Há quem defenda o seu legado,
como Marques Mendes, e que substituir a atual procuradora-geral "tem uma
leitura perigosa". Os seus críticos associam-na às fugas do segredo de
justiça. Prós e contras de um mandato.
Miguel Marujo | Diário de Notícias
Está criada a narrativa para que
Joana Marques Vidal suceda a Joana Marques Vidal na Procuradoria-Geral da
República? No seu comentário semanal de domingo, na SIC, o conselheiro de
Estado e antigo líder do PSD, Luís Marques Mendes, foi bastante claro no apoio
e sublinhou que "substituir" a atual procuradora-geral "tem uma
leitura perigosa: primeiro, a de que o poder político estava
desconfortável" com investigações como a da Operação Marquês, na qual o
ex-primeiro-ministro socialista José Sócrates é o principal arguido, e da
Operação Fizz, que envolveu um ex-vice-presidente de Angola, Manuel Vicente.
Porém, a defesa feita por Marques
Mendes é apenas um dos lados de uma história complexa. Qualquer que seja o seu
desfecho, a recondução, ou a saída, da PGR vai seguramente dar origem a muitas
críticas e análises.
A procuradora-geral da República
tomou posse em 12 de outubro de 2012, quando o presidente da República era
Aníbal Cavaco Silva e o primeiro-ministro Pedro Passos Coelho.
"A marca de água do meu
mandato é ter posto a máquina a funcionar no âmbito do que é a justiça",
sintetizou a própria, em junho passado, entre um balanço do seu mandato e um
aviso ao que vier.
No seu mandato, há várias
polémicas e caos de sucesso. Eis alguns deles.
1. Operação Marquês: um antigo
primeiro-ministro no banco dos réus
A Operação Marquês foi lançada em
novembro de 2014, com o antigo primeiro-ministro José Sócrates sob suspeita. O
ex-militante socialista começou a ser investigado em 2013, depois de sucessivos
processos em que as suspeitas nunca acabaram em acusações, como no Freeport, na
Cova da Beira ou mesmo da sua licenciatura.
Já este processo dinamitou tudo:
a detenção de um antigo governante abalou o mundo da política e da justiça.
Sócrates foi detido na noite de 21 de novembro desse ano, no Aeroporto de
Lisboa, ao chegar de Paris. Ficou preso em Évora entre novembro de 2014 e
setembro de 2015 e depois em prisão domiciliária até o mês de outubro seguinte.
A partir daí o novelo de
acusações cresceu, com a imputação de crimes de fraude fiscal qualificada,
branqueamento de capitais e corrupção passiva para ato ilícito.
Este processo tem ramificações no
desmoronamento do Grupo Espírito Santo.
2. O processo sem fim do BES
A ligação de Ricardo Salgado ao
caso de José Sócrates é apenas um dos quatro grandes processos em que o
ex-líder do BES está a ser investigado pelo Ministério Público. Há mais de
quatro anos que existem suspeitas na justiça sobre Salgado. Elas têm a ver com
casos tão diferentes como o Monte Branco (evasão fiscal) e CMEC (as
compensações pagas pelo Estado à EDP). Desde que foi alvo de uma medida de
resolução por parte do Banco de Portugal, em Agosto de 2014, o Banco Espírito
Santo deu origem a várias investigações autónomas: uma sobre as comissões pagas
à família Espírito Santo no negócio dos submarinos; outra sobre os
investimentos da PT na Rioforte; uma terceira sobre as transações financeiras
através da sociedade suíça Eurofin; e uma última que averigua a legalidade das
contas públicas apresentadas pelo GES, depois de o ex-contabilista Machado da
Cruz ter revelado que Ricardo Salgado tinha conhecimento, desde 2008, de uma
alegada manipulação do passivo.
Apesar de uma vitória há muito
aguardada (sete anos), a condenação em primeira instância do principal
responsável no caso BPN, Oliveira Costa, a uma pena de 14 anos de prisão, nem
tudo correu bem num dos processos mais escrutinados da justiça portuguesa. Pelo
menos para o Ministério Público... Alguns dos arguidos mais notórios, como Dias
Loureiro ou Fernando Fantasia, viram a PGR retroceder nos seus casos, que
acabaram por ser arquivados, depois de terem sido investigados ao longo de
quase uma década. Este é um dos capítulos mais cinzentos da relação da justiça com
o "alarme social" dos crimes financeiros: poucos são os casos que
vingaram em tribunal, ou cujo desfecho esteja sequer próximo do fim (BCP, BPP,
BANIF...)
