terça-feira, 24 de julho de 2018

Autoridades angolanas admitem “responsabilizar criminalmente” Isabel e Eduardo dos Santos


Perante a intenção manifestada pela empresária angolana de processar o Estado por ter revogado o contrato da construção do Porto do Dande, atribuído pelo Governo do pai dias antes deste abandonar o poder, as autoridades admitem por seu turno processar “todas as pessoas que estão por trás” da empresa envolvida

As autoridades angolanas admitem “responsabilizar criminalmente” José Eduardo dos Santos, a sua filha Isabel e todas as pessoas que “estão por trás da Atlantic Ventures e que quiseram levar o Estado a cometer atos ilegais e ilícitos, oferecendo um negócio de biliões de dólares americanos a uma empresa com meros três meses de constituição em cartório”.

Esta posição surge em resposta à intenção da empresária angolana de processar o Estado por ter revogado o contrato de concessão da construção do Porto da Barra do Dande, atribuído pelo pai em vésperas da investidura do novo Presidente, João Lourenço.

Interpretada como um desafio ao poder do chefe do Estado, a ameaça de Isabel dos Santos provocou uma profunda indignação em diversos círculos do MPLA e da própria oposição. Acusando o toque, a empresária emitiu um segundo comunicado, no qual tentou persuadir o Presidente a reconsiderar uma decisão que, perante os contornos nebulosos do negócio, acaba de ser considerada pelo governo como “irreversível e inegociável”.

Nesse comunicado, Isabel dos Santos quis fazer crer que estava associada “a parceiros líderes mundiais em portos na China, Suíça e Holanda”, no âmbito de um “investimento privado, e não de uma adjudicação de uma obra pública paga pelo Estado”.

O recurso a uma linguagem mais conciliadora e os argumentos avançados por Isabel dos Santos não foram, porém, suficientes para “sensibilizar o Executivo para o estado avançado do projeto” e muito menos para levá-lo a proceder à revisão do decreto que revoga a entrega da obra à Atlantic Ventures.

“Era tarde demais e os estragos já estavam feitos” – disse ao Expresso uma fonte da Presidência angolana. Não admira, por isso, que na resposta o Ministério dos Transportes tenha deitado por terra as pretensões de Isabel dos Santos.

“Perante um projeto demasiado desequilibrado em que o Estado e o Porto de Luanda apareceriam apenas vinculados a obrigações para favorecer a concessionária, não poderíamos embarcar num pacto verdadeiramente leonino” – denunciou uma fonte do conselho de ministros.

João Lourenço instruiu o novo Ministro dos Transportes, Ricardo Viegas Abreu, para desmontar, um por um, todos os pontos contidos na carta da Atlantic Ventures.

O documento, que mereceu honras de manchete nos principais órgãos de comunicação social públicos, considera ser “falso” que tenha sido celebrado entre o Estado e a Atlantic Ventures qualquer “contrato de concessão de obra pública, dominial e de exploração de serviço portuário do Porto da Barra do Dande”.

Segundo o Ministério dos Transportes, o facto de a constituição da da Atlantic Ventures ter sido publicada no Diário da República seis dias antes da tomada de posse do Presidente eleito mostra que a empresa foi formada “propositada e especificamente como intermediária para a concessão do projeto”.

As autoridades qualificam como “grosseira e abusivamente falsa” a tentativa de Isabel dos Santos de atribuir “o valor (estimado em 1.500 milhões de dólares) a suportar nesta concessão a investidores privados”.

Recusando a integração na sociedade de “investidores privados estrangeiros líderes mundiais no sector portuário”, o governo lembra que os únicos acionistas da Atlantic Ventures reconhecidos são “pessoas singulares angolanas ou com autorização de residência em Angola” através de um capital social de 4 milhões de kwanzas.

Além de acusarem a empresa de tentar “impor ao Estado múltiplas obrigações financeiras”, as autoridades denunciam também a tentativa da Atlantic Ventures de incluir na sua minuta de contrato “uma cláusula de Receita de Garantia mínima sem quaisquer critérios, paga pelo Estado sempre que o resultado da sua operação ficasse abaixo de uma Receita Bruta Mínima”. O Governo considera ainda que se tratou de “um processo conduzido em sentido contrário às normas legais”, dado não ter havido um concurso público.

“Como perceber a alegada transparência do processo se as reuniões com os investidores privados são apresentadas como tendo decorrido desde 2014 quando a empresa Atlantic Ventures só foi criada em junho de 2017”? – interroga-se o governo.

“Uma sociedade sem qualquer histórico de atividade, com acionistas sem qualquer experiência em atividades concessionadas, sem capacidade e idoneidade financeira, não oferece a menor credibilidade técnica ou junto da banca internacional” – conclui o Ministério dos Transportes.

Gustavo Costa | Expresso | Foto: Rui Duarte Silva

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