Catarina Carvalho | Diário de Notícias
| opinião
Ninguém visita a China e fica
indiferente - o que acontece também, naturalmente, a quem o faz como
jornalista. Há um sopro de novo mundo neste velhíssimo mundo, uma noção de que
tudo é possível, com esforço e vontade. Não são só os arranha-céus de Xangai - é
a força, a rapidez e a energia das ruas desconhecidas de cidades das
províncias, por vezes megalópoles. É assim hoje, e tem sido assim já nas
últimas décadas. Conheci-a no início deste século XXI, quando a Europa dava
sinais de cansaço e estava em pré-crise. Nesses anos, visitei a faixa
industrializada do sudeste chinês, sobretudo Zhejiang. Essa era a zona de onde
nos chegavam os milhares de imigrantes chineses que abriam lojas e armazéns em
Portugal - de Porto Alto a Vila do Conde.
Não era difícil perceber de onde
vinham, porque vinham e o que traziam. Acompanhei Chen Yan, dono de vários
armazéns, um chinês sorridente e que ouvia os conselhos que uma portuguesa lhe
dava sobre que produtos comprar ao gosto do país onde ele vivia há vários anos
mas ainda não compreendia totalmente. A ele e aos amigos, com quem nos
encontrámos em jantares e almoços intermináveis e deliciosos, ouvi projetos de
investimento, ideias de negócios, vontade de chegar mais longe. Adoravam
Portugal, e usavam o pequeno país como plataforma para estenderem os seus
negócios à Europa.
A China abria-se ao exterior e
eles eram os pontas-de-lança dessa mudança. E sabiam-no. Estavam orgulhosos e
impantes, fumavam cigarros e desfiavam sonhos. Era comovente e épico. Era
pessoal mas também associado a uma vontade coletiva. Havia também os que
voltavam, a quem os chineses chamavam tartarugas - e o faziam com o objetivo de
reatar no ponto de origem, já com mais mundo na experiência, o destino de
criar. Era desta energia interna, percebi nessa reportagem, que se fazia a
força da China. E faz. Havia, e há, claro, a grande diplomacia. Havia, e há, o
investimento dos grandes grupos e empresas. E havia, e há, essa gente especial.
Mas é essa energia de um povo,
essa energia de "uma terra fértil" - para devolver o cumprimento que
o presidente chinês usa para Portugal, no seu texto publicado hoje no Diário
de Notícias -, é isso que move a China e a superpotência que se tornou.
Neste texto, o presidente Xi Jinping fala da nossa relação antiga, que passou
pela seda que chegou a Freixo de Espada à Cinta, pela porcelana azul e branca
que é louça no Oriente e deu azulejos em Portugal, até pelos treinadores de
futebol e pelos pastéis de nata que quem percorre uma rua chinesa encontra em
múltiplos cafés. É um texto emocionante - que, francamente, não esperávamos,
por tão pouco formal que ele acaba por ser.
Nele, nas palavras do presidente
Xi Jinping, revemos o nosso pequeno país, e o autor do texto confirma-o.
Afinal, no século XV, uma grande armada chinesa chegou à costa oriental de
África e as nossas pequenas naus começavam a descer a costa ocidental africana.
A globalização, isto é, o mundo moderno, começava - e quem juntava as pontas e
fazia da Terra o que ela era, redonda, foram os dois povos, de Zhejiang a
Freixo de Espada à Cinta, que, mais uma vez, voltam a encontrar-se nesta semana.
Sem comentários:
Enviar um comentário