Perante a intenção manifestada
pela empresária angolana de processar o Estado por ter revogado o contrato da
construção do Porto do Dande, atribuído pelo Governo do pai dias antes deste
abandonar o poder, as autoridades admitem por seu turno processar “todas as
pessoas que estão por trás” da empresa envolvida
As autoridades angolanas admitem
“responsabilizar criminalmente” José Eduardo dos Santos, a sua filha Isabel e
todas as pessoas que “estão por trás da Atlantic Ventures e que quiseram levar
o Estado a cometer atos ilegais e ilícitos, oferecendo um negócio de biliões de
dólares americanos a uma empresa com meros três meses de constituição em
cartório”.
Esta posição surge em resposta à
intenção da empresária angolana de processar o Estado por ter revogado o
contrato de concessão da construção do Porto da Barra do Dande, atribuído pelo
pai em vésperas da investidura do novo Presidente, João Lourenço.
Interpretada como um desafio ao
poder do chefe do Estado, a ameaça de Isabel dos Santos provocou uma profunda
indignação em diversos círculos do MPLA e da própria oposição. Acusando o
toque, a empresária emitiu um segundo comunicado, no qual tentou persuadir o
Presidente a reconsiderar uma decisão que, perante os contornos nebulosos do
negócio, acaba de ser considerada pelo governo como “irreversível e
inegociável”.
Nesse comunicado, Isabel dos
Santos quis fazer crer que estava associada “a parceiros líderes mundiais em
portos na China, Suíça e Holanda”, no âmbito de um “investimento privado, e não
de uma adjudicação de uma obra pública paga pelo Estado”.
O recurso a uma linguagem mais
conciliadora e os argumentos avançados por Isabel dos Santos não foram, porém,
suficientes para “sensibilizar o Executivo para o estado avançado do projeto” e
muito menos para levá-lo a proceder à revisão do decreto que revoga a entrega
da obra à Atlantic Ventures.
“Era tarde demais e os estragos
já estavam feitos” – disse ao Expresso uma fonte da Presidência angolana. Não
admira, por isso, que na resposta o Ministério dos Transportes tenha deitado
por terra as pretensões de Isabel dos Santos.
“Perante um projeto demasiado
desequilibrado em que o Estado e o Porto de Luanda apareceriam apenas
vinculados a obrigações para favorecer a concessionária, não poderíamos
embarcar num pacto verdadeiramente leonino” – denunciou uma fonte do conselho
de ministros.
João Lourenço instruiu o novo
Ministro dos Transportes, Ricardo Viegas Abreu, para desmontar, um por um,
todos os pontos contidos na carta da Atlantic Ventures.
O documento, que mereceu honras de manchete nos principais órgãos de comunicação social públicos, considera ser “falso” que tenha sido celebrado entre o Estado e a Atlantic Ventures qualquer “contrato de concessão de obra pública, dominial e de exploração de serviço portuário do Porto da Barra do Dande”.
Segundo o Ministério dos
Transportes, o facto de a constituição da da Atlantic Ventures ter sido
publicada no Diário da República seis dias antes da tomada de posse do
Presidente eleito mostra que a empresa foi formada “propositada e
especificamente como intermediária para a concessão do projeto”.
As autoridades qualificam como
“grosseira e abusivamente falsa” a tentativa de Isabel dos Santos de atribuir
“o valor (estimado em 1.500 milhões de dólares) a suportar nesta concessão a
investidores privados”.
Recusando a integração na
sociedade de “investidores privados estrangeiros líderes mundiais no sector
portuário”, o governo lembra que os únicos acionistas da Atlantic Ventures
reconhecidos são “pessoas singulares angolanas ou com autorização de residência
em Angola” através de um capital social de 4 milhões de kwanzas.
Além de acusarem a empresa de
tentar “impor ao Estado múltiplas obrigações financeiras”, as autoridades
denunciam também a tentativa da Atlantic Ventures de incluir na sua minuta de
contrato “uma cláusula de Receita de Garantia mínima sem quaisquer critérios,
paga pelo Estado sempre que o resultado da sua operação ficasse abaixo de uma
Receita Bruta Mínima”. O Governo considera ainda que se tratou de “um processo
conduzido em sentido contrário às normas legais”, dado não ter havido um
concurso público.
“Como perceber a alegada
transparência do processo se as reuniões com os investidores privados são
apresentadas como tendo decorrido desde 2014 quando a empresa Atlantic Ventures
só foi criada em junho de 2017”? – interroga-se o governo.
“Uma sociedade sem qualquer
histórico de atividade, com acionistas sem qualquer experiência em atividades
concessionadas, sem capacidade e idoneidade financeira, não oferece a menor
credibilidade técnica ou junto da banca internacional” – conclui o Ministério
dos Transportes.
Gustavo Costa | Expresso | Foto: Rui
Duarte Silva
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