quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

Carlos Santos (1904 -1989): jornalista, advogado e primeiro deputado negro no Rio Grande do Sul


Carlos Roberto Saraiva da Costa Leite* | Porto Alegre | Brasil

“(...) foi ali na saudosa Oficina Dias, nessa Catedral de Trabalho, de Honra e de Natureza, que eu falei, pela primeira vez, aos meus irmãos de luta...” (Carlos Santos)

Nascido na cidade portuária de Rio Grande (RS), em 9 de dezembro de 1904, Carlos da Silva Santos foi um exemplo de  luta tenaz, em prol da cidadania, ao exercer cargos de relevância política. Filho do carpinteiro Manoel Ramão dos Santos e da professora de música Saturnina Bibiana da Silva Santos, este afrodescendente era neto de escravizados.

Devido às dificuldades financeiras, Carlitos – como era conhecido na infância - abandonou os estudos, aos 12 anos de idade, e empregou-se numa empresa de reparos navais, cujo nome era Oficina Dias.  A formação cristã, herdada de sua mãe, refletiu-se no seu comportamento fraterno e em suas preocupações de cunho social. 

A vivência no meio operário, aliada à sua inteligência, com certeza, despertou-lhe a consciência política frente às desigualdades, injustiças sociais e o racismo presentes em nossa sociedade. Carlos Santos assumiu, diante da sua consciência cidadã, lutar em nome do bem comum e de uma sociedade mais igualitária, mantendo este compromisso até o final da vida.

Aos 25 anos, ele trabalhava como caldeireiro na Oficina Dias, quando decidiu casar e o fez, no dia 22 de setembro de 1929, com dona Julieta Bolleto Santos. Desta longeva união, nasceram cinco filhos: Carlos Marcelino Bolleto Santos, Neiva Maria, Ybá Maria de Lourdes, Carmem dos Santos e Ney Bolleto dos Santos.

Em relação ao seu intenso envolvimento com o movimento sindical, que se seguiu à Revolução de 1930, Carlos Santos assim declarou: “Formei entre os primeiros que tomaram a si a incumbência de organizar o operário. Era a ampliação do meu ideal. Tratei de organizar a minha classe, fundando no Rio Grande o Sindicato dos Operários Metalúrgicos, do qual fui o seu primeiro Presidente e mais tarde o seu Secretário-Geral...”.  

Com a criação das leis trabalhistas no período getulista, Carlos Santos foi nomeado fiscal-auxiliar do Ministério do Trabalho e Ação Social, organizando o Sindicato dos Operários Metalúrgicos do Rio Grande, além de contribuir para a criação da Frente Sindicalista Gaúcha. Devido a divergências em relação à orientação do Ministério, ele se demitiu do cargo e justificou: “Eu seria indigno de mim mesmo, como trabalhador que sou, se me prestasse também a servir de degrau por onde vai descendo, no conceito do trabalhador, a estrutura moral do Ministério do Trabalho”.

Em correspondência ao inspetor regional do Ministério no Rio Grande do Sul, Carlos Santos assim escreveu: “Ingressei no Ministério do Trabalho julgando poder manter a integridade de caráter que eu formei nos meios proletários. Enganei-me. Volto aos meios trabalhistas para continuar na luta contra aqueles que ainda julgam que a consciência do verdadeiro trabalhador pode ser comprada nas pastas de processos ou que se trai por empregos mais ou menos cômodos...”.

Defendendo, de maneira incisiva, a sindicalização dos trabalhadores, Carlos Santos expôs o seu pensamento:

“(...) é doloroso que se afirme que, pertencendo pelas condições e pela vida, pelas necessidades e pela miséria à nossa classe, se transformam, no entanto, em instrumentos de dissociação, de enfraquecimento e de divisão de elemento sindicalizado, mau grado tudo isto, meus Senhores, os Sindicatos vão atingindo à grandiosidade das suas altas finalidades sociais, ou seja, consolidar no espírito do trabalhador a noção exata dos seus direitos em contraposição à era malfadada de individualismo egoístico em que o homem, graças a um liberalismo exagerado, dispunha do seu semelhante como de uma simples mercadoria sujeita às variações da oferta e da procura”.

