Martinho Júnior | Luanda
1- Desde a Conferência de Berlim,
quando a bacia do poderoso rio Congo foi por inteiro entregue ao rei Leopoldo,
que o colonialismo belga instaurou, em nome do seu domínio, políticas de
genocida repressão com um mínimo de investimento e um máximo de saque e
desumanidade.
O próprio enredo tropical e
equatorial das condições físico-geográficas do imenso país instalado no coração
de África e no que o continente tem de mais rico (água interior, biodiversidade
e riquezas minerais), é um manancial de fragilidades e vulnerabilidades para
si, quando até seus limites são artifícios coloniais impostos pela conferência
das potências colonizadoras e para todos os outros 11 territórios seus
circunvizinhos, correspondentes a outros tantos estados.
Além das ingerências e
manipulações das potências extracontinentais e de forma geral de interesses
capitalistas financeiros transnacionais, juntam-se em espiral todas essas
fragilidades e vulnerabilidades, pelo que as tensões, os conflitos e as
guerras, assumem-se em caos, em terrorismo e em convulsões “irregulares”,
bárbaras, de geometria variável e mobilizando sobretudo o tribalismo, numa
constante ânsia competitiva de “dividir para melhor reinar”.
O próprio colonialismo belga
recebeu aditivos para que isso fosse assim, com a criação dos microestados do
Ruanda e do Burundi, no leste da bacia do Congo e dominando os Grandes Lagos,
com enormes excedentes de população rural apta a abandonar suas terras
nas “mil colinas” e a internar-se no Congo a oeste, em fluxos
migratórios instáveis que exploraram os potenciais de caos e das guerras, a fim
de conquistar espaço vital.
Na profundidade antropológica, o
Congo não adquiriu novos padrões produtivos e de trabalho, ou se o fez foi de
forma muito insipiente, resultando em insuperáveis traumatismos para as
culturas tradicionais, sem que fosse possível estabelecer um patamar
sócio-cultural capaz de arrancar o país da letargia e do subdesenvolvimento.
Em resultado disso, a massa de
deserdados aumentou, perdendo os laços tradicionais e adquirindo comportamentos
próprios duma marginalidade afectada por expedientes de sobrevivência
informais, não produtivos e em constante expansão, a ponto de sua mancha alastrar
para dentro de Angola como um tentacular polvo em busca da riqueza fácil e das
ilusões inerentes à exploração dos diamantes aluviais do Cuango, do Cassai, do
Cuanza, até ao miolo do país, afecando inexoravelmente a região central das
grandes nascentes…
Um dos contágios sócio-políticos
é o grupo do Protectorado Lunda-Tchokwe, que num frenesim humano como esse
continua a buscar as suas oportunidades!...
2- Agora que a democracia
representativa implica em eleições mediante cronogramas aprovados
constitucionalmente, muitas das situações anómalas que se vêm arrastando desde
o passado ganham fôlego ciclicamente (à aproximação das eleições, durante e
imediatamente depois), repetindo-se a intensificação de tensões, num território
com tantas etnicidades, com tantos interesses dissonantes mas concorrentes e
com infraestruturas rarefeitas, o que inviabiliza as comunicações, as ligações
e os enlaces, com todas as repercussões antropológicas.
É nesse labirinto que, década a
década, têm também proliferado os mercenários como aves de arribação de mau
agoiro, desde companhias de aviação que transportam tesouros, logística e
armamento, a companhias privadas militarizadas que ciclicamente alugam seus
préstimos a todo o tipo de guerras de usura e de rapina.
No Congo o caos está por
conseguinte institucionalizado numa amálgama de subculturas e, para que haja
mais intensidade nesse caos, as disputas provenientes do exterior fornecem a
sua quota-parte de enredos, fazendo imperar a miséria, a degradação, a fome e
os intermináveis conflitos larvares.
Desde há largas décadas que
muitas áreas transfronteiriças estão prontas para serem utilizadas por
santuários rebeldes, por aventureiros de toda a (des)ordem, ou vínculos
sócio-políticos, económicos e financeiros distendidos a partir do exterior, a
partir de outros continentes, mas com um trânsito garantido em alguns dos
países circunvizinhos, como acontece por exemplo com os vínculos que se
despregam desde capitais como Kigali, Kampala, ou Bangui…
As próprias sensibilidades
sócio-políticas que afluem aos convulsivos processos eleitorais, reflectem esse
emaranhado de redes potencialmente à beira de tensões, de caos, de crime e de
guerra, pelo que se há país onde a paz é uma constante miragem e não consegue
passar disso, o Congo tornou-se num exemplo de subdesenvolvimento crónico e
paradigmático!...
Parte substancial dos circuitos
que antes alimentaram clandestinamente com todo o tipo de armas e logística, a
Iª Guerra Mundial Africana, têm alimentado hoje os que se propõem a alimentar
caos e terrorismo na Líbia, no Iraque, no Afeganistão, no Iraque, na Síria, ou
no Iémen… os produtores de armas, as pistas e os portos de embarque têm sido
sistematicamente os mesmos, apenas mudando alguns dos traficantes protagonistas
(têm sido neutralizados traficantes concorrentes, como aconteceu com Victor
Bout, um dos fornecedores das rebeliões congolesas e de Savimbi…).
