sábado, 14 de abril de 2018

NÃO HÁ GUERRAS JUSTAS


Pedro Carlos Bacelar de Vasconcelos | Jornal de Notícias | opinião

1. Ainda que não seja possível excluir em absoluto o recurso à violência armada nas relações internacionais, a sua admissibilidade deve confinar-se, estritamente, às situações limite de legítima defesa. Apesar do esforço de alguns teóricos americanos do direito internacional da era de George W. Bush, que tentaram definir com desmesurada amplitude os limites do uso da força a fim de legitimar a chamada "guerra preventiva", este conceito alargado revelou-se aberrante e a sua aplicação foi manifestamente desastrosa. As guerras justas acabaram, como trágica caricatura, na ocupação militar do Iraque, em 2003, e apenas subsistem, como referência equívoca e perversa, também desde o princípio do milénio, no terrorismo internacional. Por um lado, foram excluídos do âmbito de proteção das garantias arduamente instituídas pelo direito internacional humanitário os suspeitos de atos terroristas, doravante designados por "combatentes inimigos", ou seja, seres humanos destituídos dos mais elementares direitos. Por outro lado, a extrema sofisticação das novas tecnologias da guerra veio equiparar a brutalidade da extinção de uma vida humana ao gesto digitalizado no ecrã de um computador. E com tudo isto se elidiu por fim a fronteira ética que separava os militares dos terroristas e que impedia a redução dos civis a meros "efeitos colaterais"!

2. Constitui sério motivo de alarme o entusiasmo primário e belicoso com que são recebidas precipitadas promessas de vingança e avisos de feroz retaliação que, ainda há pouco tempo, teriam sido objeto de reações mais contidas e de prudente ponderação por parte da comunidade internacional. A primeira-ministra britânica, enleada com os parceiros europeus nas dificuldades do abandono da União e castigada internamente pelos baixos índices de popularidade, resolveu transformar um fracasso da responsabilidade das suas polícias - o atentado contra a vida do espião russo e da sua filha, perpetrado em solo sob a sua própria jurisdição - numa ameaça de guerra contra a Rússia, sem exibir quaisquer provas. Porém, uma parcela significativa de países europeus e parceiros da NATO imediatamente se associaram ao desespero do Governo inglês, juraram solidariedade, expulsaram diplomatas russos e acusaram aqueles que por avisada prudência não imitaram o seu exemplo de cobardes e traidores! Enquanto na Europa progride o populismo da Direita e dos governos conservadores, na América do Norte o populismo chegou ao poder e por trás de um presidente que banalizou a brutalidade discursiva e trata o resto do Mundo como párias indecentes, a extrema-direita política, económica e militar encaminha as águas para o seu moinho...

3. O avanço da globalização veio colocar dois desafios cruciais ao direito internacional contemporâneo. Primeiro, a fragilização dos estados, cada vez mais interdependentes e vulneráveis face à contínua ascensão dos interesses económicos e financeiros. Segundo, o vazio de uma autoridade universal, debilmente mitigado pela Organização da Nações Unidas e por uma opinião pública volátil e confusa onde o bom senso quase só se faz ouvir nas palavras do secretário-geral da ONU ou nos sermões do Papa Francisco. Contudo, é hoje uma realidade incontornável que apenas restam três opções para a resolução dos conflitos internacionais: a negociação, o diálogo e a resistência pacífica. O desarmamento e a redução gradual dos arsenais nucleares devem regressar ao topo das prioridades mundiais. A guerra e o terror não serão derrotados pelas armas. Terão de ser combatidos com políticas económicas e sociais, cooperação reforçada, solidariedade entre os povos e uma nova política internacional.

*Deputado e professor de direito constitucional

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