Ricardo Paes Mamede* | Diário de
Notícias | opinião
Há mais de 70 anos que se faz
prospecção de petróleo em
Portugal. Por várias ocasiões se encontrou petróleo, mas
nunca em quantidades suficientes que justificassem a sua exploração comercial.
Talvez por isso os portugueses se tenham habituado a encarar o tema como
encaram o primeiro prémio do Euromilhões: estão convencidos de que a
probabilidade de se encontrar grandes quantidades de petróleo é quase nula -
pelo que não vale a pena perder muito tempo a pensar nisso; mas se acontecer
existir petróleo que justifique a exploração, esperam tornar-se milionários
extravagantes da noite para o dia - pelo que não se perde muito em tentar de
vez em quando.
Os contratos para a prospecção e
exploração de petróleo em Portugal suscitam assim um misto de condescendência e
de vaga esperança de um futuro de abundância, quase nunca sendo debatidos em
profundidade no espaço público.
A metáfora do Euromilhões é, no
entanto, pouco adequada para o problema que temos em mãos. Grande parte da
prospecção é hoje feita em zonas pouco pesquisadas no passado (nomeadamente no
chamado offshore, i.e. em mar alto) e com recurso a técnicas de pesquisa e
prospecção relativamente recentes. Continua a não ser muito provável que se
encontre petróleo em grande abundância, mas é possível que exista em quantidade
suficiente para que a sua exploração seja viável (depois de descontados os
custos de prospecção, investimento e operacionais). Ao contrário do
Euromilhões, quem joga (i.e., as empresas petrolíferas) não está a sonhar com
um prémio milionário, quase impossível de obter; aspira antes a um retorno suficientemente
elevado para justificar a aposta. Ou seja: é bem possível que haja petróleo em
Portugal; mas é pouco provável que o país fique rico por isso.
O modesto retorno que se pode
esperar para o país não decorre apenas da quantidade de petróleo que possa
existir. Decorre também das condições previstas nos contratos de concessão em vigor. De acordo com
esses contratos, o Estado Português receberia uma modesta percentagem do valor
do petróleo produzido (entre 3% e 7%, em função das quantidades extraídas, no
caso dos contratos do litoral alentejano), depois de descontados todos os
custos de pesquisa e desenvolvimento dos campos petrolíferos e os custos
operacionais. Os contratos estipulam também que a contrapartida para o Estado
só começaria a ser paga depois de integralmente cobertos os custos de
investimento.
Se tomarmos por referência as
previsões de médio prazo para o preço do petróleo, as quantidades produzidas em
países próximos e os custos standard envolvidos neste tipo de operações,
rapidamente se conclui que o Estado português não ganharia mais do que algumas
centésimas do PIB em cada ano (já incluindo as receitas de impostos). Mais
problemático ainda, as empresas concessionárias têm uma responsabilidade
limitada nos custos de eventuais acidentes ambientais, os quais teriam de ser
assumidos pelo Estado e pelas populações e empresas afectadas.
É sabido que insistir na
exploração do petróleo é contraditório com a intenção de combater as alterações
climáticas: os estudos disponíveis mostram que para manter o aumento da
temperatura global abaixo dos dois graus celsius nas próximas décadas seria
necessário que pelo menos 80% das reservas de combustíveis fósseis mundiais
permanecessem debaixo do solo.
Mas não é necessário ser um
político coerente, um cidadão consciente ou um ambientalista convicto para
questionar a bondade dos contratos para a exploração de petróleo em Portugal. Os
contratos em vigor têm todo o aspecto de mau negócio para o Estado.
Infelizmente, a sua história não augura nada de bom.
Os contratos em vigor regem-se
por legislação ultrapassada (de 1994), que minimiza os requisitos e as
responsabilidades das empresas concessionárias. Algumas concessões têm
transitado de empresa para empresa através de simples adendas aos contratos,
sem concurso público (é o caso, por exemplo, do famoso furo de Aljezur); outras
foram contratadas em vésperas de eleições (como é o caso do furo previsto para
a zona de Aljubarrota, cuja concessão foi atribuída em 30.9.2015). Nos
contratos encontramos os sinais típicos das portas giratórias entre os sectores
público e privado, com assinaturas de representantes das petrolíferas que se
destacaram pouco tempo antes em áreas de governo relacionadas; e assinaturas de
representantes do Estado que entretanto se tornaram arguidos de processos
judiciais por suspeita de beneficiarem ilegitimamente interesses particulares.
O governo não tem sido
convincente quando tenta mostrar que os contratos para a exploração de petróleo
em Portugal são coerentes com o compromisso que assumiu no combate às
alterações climáticas. O mínimo que podemos ainda esperar é que demonstre não
estarmos perante mais um caso desastroso de concessões que deixam os principais
benefícios do lado dos privados e os principais riscos do lado do Estado e das
populações. Ou isso ou que se cancelem os contratos que ainda estão em vigor.
*Escreve de acordo com a antiga
ortografia.
Sem comentários:
Enviar um comentário