segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

PORTUGAL | Os protagonistas da interferência política na Autoeuropa


SAIBA QUEM SÃO

Há quem chame à luta dos trabalhadores da Autoeuropa «interferência». E há quem interfira a pretexto de «ajudar» os trabalhadores. Aqui se diz quem são e o que fazem. Porque o fazem, torna-se evidente.

João Silva | opinião | AbrilAbril

as últimas semanas acentuaram-se os ataques aos trabalhadores da Autoeuropa e às suas organizações representativas, configurando já uma das maiores campanhas de manipulação política e de ingerência externa num conflito laboral de empresa, desenvolvidas desde o 25 de Abril de 1974.

Políticos de direita, representantes patronais, comentadores de várias matizes e pseudo-sindicalistas atropelam-se na comunicação social dominante para ver quem vai mais longe no ataque aos trabalhadores e às suas organizações, colocando-se abertamente ao lado da multinacional alemã, na tentativa de impor um horário de trabalho que vai ao encontro da velha ambição do capital de voltar a considerar todos os dias da semana como dias normais de trabalho.

Cúmulo da hipocrisia, utilizam a táctica do «agarra que é ladrão».

Gritam e destilam ódio contra a CGTP e todas as forças que, pela sua natureza de classe, estão ao lado dos trabalhadores, acusando-as dos crimes que eles próprios praticam.

Pouco dados a questões de ética, não têm escrúpulos em utilizar a difamação, a mentira e a deturpação dos factos para tentarem induzir a opinião pública em erro, transformando o agressor – diga-se, a Administração – em vítima e os trabalhadores de agredidos em perigosos agressores.

Mas afinal quem é esta gente e quais os seus interesses e ligações ao capital?

Vejamos alguns dos protagonistas mais recentes desta ofensiva:

Silva Peneda, quadro destacado do PSD, veio recentemente a público, com o que chama de carta aberta, falar de uma mirabolante «estratégia destinada a fechar as portas da Autoeuropa» onde inclui várias provocações à CGTP-IN, chegando ao cúmulo de lançar um apelo lancinante aos «parceiros sociais» para «tomarem uma posição contra a postura da CGTP no processo da Autoeuropa».

Nada a estranhar vindo de quem vem. Ex-ministro dos Governos Cavaco Silva na área do trabalho, Silva Peneda foi co-responsável pela destruição de dezenas de milhares de postos de trabalho e pelo desemprego que atingiu de forma particular o distrito de Setúbal. O seu ódio aos direitos dos trabalhadores ficou bem patente nos pacotes laborais que apresentou destinados a liquidar direitos e a condicionar a contratação colectiva, que tiveram como resposta a greve geral de 29 de Março de 1988. Mais recentemente, como presidente do Conselho Económico e Social, comprometeu-se com as políticas do Governo de Passos Coelho, designadamente os cortes salariais e as graves alterações efectuadas na legislação laboral, que penalizaram e ainda continuam a penalizar os trabalhadores.

O CDS não quis perder a oportunidade e vai daí juntou à mesma mesa representantes patronais da CIP, da ACAP e o inefável Secretário-geral da UGT.

O Presidente da CIP, António Saraiva, talvez a pensar no tempo em que prestou um inestimável serviço aos Mellos como membro de uma CT, qual cavalo-de-tróia na organização dos trabalhadores, lembrou-se de falar na «introdução de um vírus na Autoeuropa». Vê-se que sabe do que fala!

O presidente da ACAP, Jorge Rosa, é administrador da Mitsubishi no Tramagal – cujos trabalhadores estão em luta precisamente contra a desregulação dos horários de trabalho – não resistiu à tentação da chantagem e lá foi dizendo sobre o caso que «não vamos assistir à deslocalização de imediato (…) mas coloca ponderações à casa mãe».

Já Carlos Silva, secretário-geral da UGT, é o tal que em 13 de Julho de 2012 afirmava em entrevista ao Diário das Beiras que, antes de se candidatar à liderança daquela organização, sentiu-se no dever de reunir com o patrão, Ricardo Salgado, para pedir autorização para integrar a lista. E disse mais Carlos Silva, nessa entrevista: «Ricardo Salgado, enquanto presidente da Comissão executiva do BES, desejou-me sorte e disse que era também um factor de prestígio para o BES ter um dos seus colaboradores como secretário-geral da UGT».