As razões causais do caos de
subdesenvolvimento crónico acumulam-se e a República Democrática do Congo
continua a ser um dos constituintes da cauda dos Índices de Desenvolvimento
Humano, arrastando consigo muitos dos seus circunvizinhos.
3- Lembrar o que ocorreu de forma
mais intensa há 20 anos, sob os impactos do choque do capitalismo neoliberal,
contribui hoje para o início de qualquer abordagem que se faça sobre o próximo
pleito eleitoral na RDC, sabendo que as sensibilidades que chegam do exterior
por via dos interesses financeiros transnacionais, estão “no terreno” jamais
atraídas pelos “lindos olhos” dos autóctones, pelo contrário, estão
ávidos de sua exploração desenfreada enquanto mão-de-obra barata, oprimida e
convulsa, com acesso a matérias-primas cujo valor são os interesses desse mesmo
domínio que fazem “eternamente” prevalecer.
Como Angola possui uma fronteira
com o Congo de mais de 2000
quilómetros , todos os ambientes de crise larvar
congolesa vão-se-lhe esbatendo, com agravantes provocados por migrações por
dentro do continente, à medida que povos inteiros buscam espaço vital fugindo á
expansão dos maiores desertos quentes da Terra, um fenómeno que agora se
apresenta em perfeita osmose com a expansão do radicalismo islâmico wahabita e
sunita até à África Austral.
Em afluentes como o Cuango e o
Cassai, que nascem na região central das grandes nascentes em Angola, essa
pressão humana, étnica, subdesenvolvida e religiosa opera prodígios sem
qualquer hipótese de controlo apertado, até por que os vales desses rios,
afluentes da bacia do Congo, estão coalhados do atractivo dos diamantes aluviais
que também existem em vales contíguos de outros rios nacionais angolanos, como
o caso do Cuanza.
O escândalo geológico dos dois
países, a RDC e Angola, fazem deles uma autêntica “mina de Salomão”,
implicando na urgente necessidade de luta comum contra o subdesenvolvimento, a
única forma de algum vez se ultrapassar os tremendos equívocoa disseminados
desde o passado!...
Aquilo que Savimbi explorou para
financiar suas redes e suas acções, utilizam agora uma parte substancial
das “redes”desse tipo de penetrações clandestinas, filtradas pelos
serviços de inteligência de potências como as que compõem a NATO e seus aliados
arábicos, que possuem importantes plataformas de suporte no tão vulnerável quão
propiciamente hospitaleiro território congolês…
Em tempo de guerra, em Agosto de
1998, era ainda um balanço dessa natureza que estava sobre a mesa do discreto
gabinete de apoio ao Chefe do Estado-Maior Geral das FAA e de então para cá,
não existem praticamente alterações nas razões causais de fundo nas situações
correntes entre a RDC e Angola.
Num ambiente dessa natureza,
qualquer movimento de repressão apenas será um paliativo transitório, ilusório
e quantas vezes trazendo resultados ainda mais nocivos dos que por essa via se
propõe alcançar!
Constate-se o quadro de há 20
anos…
Martinho Júnior - Luanda, 15 de Outubro de 2016
Imagens:
Mapa das riquezas minerais da RDC
e a zona crítica do nordeste;
Aeroporto Internacional de
Burgas, na Bulgária, um dos aeroportos onde têm sido feitos de há décadas
(imediatamente após o fim do campo socialista europeu), muitos embarques de
armas para todo o tipo de rebeldes e de terroristas, em África como no Médio Oriente;
Vista aérea do aeroporto de
Kalemie, no leste da RDC, com um cargueiro IL-18 avariado na placa;
O mesmo IL-18, estacionado na
placa do aeroporto de Kalemie, pertencente à AIR CESS, companhia do traficante
de armas Victor Bout (já detido pelos Estados Unidos na Ásia, enquanto
concorrente a sacrificar); o avião foi delapidado por rebeldes ruandeses;
Pequena aldeia de refugiados no
leste da RDC, onde campeia a pior das misérias, da fome e da mais abominável
marginalidade, discriminação e opressão.
CONGO – a constante instabilidade
“CNN”
– 03 AGO 98
1) O Governo de KABILA,
praticamente um ano após a sua chegada a KINSHASA, está sujeito a um teste de
força, dando resposta à revolta de soldados de origem Ruandesa (tutsi), que
integraram os efectivos da “ALIANÇA DAS FORÇAS DEMOCRÁTICAS DE LIBERTAÇÃO
DO CONGO”, que o colocaram no poder.
A revolta parece estar na
sequência da substituição do Ruandês JAMES KABARÉ, por CELESTIN KIFWA, no cargo
de CHEFE DO ESTADO MAIOR DAS FORÇAS ARMADAS, após a visita a ANGOLA de KABILA.
