Na última quarta-feira, acabei a crónica a dizer que as polícias portuguesas ainda não descobriram os direitos humanos.
Fernanda Câncio | TSF | opinião
Para o caso de se pensar que
exagerei, as polícias portuguesas fizeram, simpaticamente, uma demonstração.
Vimos sindicatos da PSP e GNR a
exibir, como bandeira de orgulho, a imagem pornográfica de três detidos
algemados, humilhados, expostos à curiosidade, ao desdém, ao ódio do público.
Como se delas, das polícias, fossem aquelas pessoas, destituídas de vontade, de
personalidade, de dignidade, de direitos.
Vimo-los, aos sindicatos,
insistir, em desafio e bravata, nessa exibição, mesmo depois de o ministro da
tutela e o Presidente da República terem - e muito bem - frisado tal ser
inaceitável.
Vimos uma associação sindical da
GNR - a Associação Sócio-Profissional Independente da Guarda - estabelecer que
"os criminosos não são merecedores do mesmo respeito e consideração, por
parte do Estado e da comunidade, atribuídos ao cidadão comum". (Portanto,
haveria cidadãos que merecem respeito e outros que não merecem nada, e a
polícia para os distinguir.)
Vimos que não houve, nem de
comandos nem de outros sindicatos, uma palavra de demarcação que permita dizer
que essa não é a posição de toda a PSP e GNR. Nada.
E mais: vimos jornais e TVs usar,
sem sequer a questionar, sem sequer, pelos vistos, acharem que ali havia, em
si, uma história, aquela imagem. Aquela fotografia. Aquela pornografia.
Vimos isto tudo. E muitos de nós
- quantos? - acharam bem.
Muitos de nós acham, segundo se
lê e ouve por aí, que há dois lados, só dois lados. Que ou estamos do lado de
polícias que acham que quem não aceita a humilhação dos detidos não quer saber
do sofrimento das vítimas, ou estamos do lado dos alegados criminosos.
Dizer que todos têm direito à
dignidade, mesmo os condenados, quanto mais os suspeitos, é estar do lado dos
criminosos. Defender a lei é defender criminosos. E defender criminosos é ser
criminoso - evidente.
Como chegámos aqui?
Num país dos mais pacíficos do
mundo, não foi de certeza devido ao sentimento de insegurança nem aos altos
níveis de criminalidade.
Chegámos aqui, a 2018, assim,
porque 42 anos de governos democráticos não democratizaram as polícias. Não
lhes fizeram perceber que é a lei da República que têm de aplicar e não uma
qualquer corruptela autoritária; que existem para servir os cidadãos e não a
corporação; que o monopólio legal da força é uma responsabilidade e não uma
licença.
42 anos de governos em democracia
não foram, como tinham de ser, implacáveis com os abusos, prepotências e
violências injustificadas; desculpabilizaram, calaram, fingiram que não viram.
Deixaram crescer o mal.
É bonito dizer, como disse o
ministro Eduardo Cabrita, que a polícia portuguesa é uma polícia de direitos e
liberdades. No papel, será. Na verdade, está naquela fotografia.
Estamos todos.
*a autora não escreve segundo o
Acordo Ortográfico de 1990
A Opinião de Fernanda Câncio, na
Manhã TSF
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