No período de 1931 a 1934, ele trabalhou no Estaleiro Naval Plano Inclinado RioGrandense que pertencia à empresa Luiz Loréa S/A na cidade de Rio Grande .

Em 1935, viajou ao Rio de Janeiro, como delegado-eleitor do Sindicato dos Metalúrgicos, para participar das eleições classistas federais.

Na condição de operário, em 1935, Carlos Santos abandonou o macacão e assumiu, na Assembleia Legislativa do RS, o mandato como primeiro deputado negro na chamada “Casa do Povo”.  Na condição de deputado classista exerceu suas funções de 1935 a 1937.  Pimenta da Veiga (PMDB) definiu o nosso parlamentar como “uma figura admirável, digna de nosso maior respeito e alguém que merece ser seguido“.

A figura do deputado classista se constituiu numa inovação da Constituição de 1934, que buscou assegurar a representação de trabalhadores sindicalizados no Parlamento, consolidando a organização das categorias em sindicatos. Carlos Santos havia sido indicado como representante dos trabalhadores da indústria do Rio Grande do Sul.   O Correio do Povo, do dia 26 de outubro de 1935, registrou o seu discurso de posse. Segue um trecho:

“... a todos encantou a sua oração pela forma como, de princípio ao fim, se revelou um brilhante orador e pelos conceitos que emitiu. Seu discurso foi ouvido por todos com real satisfação e por mais de uma vez foi saudado com palmas, por seus colegas e por toda a assistência (....) "

  Em sua posse, o plenário estava totalmente lotado. Após ser recebido de forma entusiástica, Carlos Santos, ao subir à tribuna, dirigiu-se aos presentes e surpreendeu, com sua elegância, ao comentar que os aplausos recebidos se transformassem em flores para ofertar à deputada paulista, Francisca Rodrigues, presente na cerimônia. Ao encerrar o seu discurso, alguns colegas de bancadas compararam-no, devido à sua eloquência, ao abolicionista José do Patrocínio.  

Na condição de deputado, ele fundou sindicatos, pleiteou no Ministério e na Inspetoria Regional do Trabalho medidas que favorecessem o sindicalismo gaúcho; combateu - em defesa dos estivadores - o desvio de mercadorias dos portos de Porto Alegre, Rio Grande e Pelotas e atuou na defesa do reajuste de salários dos operários da navegação fluvial, entre outras medidas. Em julho de 1937, apresentou e defendeu o projeto de lei, visando garantir a subsistência e a educação de crianças pobres com capacidade intelectual.

Com a implantação do Estado Novo (1937-1945), por Getúlio Vargas (1882-1954), foram dissolvidas as representações, e Carlos Santos volta à sua condição de operário. Embora o seu breve mandato, ele despertou admiração no parlamento gaúcho. Ao retornar a sua terra, em Rio Grande, o prefeito da cidade Antônio Rocha Meireles Leite criou o cargo de bedel no Ginásio Municipal Lemos Júnior e ofereceu-lhe como forma de reconhecimento pelo seu trabalho parlamentar. Nesta escola, ele trabalhou durante 20 anos, exercendo também o cargo de secretário e respondendo, em determinadas ocasiões, como diretor.

Carlos Santos considerava a instrução como a forma de exercício da cidadania e acerca do valor desta afirmou:

“Que problema deve mais interessar aqueles que têm sobre si a responsabilidade dos destinos do povo do que o problema máximo, o problema da instrução, mas não dessa instrução que se caracteriza apenas pelo conhecimento do jogo mecânico das letras e das sílabas, mas dessa instrução que se completa na formação do caráter na educação moral, cívica e física, no preparo de homens que dignifiquem a pátria, a sociedade e a família, dignificando a si próprios?”

Ainda neste período, ele também passou a colaborar com artigos nos jornais “Rio Grande” e “O Tempo”, além de assumir também como correspondente do “Diário de Notícias” de Porto Alegre e “A Noite” do Rio de Janeiro. Posteriormente, foi chefe de redação do jornal Rio Grande. Carlos Santos nos deixou inúmeras matérias jornalísticas, principalmente de cunho sociopolítico e cultural.

Incentivado por amigos, ele retomou seus estudos, pois havia concluído apenas o primário. Sua desenvoltura, talento e cultura eram frutos exclusivos do seu esforço pessoal e do seu autodidatismo.

