Domingos de Andrade* | Jornal de
Notícias | opinião
Os escritos avivam a memória. Têm
esse efeito extraordinário de nos tirar dos labirintos da ilusão. Do nevoeiro
dos dias. E as datas que abaixo se enumeram são demolidoras. Para a forma como
um país trata os seus velhos, os seus novos, as suas crianças. Estas têm
cancro.
10 de abril. A história já
tinha sido denunciada. Mas faltavam os testemunhos. As imagens. É o que o JN
faz. Há crianças com cancro tratadas nos corredores do Hospital de S. João,
corredores entupidos, lixo à porta dos elevadores. Toda a gente sabe, mas
ninguém faz nada. "Condições miseráveis", diz o presidente do
Hospital de S. João, que avança ter 22 milhões para a ala pediátrica, mas não
os pode usar. Bloqueio das Finanças.
12 de abril. As Finanças,
pela voz do ministro Mário Centeno, garantem que a obra na pediatria do S. João
vai avançar. Faltam as datas. Que o ministro da Saúde haverá de pôr em cima da
mesa cinco dias depois.
17 de abril. Adalberto
Campos Fernandes, o ministro da Saúde, diz que a situação é
"inaceitável" e que "não há mais tempo nem mais conversa que não
seja autorizar a obra, lançar o procedimento e executá-lo no mais curto espaço
de tempo". Em 15 dias, garantiu.
4 de maio. Passou quase um
mês. Lembram-se? Há crianças com cancro a serem tratadas nos corredores. O lixo
continua a acumular-se em frente aos elevadores. As janelas estão despidas de
cortinas e de afetos. No dia seguinte, o Conselho de Administração do Hospital
S. João vem dizer que tem feito melhorias que permitem aumentar o conforto de
crianças e família, e afirma que haverá novas instalações no final de junho.
11 de maio. Conta o JN.
Desmente Mário Centeno. Conta com base em fontes. Citando quem quis ser citado.
A história diz que as Finanças estão a negociar alterações nos serviços de
pediatria no Norte sem a presença tutelar do Ministério da Saúde. E que, nas últimas
semanas, administradores de hospitais do Porto foram chamados para justamente
responderem a questões sobre os serviços de pediatria.
Não é politiquice. Nem zanga de
comadres. Nem a régua que mede o poder de cada um. É um país gerido até ao
limite da hipocrisia orçamental. Enquanto há crianças com cancro a serem
tratadas no corredor.
P.S. A descentralização está
também na atitude. A Região Norte está a bater o pé às intenções do Governo de
decidir o que fazer com o que resta dos fundos comunitários do Portugal 2020
sem ouvir os autarcas. Os municípios rejeitam. Numa posição unânime e inédita.
É que, se não for assim, qualquer dia estaria o poder central a nomear os
presidentes das câmaras.
*Diretor-executivo
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