Vários factores podem estar na
origem da tomada dessa decisão, entre eles realçamos: o facto da UNITA ter
capacidade de manobra clandestina e operativa, a partir de bases e apoios
instalados em território da RDC, beneficiando de cumplicidades que ao que tudo
indica, vão muito para além das ligações a efectivos e antigas Unidades de
MOBUTU, isto é, existindo no quadro das próprias forças de KABILA provenientes
do LESTE.
2) A nova situação em KINSHASA
poderá influenciar pela negativa, nas relações entre a RDC e o RUANDA, havendo
informações que a situação de revolta se estendeu a KISANGANI, BUKAVU e GOMA.
A consolidação do poder a OESTE,
com a maior identificação em KINSHASA e em relação à situação corrente na
fronteira com ANGOLA, pode querer significar uma diminuição da intensidade do
relacionamento com os Países dos GRANDES LAGOS, a LESTE, com consequências
aparentemente imprevisíveis a médio-longo prazos, se tivermos em conta as
características artificiais das fronteiras.
3) KABILA parece não ter outra
alternativa senão ir mudando as suas posições políticas a nível interno, de
forma a tender estabelecer relações com políticos como TSHISEKEDI, ou mesmo
KENGO WA DONDO, ao mesmo tempo que reforça a capacidade militar dos seus fieis,
procurando que não haja grandes prejuízos no relacionamento com o LESTE que o
apoiou no início da sua acção com vista ao derrube de MOBUTU, num jogo que
apresenta bastantes dificuldades, mas que também pode trazer alguns benefícios,
principalmente na interligação ao Governo Angolano e a melhores alternativas de
saída para o mar, de forma a melhor enfrentar os problemas do interior.
Esse jogo acarreta provavelmente
dificuldades de relacionamento com as grandes potências, apesar do pragmatismo
das suas políticas, que terá tendência para atender fundamentalmente à
necessidade de estabilidade, a fim de se poder chegar à exploração dos enormes
recursos conjuntos de ANGOLA e da RDC e à sua evolução económica no sentido da
modernidade e da globalidade, num plano que começará do litoral para o
interior.
4) Em relação à zona dos
diamantes, que envolve essencialmente as regiões de MALANGE e LUNDAS, em
ANGOLA, mas com afectações importantes nos KASSAI OCIDENTAL e ORIENTAL da RDC,
pode-se estar no início dum movimento comum entre os dois ESTADOS, de forma a
melhor conseguir controlar a situação do tráfico, principalmente aquele que
beneficia a UNITA e seus aliados, num e noutro lado da fronteira, incluindo as
iniciativas de Empresas estrangeiras (de origem Portuguesa ou Sul-Africana), em
relação às quais possam haver dúvidas.
Podemos citar o exemplo da
Empresa “PETRA DIAMOND”, aparentemente ligada a interesses de gente que
esteve ligada ao regime do “apartheid” na ÁFRICA DO SUL, isto é,
necessariamente com ligações preferenciais à UNITA : recentemente a Firma “AFRICAN
ALLIANCE”, com instalação no nº 613 de ANITA STREET, em MORELETA PARK ,
PRETÓRIA, uma “trading” pertencente a antigos operacionais que
lutaram contra ANGOLA, deu indicações de ligações a ela.
A “AFRICAN ALLIANCE” é
propriedade dos senhores:
GERHARD VAN RENSBURG, antigo
Oficial de Infantaria que esteve nas primeiras campanhas das SADF contra
ANGOLA, que utiliza os seguintes telefones – 07 082 566 7672 e 012 998 7800 /
09; consta que este Senhor seguia no avião interceptado há alguns meses em
ANGOLA, como passageiro e a carga pertencia-lhe.
BEN SMITH, piloto da FORÇA AÉREA
Sul Africana, que fez campanha contra ANGOLA, que utiliza o telefone 027 082
566 7673; tem ligação à “PETRA DIAMOND”.
GUSTAVO FOUCHÉ, piloto de jacto e
ex-sócio da “AFRICAN ALLIANCE”, mestiço, que utiliza o telefone 027 082
440 1609, separou-se em data recente dessa “trading”.
Os dois ESTADOS devem fazer um
esforço comum para encontrar emparceiramentos com entidades que não estiveram
ligadas às campanhas de desestabilização contra ANGOLA, fundamentalmente ao
nível de operadoras como a ODEBRECHT, Brasileira, ou Empresas da EUROPA DO
LESTE (caso das Russas, que têm experiência do ramo no seu País), ou ainda
operadoras dos EUA, pois essa é uma das formas de assegurar a malha de
implantação e os mecanismos táctico-operativos de controlo, desalojando aqueles
interesses que se verificarem poderem estar ligados, ou coligados aos processos
de financiamento da UNITA e que são essenciais para a sobrevivência da sua
Organização Armada.
05-08-1998 03:07.
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