Imagem do filme de Gonçalo Galvão Teles e Jorge Paixão da Costa, com o ator João Arrais a interpretar o jovem Aníbal Milhais |
A história de Aníbal Milhais dava
um filme e cem anos depois foi o que aconteceu. Baseado na sua ida à guerra e
no facto de ter salvado vários companheiros, o filme Soldado Milhões explica o
ato solitário que lhe mudou a vida
Sem fazer comparações, quando o
filme Soldado Milhões começa e os bombardeamentos enchem a sala de cinema, o
espectador pode lembrar-se de um filme de Steven Spielberg, O Resgate do
Soldado Ryan. O som permite imaginar como seria estar nas malditas trincheiras
da I Guerra Mundial, tal como a poeira e os estilhaços que parecem sair do
ecrã, o que acontecia também no princípio da superprodução de Hollywood, com o
desembarque nas praias da Normandia durante a II Guerra Mundial, filmado com
muito realismo.
Aníbal Milhais surge no ecrã - a
estreia do filme é só na próxima quinta-feira - entre outros soldados que
aguardam a partida de Lisboa para a frente de batalha e só no final do filme é
que recebe o cognome Soldado Milhões, num hábil trocadilho feito pelo
comandante Ferreira do Amaral - que ficou para a história - quando o
transmontano de Valongo chega são e salvo à retaguarda após um confronto
violento com o inimigo. Ninguém já o espera, pois os restantes elementos do seu
destacamento tinham escapado devido à coragem de Aníbal Milhais, ao enfrentar
sozinho o ataque alemão enquanto a debandada portuguesa acontecia.
Surpreendidos por ele estar vivo, é abraçado pelos amigos e o comandante
profere a frase: "Tu és Milhais mas vales Milhões!"
Quem é este herói da 2.ª Divisão
do Corpo Expedicionário Português que sobrevive e deixa viver alguns dos
colegas na Batalha de La Lys no momento de maior carnificina entre o exército
português? O filme Soldado Milhões será a melhor forma de tomar conhecimento da
sua história pessoal, mesmo que rodeado da ficção necessária para um épico
deste género, porque se pode regressar no tempo e imaginar o que seria o
cenário em que Milhais se destacou dos outros ao manter-se com a sua
metralhadora Lewis, a que os portugueses chamavam Luísa, voltada contra os
atacantes e fugir ao único destino que lhe estava reservado: a morte.
Não morreu e essa vitória sobre o
que lhe estava destinado irá alterar a sua vida por inteiro. Mesmo anos depois
servirá de homem-propaganda ao regime e a própria terra natal fará dele o herói
a que nunca conseguirá fugir apesar de se querer manter um homem normal.
A história de Milhais tem sido
contada desde que teve a sorte de nesse regresso, entre a frente de batalha e a
retaguarda onde estava o destacamento a que pertencia, salvar um militar
escocês que se estava a afogar num pântano. O médico agradeceu ter sido salvo e
também informou o exército aliado de que Milhais o salvara, bem como a outros
soldados britânicos, evitando o que provavelmente redundaria no esquecimento
nacional. E lá vieram as medalhas, entre as quais a Ordem Militar da Torre e
Espada do Valor, Lealdade e Mérito, além de condecorações estrangeiras.
Seis anos após o regresso, o
Parlamento muda o nome da sua terra para Valongo de Milhais, tal era a fama dos
seus atos em todo o país. 54 anos depois é descerrado o seu busto em Murça, na
Praceta Herói Milhões, além de outras homenagens. Cem anos depois dessa
madrugada de 9 de abril de 1918, o país recorda novamente os feitos do maior
herói português que esteve na I Guerra Mundial. Se a história de Aníbal Milhais
já foi contada de todas as formas, até pela sua baixa estatura - pouco mais de
metro e meio -, ou até por poder ter sido responsável por matar vários soldados
portugueses com fogo amigo devido ao nevoeiro e às fardas parecidas com as dos
alemães, o que este filme traz de novo é a possibilidade de se imaginar a
aventura sofrida de muitos milhares de portugueses em terras da Flandres, sem
equipamento e armamento corretos, devido a interesses políticos da época.
Soldado Milhões é um filme de
Gonçalo Galvão Teles e Jorge Paixão da Costa, realizadores que dividiram a
responsabilidade da direção, sendo o segundo coautor do argumento com Mário
Botequilha. Em nenhum houve dúvida sobre o título, pois a designação Soldado
Milhões diz tudo. O argumento divide a história em duas partes, uma durante
esses dias em que o Corpo Expedicionário esteve em combate, outra com a
vivência de Milhais no regresso a Valongo. O paralelismo da vida irreal da
guerra e a real de Milhais, que persegue um lobo que ataca ovelhas na companhia
da filha, gera um stress que permite ao espectador perceber o que terá vivido o
Soldado Milhões.
João Céu e Silva | Diário de
Notícias
Sem comentários:
Enviar um comentário