É claro que não se duvida do «prestígio» que o BES alcançava por ter um «colaborador» deste calibre que, por acaso ou talvez não, também integrou uma comissão de trabalhadores daquele Banco. E também não por acaso, Ricardo Salgado pediu a Carlos Silva, e este aceitou, para ser testemunha abonatória no processo do BES, tendo então declarado: «Nós tínhamos uma camisola muito prestigiada. Quando desapareceu houve estupefacção e um sentimento de orfandade» (Lusa, 26 de Junho de 2017).

É, pois, esta sumidade, que se apresenta ao lado dos patrões como secretário-geral de uma central sindical, que – certamente despeitado porque não foi «chamado para negociar» – vai mais longe do que os próprios comparsas no ataque aos trabalhadores, avisando que «ou há estabilidade interna ou os Alemães perdem a paciência e deslocalizam a empresa levando-a para fora de Portugal» e, bem informado, até já sabe quais os «países interessados» em a receber! Já relativamente aos trabalhadores e aos seus representantes só vê radicalismo e «agitadores profissionais».

Sobre as consequências do horário imposto pela administração para a saúde e a vida dos trabalhadores; sobre a justa remuneração do trabalho ao sábado; sobre a negociação em curso do caderno reivindicativo, nada! É caso para dizer que o patrão mais retrógrado não faria melhor.

Depois de tudo isto e para completar o serviço, vem agora este senhor, em bicos de pés e com ar seráfico, anunciar que vai apresentar uma proposta de acordo de empresa «através do seu sindicato» do sector. É caso para perguntar: quem lhe fez tal encomenda? Terá sido alguma associação patronal? Ou será alguma manobra de diversão semelhante a outras já utilizadas na empresa em tempos passados? Quem lhes deu o mandato para negociar? Não estará este senhor afinal a querer interferir nas decisões que só competem aos trabalhadores da Autoeuropa?

A justificação é patética. Ao afirmar que «se a empresa quiser» poderia «retirar o acervo de direitos» que resultaram dos acordos estabelecidos ao longo dos anos, mostra desconhecer duas coisas elementares: que os trabalhadores são abrangidos pelo contrato colectivo de trabalho do sector automóvel e que os direitos adquiridos (usos e costumes, conforme o artigo 1.º do Código do trabalho) são parte integrante do contrato de trabalho e não podem ser retirados.

Agora sim, há razões para os trabalhadores ficarem preocupados com esta ameaça, desde logo pelo histórico dos acordos assinados por essa tal organização em sectores como os do automóvel, da metalurgia, das indústrias eléctricas e outros, conhecidos pelos trabalhadores como «contratos do patrão» e nos quais, entre outras matérias, constam horários de trabalho de 60 horas semanais e bancos de horas, condições piores do que as do Código do Trabalho.

Já agora, mais uma questão pertinente: sabendo nós que o abaixo-assinado que correu na empresa – ampliado e sobrevalorizado pela comunicação social – a pedir a destituição da comissão de trabalhadores foi promovido por membros desse sindicato, não será parte integrante desta manobra de divisão? Alguém diria que não há almoços grátis.

Novos protagonistas – velhos processos

A participação de António Damasceno Correia, ex-director de recursos humanos da Autoeuropa nos anos 90, num recente debate no programa Prós e Contras, para além de me levar a questionar o porquê de tal aparição, trouxe-me à lembrança as revelações que ele próprio fez na sua tese de doutoramento, que pode facilmente ser encontrada na internet, aqui.

Dizia ele sobre a contratação colectiva: «a Autoeuropa, junto da associação patronal do sector, pressionou para que se constituísse um grupo de trabalho restrito, integrado pelos mandatários das cinco maiores empresas do sector, (…) apresentou e persuadiu os demais membros a aceitarem um conjunto de propostas que flexibilizaria o regime jurídico estatuído convencionalmente (CCT), (…) enviou à mesa de negociações com os sindicatos um delegado que, fundamentalmente deveria actuar nos bastidores e nunca se identificar como defensor da Autoeuropa».

