sábado, 11 de agosto de 2018

Portugal | Dinheiros públicos esbanjados em barbárie


E quando finalmente nos consideramos civilizados, eis que utilizamos dinheiros públicos para promover a barbárie

Ana Alexandra Gonçalves* | opinião

Sim, este é um artigo sobre touradas. E sim, a tourada é sinónimo de barbárie.

Vivemos num país onde todos nos penitenciamos quando somos acusados de viver e gastar acima das nossas possibilidades, mas há dinheiro para a barbárie. Este é o país em que a direita acusa o Estado de gastar mal o dinheiro dos contribuintes e com razão, mas as touradas são financiadas com dinheiros públicos, com muito dinheiro público. E no entanto, essa mesma direita que acusa o Estado de gastar mal o dinheiro de todos nós, quando chega a altura de corrigir a trajectória, não age em conformidade, como se viu na votação do projecto de lei do PAN para acabar com esse sorvedouro de dinheiros públicos: a tourada. Este é também o país em que se criminalizou os maus-tratos a animais, no que se pode considerar um verdadeiro avanço civilizacional, excepto numa praça de touros, onde um determinado animal, diferente de todos os outros, pode ser esquartejado, desde que não morra na arena, porque admite-se o mais vasto conjunto de sevícias, excepto a morte, pelo menos ao vivo e a cores. 

Este é o país em que a televisão pública - a mesma e a tal que também é paga por todos nós - despeja literalmente quilos de porcaria sob a forma de espectáculos ao ar livre, repletos de playback, a que acresce a tourada e o futebol.

Este é o país dos brandos costumes, mas cujos habitantes, parte deles, aprecia ver um animal ser torturado, retirando um inefável prazer do sofrimento de um ser vivo, deixando os psicopatas cheios de inveja e até com dúvidas ontológicas. Para se sentirem melhor convencem-se e tentam convencer-nos de que se trata de uma tradição ou então que aqueles animais são especificamente criados para serem torturados - razão da sua existência -, ou ainda, que todos os que se insurgem contra este retrocesso civilizacional são uma cambada de hipócritas que se deliciam com um bife no prato. Depreende-se, de resto, que esses hipócritas, nos quais me incluo, são os mesmos que antes de terem o tal bife no prato, deslocam-se ao matadouro para assistir à morte do animal. Primeiro pagam bilhete, assistem ao sofrimento, deixando-se invadir por um prazer dos pés à cabeça, e só depois de todo este processo é que o bife pode ser comido.

Vem tudo isto a propósito da requalificação e abertura de uma praça de touros em Paio Pires no concelho do Seixal. E tudo isto se tornou ainda mais inquietante devido, desde logo, à proximidade geográfica e à minha surpresa enquanto cidadã daquele concelho sobretudo pelo desconhecimento da "tradição" tauromáquica que ressurge, espante-se, em pleno século XXI. 

Nem vou entrar pela argumentação, ainda assim particularmente assertiva, que sublinha o desprezo que a autarquia tem pelas verdadeiras necessidades do concelho, até porque esse desprezo torna-se por demais evidente a partir do momento em que 200 mil euros são despejados num espectáculo atroz para gáudio de alguns.

Digo apenas que a vergonha se abate sobre todos os que por ali vivem, e para aqueles que conseguem e tentam (como eu) fazer algum humor com esta palhaçada recomenda-se que consultem a vasta lista que vos deixo em baixo e que dá conta dos dinheiros públicos gastos com esta verdadeira atrocidade. São 35 páginas.

Seja como for, espera-se que esta decisão da câmara do Seixal tenha os seus custos sobretudo nas urnas. E que a memória não falhe e que nos corra a todos.
Deixo-vos ainda a petição para quem quiser fazer um pouco mais: http://peticaopublica.com/?pi=PT86673

*Ana Alexandra Gonçalves | Triunfo da Razão

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