população carcerária. Muitos condenados sem prova ou com
flagrantes forjados. Outros tantos nem sequer condenados, mas presos à espera
de julgamento.
A novidade de Sergio Moro e dos
três gêmeos do TRF-IV; foi aplicar os piores vícios do Judiciário
brasileiro contra um ex-presidente da República; tornando-a também uma arma
política para interferir no processo eleitoral.
Dito isso, apequenar o Supremo
não seria pautar uma matéria que evite o absurdo risco de prisão de Lula. Ao
contrário. O Supremo, tão chamuscado pela omissão diante dos desvarios da
República de Curitiba; se apequenará ainda mais caso não reveja a sentença do
TRF-IV. Esperemos que não. Permitir a condenação de Lula do modo como ocorreu
e; ainda mais grave, não agir para evitar sua prisão transformará, no entanto,
o STF num Pequeno Tribunal Federal.
* Guilherme Castro Boulos, é um
ativista político e social, professor e escritor. É membro da Coordenação
Nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).
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