E, prosseguindo, sobre os direitos sindicais: «a empresa procurou até, de forma habilidosa, neutralizar as tentativas sindicais de arranjar apoio interno»; «face a um comunicado do sindicato (…) afecto à CGTP-IN, através do qual são convocados os trabalhadores para um plenário no dia seguinte, (…) um grupo de trabalhadores independentes – integrado por quadros da empresa e em nome desta – distribuiu um comunicado»; (…) «para tornar mais credível este comunicado foi incluído um erro na palavra empresa, que apareceu escrita com um z»; (…) «no dia seguinte a empresa proibiu a entrada do sindicato».

E, sobre a constituição da Comissão de Trabalhadores, afirma: «a empresa contactou sigilosamente o[s] director[es] de cada uma das áreas para que estes indicassem “trabalhadores de confiança” [sic]»; «a escolha de um “líder” [sic] para esta comissão que inspirasse [sic] (...) e que, simultaneamente, revelasse à empresa as informações necessárias» foi, como refere «mais difícil», mas «tudo isto acabou por ser obtido através de um convite dirigido a um membro que mostrava enorme capacidade de persuasão dos colegas e que era permeável a uma forte influência».

Percebe-se assim a «lição» que este e outros protagonistas do dito debate pretenderam dar aos trabalhadores sobre a forma como deveriam negociar.
Ora aqui está o exemplo de um verdadeiro vírus e nada nos garante que não se tenha mantido incubado na empresa, ou mesmo alastrado a outras.

Uma coisa é certa: quer queiram ou não, o sindicato da CGTP-IN, o SITE-SUL, está implantado na empresa através de uma comissão sindical profundamente conhecedora dos problemas e das aspirações dos trabalhadores e, ao contrário do que muitos gostariam, sempre assumiu as suas responsabilidades, apresentando propostas credíveis e realistas e privilegiando a negociação como forma de resolução do conflito, com respeito pelos mais elementares direitos dos trabalhadores e pela democracia sindical.

Os trabalhadores da Autoeuropa precisam e merecem o apoio e a solidariedade de todos

A poderosa campanha ideológica que há mais de seis meses tem o foco centrado estrategicamente na Autoeuropa é parte integrante de uma ofensiva mais vasta contra os direitos dos trabalhadores, que emana dos centros do grande capital na União Europeia, tendo em vista não só a adaptação do horário ao exclusivo interesse das empresas mas o prosseguimento da desregulamentação da legislação laboral, conforme se comprova com a recente recomendação ao governo Português para que torne os despedimentos ainda mais fáceis e mais baratos.

É nessa linha que se deve interpretar o chumbo dos projectos de lei que visavam a reposição do pagamento do trabalho extraordinário nos valores anteriores aos cortes, com votos contra do PS, PSD e CDS, assim como a resistência do PS à revogação das normas gravosas do Código do Trabalho, designadamente da caducidade da contratação colectiva e à reposição do tratamento mais favorável ao trabalhador.

Trata-se de um combate em que os trabalhadores portugueses não estão sozinhos. É motivo de confiança saber que, ao mesmo tempo que em Portugal se resiste ao prolongamento da jornada de trabalho, os trabalhadores alemães tenham paralisado a produção nas fábricas do sector automóvel com 3 dias de greve, em luta por um aumento salarial de 6% e pela redução do horário abaixo das 35 horas semanais, de 2ª a 6ª feira. Também em França os trabalhadores travam uma dura luta para impedir o retrocesso da legislação laboral que o governo Macron pretende impor.

Na sociedade em que vivemos, cada direito tem de ser conquistado e defendido à custa de muito esforço e de muita luta. Os trabalhadores sabem por experiência própria quem todos os dias está ao seu lado na defesa de direitos e interesses e quem os quer usar e manipular para intensificar a exploração. Também sabem da importância de estarem mais e melhor organizados e unidos para resistir a todas as ofensivas do capital e alcançar melhores condições de vida e de trabalho, sem perder de vista a necessidade histórica de lutar pela transformação da sociedade.

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