Por que Joaquim Levy, futuro
presidente do BNDES, agrada tanto aos que querem um Estado sem instrumentos
para agir na Economia. Como sua habilidade política ameaça o ministro da
Economia
Paulo Kliass | Outras Palavras
A divulgação do nome de Joaquim
Levy para ocupar a presidência do BNDES pode ter sido mais uma importante
decisão de Bolsonaro na composição do mosaico de seus mais estreitos
colaboradores. Apesar de toda a bateção de cabeça que tem caracterizado as primeiras
semanas posteriores à conformação da vitória eleitoral, o fato é que não se
deve menosprezar a capacidade de articulação política do capitão.
Ao que tudo indica, sua equipe de
governo deverá contar com alguns polos aglutinadores de poder. Em primeiro lugar,
o núcleo militar no comando de áreas estratégicas, como segurança
institucional, infraestrutura e uma presença firme por toda a Esplanada, além
da vice-presidência com o General Mourão. Em seguida, o núcleo ampliado da
economia, onde Paulo Guedes surgiu desde o início como o poderoso
superministro, antes mesmo de ter sido anunciado o resultado das urnas. O
terceiro eixo deve gravitar em torno do futuro ex-juiz Sérgio Moro, que foi
muito bem recompensado por seus bons serviços prestados, em particular pelo
impedimento da candidatura de Lula no pleito de outubro. Finalmente, o foco
político no sentido estrito ficará a cargo do deputado federal Onyx Lorenzoni
(DEM/RS), a quem deverá ser destinada a Casa Civil.
No entanto, as disputas internas
no que se refere à montagem do grupo, que vai iniciar o governo só em 1º de
janeiro, sugerem o aparecimento de contradições em diferentes assuntos. É
conhecida, por exemplo, a divergência das opiniões históricas do capitão a
respeito de temas como empresas estatais, nacionalismo econômico e servidores
públicos, por exemplo, e as do seu guru Paulo Guedes. Também são cada vez
públicas as rusgas entre Moro e vários integrantes do futuro primeiro escalão,
em temas como desarmamento, tipificação de ações dos movimentos sociais como
“atos de terrorismo” e a permanência do estratégico Conselho de Administrativo
de Defesa Econômica (CADE) no âmbito da Justiça.
Trapalhadas de Guedes antes do
jogo começar
A imprensa tem estampado muitas
das trapalhadas que se multiplicam a cada dia entre os integrantes do futuro
núcleo duro do Palácio do Planalto. E nesse quesito parece que Paulo Guedes tem
se esforçado em provocar ruídos e curtos-circuitos. Apesar de respeitado como
um economista conservador pela alta direção do financismo, o fato é que ele
parece desconhecer as regras básicas de funcionamento da administração pública
brasileira. Ao misturar seu estilo de tratorar os interlocutores com uma
arrogância típica de quem se sente chegando todo metido a empoderado a
Brasília, o problema é que o economista parece não conhecer os meandros de como
as coisas são resolvidas nos corredores ministeriais e congressuais.
Suas declarações a respeito do
funcionamento da dinâmica de votação em plenário do legislativo revela uma
ignorância imperdoável a alguém que pretende se transformar em um superministro.
Guedes chegou ao cúmulo de afirmar em reunião com a cúpula de parlamentares que
não se preocupava com a votação da Lei Orçamentária Anual (LOA) em tramitação
no Congresso Nacional, pois ele encaminharia a “lei dele” no ano que vem. Ou
então a sugestão de se alterar a mecânica de funcionamento do plenário das duas
casas legislativas, com a novidade de uma suposta votação por bloco temático,
sem que os partidos fossem chamados a se manifestar sobre as proposições. Tudo
como se houvesse uma solução mágica para superar as mui conhecidas dificuldades
para se compor uma maioria no interior de deputados e senadores.
Frente a essa inabilidade de
Guedes em tratar de temas vinculados à administração da máquina do Estado, a
vinda de Joaquim Levy tem um significado particular. Apesar de estar um pouco
distante do centro da arena em disputa, sua formação econômica e sua experiência
pregressa em postos importantes do governo podem contar positivamente para
Bolsonaro. Antes de ter sido nomeado como ministro da Fazenda por Dilma em
2015, ele já havia ocupado o estratégico cargo de Secretário do Tesouro
Nacional sob a gestão de Palocci, no primeiro mandato de Lula. Anteriormente a
estas experiências em governos do PT, ele já havia ocupado posições de destaque
nos ministérios da Fazenda e do Planejamento sob o segundo mandato de FHC. Além
disso, seu currículo oferece passagens em conhecidas instituições multilaterais
do financismo, como o Fundo Monetário Internacional, o Banco Central Europeu e
o Banco Mundial, bem como a Secretaria da Fazenda do RJ sob o mandato do
governador Sérgio Cabral.
Joaquim Levy: conservadorismo a
serviço de todos
Caso Guedes continue com sua
obstinação doutrinarista de um liberalismo descontrolado, é bastante provável
que acabe por comprometer ainda mais a imagem de um governo que ainda nem
começou. Assim foi com as declarações sobre a falta de prioridade com a agenda
do Mercosul, as críticas veladas à política comercial chinesa, o desejo de uma
“solução final” para as empresas estatais brasileiras, entre tantos atritos
desnecessários criados em tão poucos dias. Nesse caso, a presença de Levy no
comando de uma importante instituição de crédito pública como o BNDES pode
operar um contraponto eventual ao estilo destrambelhado do poderoso Guedes.
É bem verdade que as falas
comprometedoras não são exclusividade do chefe da economia. O capitão e outros
colaboradores próximos também têm oferecido muitos argumentos para quem duvida
da capacidade do futuro governo conseguir oferecer alguma resposta convincente
para um conjunto tão amplo de expectativas criadas com sua eleição. E isso vai
desde as incógnitas em como obter um crescimento sustentado da economia até o
cumprimento das ameaças extremas no campo da “moral e dos bons costumes”, como
se dizia nos tempos de nossos antepassados.
Guedes & Levy devem compor
uma boa duplinha dinâmica. Ao contrário de Meirelles & Goldfajn, pois estes
últimos estavam em um governo que não conseguiu retirar sua popularidade do
rastejante nível do rés do chão. É sabido que Levy não terá sob seu comando a
definição da política monetária, pois estará um pouco distante do Banco
Central. No entanto, é possível que sua maior intimidade com a lide da
administração pública permitirá a ele um certo conforto na assessoria ao
Palácio do Planalto. Na verdade, ele tem boa parte dos atributos que faltam ao
Posto Ipiranga. Conhece bem a máquina estatal e possui sólida formação no campo
da economia conservadora.
As resistências internas ao grupo
do PSL e da base raivosa do capitão deverão ser facilmente vencidas. Apesar de
ter ocupado postos estratégicos na economia por indicação do PT, não há quem em
sã consciência possa acusá-lo de bolivarianismo ou lulopetismo. Levy é um
economista liberal e que serve aos interesses do financismo. Como é uma pessoa
pragmática, não faz objeção a quem o nomeia. O importante é ter autonomia para
cumprir aquilo que considera a sua missão por essas terras. Suas prioridades
parecem ser rigor absoluto na austeridade fiscal e adaptação do tecido
econômico aos interesses do capital financeiro.
Caso consiga entregar o que
promete, ele poderá se converter em sério candidato a substituto de quem não
apresente os resultados espalhafatosamente anunciados por todos os cantos.
Guedes que se cuide.
*Paulo Kliass é doutor em Economia
pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas
e Gestão Governamental, carreira do governo federal.
Sem comentários:
Enviar um comentário