4. Caso Lex: a justiça a
investigar-se a si própria
Parece um condensado de Portugal,
em versão série B: tem suspeitas sobre favores a políticos, banqueiros,
dirigentes do futebol. E um desembargador, com presença assídua nas TVs como
principal suspeito. Além de Rui Rangel, são arguidos no processo a juíza
desembargadora Fátima Galante, o presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira, o
vice-presidente do clube Fernando Tavares, e João Rodrigues, antigo presidente
da Federação Portuguesa de Futebol. AO todo são 13, os arguidos.
5. Operação Fizz: estremecimento
nas relações com Angola
A alegada prática de crimes de
corrupção, branqueamento e falsificação de documento, que envolveu um
ex-vice-presidente de Angola, Manuel Vicente, e abalou as relações entre o
Estado angolano e Portugal já chegou a julgamento, que terminou em junho,
aguardando-se a leitura da sentença para 8 de outubro. O Ministério Público
admitiu que os arguidos não irão para a cadeia, ao pedir penas suspensas. Sem
falar em absolvição, a procuradora do caso disse que ficou provado crime de
corrupção.
O procurador Orlando Figueira foi
uma das figuras centrais de uma operação que vai ter uma continuação. Já nas
alegações finais do julgamento, a procuradora do Ministério Público Leonor
Machado anunciou que seriam extraídas certidões do processo, com o objetivo de
apurar o papel do advogado Daniel Proença de Carvalho e do banqueiro angolano
Carlos Silva.
Já o processo de Manuel Vicente
seguiu para Angola, como era pedido pelas autoridades deste país, desbloqueando
uma tensão crescente entre Lisboa e Luanda, com o regime angolano a travar
visitas de Estado de António Costa e outros governantes.
6. Tancos: As pressões de Marcelo
e Costa
O roubo de armas de Tancos há um
ano continua a ser uma das principais pedras no sapato de Joana Marques Vidal.
O material desaparecido foi encontrado depois, mas no mês de julho voltou a
saber-se que havia ainda armamento por recuperar. E os alegados atropelos na
investigação entre PJ e PJ Militar levou o Presidente da República a avisar, em
nota publicada no site da Presidência, que "tem a certeza de que
nenhuma questão envolvendo a conduta de entidades policiais encarregadas da
investigação criminal, sob a direção do Ministério Público, poderá prejudicar o
conhecimento, pelos portugueses, dos resultados dessa investigação" e
"que o mesmo é dizer o apuramento dos factos e a eventual decorrente
responsabilização".
Também o primeiro-ministro,
António Costa, notou - já este mês, em entrevista ao Expresso - que há uma
"demora" na investigação ao desaparecimento de armas em Tancos,
naquilo que classificou como um "caso de polícia", sem que haja prazos
para que termine essa investigação.
7. IURD: a "não
intervenção" de Marques Vidal
O caso das alegadas adoções
ilegais de crianças, revelado pela TVI, prometeu chamuscar Joana Marques Vidal,
no início do ano de 2018. Os factos são anteriores ao seu mandato na
Procuradoria-Geral da República e reportam-se ao tempo em que exerceu funções
no Tribunal de Família, entre 1994 e 2002. Segundo o que se soube, a
procuradora consultou os processos e ouviu uma das mães e terá detetado
"circunstâncias eventualmente menos claras", mas "não teve
intervenção". A atuação do Ministério Público neste caso está a ser
investigado neste caso.
8. Segredo de justiça: reality
show nas salas de interrogatórios
Em fevereiro passado, Joana
Marques Vidal revelou que a violação do segredo de justiça motivou 111
inquéritos em três anos que resultaram em "cinco acusações". A
violação dos processos que estão em segredo de justiça continua a ser a pecha
de quem passa pelo Palácio Palmela.
Durante o mandato da atual
procuradora-geral da República, verificou-se pela primeira vez a transmissão
por televisões dos vídeos de interrogatórios de arguidos. Primeiro, em novembro
de 2015, quando o antigo ministro Miguel Macedo e o ex-diretor do SEF Manuel
Palos verem divulgados na comunicação social imagens e sons dos seus
interrogatórios. Mais recentemente, em abril deste ano, foi a vez de serem
mostrados interrogatórios a Sócrates e outros arguidos na Operação Marquês.
Foto: Procuradoria-Geral da
República, liderada por Joana Marques Vidal | © Paulo Jorge
Magalhães/Global Imagens
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