No ano de 1937, ele publicou, em Porto Alegre, o livro “Sucata”, reunindo uma autobiografia e discursos. No prefácio da obra, Walter Spalding (1901-1976) descreve Carlos Santos:  “... não é escritor, mas é orador e dos melhores, o Patrocínio dos nossos dias, o apóstolo do operariado e da boa causa”. Afirmou ainda que ele trazia “no sangue a veia do trabalhador, do lutador, do defensor dos fracos e oprimidos” e que Carlos Santos era a confirmação da “capacidade intelectual do negro cuja influência na história guerreira e intelectual do Brasil foi grande (...)”.

No ano de 1938, participou da fundação do Centro Cultural Marcílio Dias, cuja importância ele mesmo explica:

“É uma entidade que eu fundei no meu Rio Grande, com um grupo de dedicados amigos, e que tem como finalidade única o combate ao analfabetismo. Mais de uma centena de crianças pobres e algumas dezenas de adultos se banham ali nos esplendores da Instrução. É o tributo mais sincero da minha amizade e do meu entusiasmo, do meu idealismo e da minha lealdade, procurando envolver aqueles que serão o prolongamento da raça e da classe por amor de quem em função da grandeza do Brasil, audaciosamente, me tornei orador”.

Ao término do Estado Novo (1937-1945), ocorreram eleições, em 1946, e. Carlos Santos concorreu a uma vaga na Assembleia Legislativa, ficando como suplente de deputado estadual pelo PSD.

No ano de 1949, como suplente de deputado estadual (PSD), assumiu, por alguns dias, uma das cadeiras da Assembleia Legislativa.

Após completar os estudos básicos, Carlos Santos ingressou na Faculdade de Direito de Pelotas, colando grau, aos 46 anos, em 1950. Orador da sua turma, ele escreveu o discurso “A predestinação do Direito”, no qual registrou:

“A luta é o trabalho eterno do Direito. Por ele deve porfiar o individuo e a sociedade“. De posse de seu diploma, Carlos Santos montou a banca mais procurada na cidade de Rio Grande, além de estruturar um serviço de assistência jurídica e social na rede do antigo PTB, visando atender, de forma gratuita, a todos os correligionários.

Depois uma disputa interna no Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), em 1958, o seu nome se torna consenso e ele retorna, em 1959, ao seu cargo de deputado estadual. A partir de então mais três legislações ocorreram, respectivamente, nos anos de 1963, 1967 e 1971.

O ano de 1967 foi um ano auspicioso para o nosso nobre parlamentar, pois presidiu a Assembleia Legislativa, promulgou a Constituição do Estado, inaugurou o Palácio Farroupilha (Assembleia Legislativa) e assumiu, por duas vezes, o governo do Rio Grande do Sul na ausência de Peracchi Barcellos (1907- 1986).

Nos anos de 1975 e 1982, Carlos Santos exerceu o mandato de deputado federal. Nesta fase, ele criou projetos voltados às mais diversas áreas, como direitos humanos, ecologia, aposentadoria, menores carentes e excepcionais, indústria de pesca (recebeu o título de Pescador Honorário), ferroviários, alimentação e questões habitacionais.

Na área cultural, ele proferiu, especialmente, dois discursos que o notabilizaram: na Assembleia Legislativa do RS, no ano de 1972 em homenagem aos 400 anos de “Os Lusíadas”, e outro em 1975, na Câmara Federal, quando prestou uma homenagem a Fernando Pessoa no 40º ano da morte desse grande poeta.

Algumas vezes, no período da ditadura militar (1964-1985), ele se dirigiu ao presidente João Figueiredo, para que este acabasse com a falsa ideia de que no Brasil não havia preconceito racial, Carlos Santos defendia a ideia de que esta tomada de consciência em relação ao racismo e à falsa ideia de uma democracia racial, possibilitaria atitudes efetivas e concretas de combate, à medida em que a sociedade brasileira  reconhecesse a sua presença nefasta como herança de um período de 400 anos de escravidão.    

Contundente foi o seu discurso na Câmara Federal durante as comemorações do 94º aniversário da Abolição da Escravatura no Brasil (1888). Carlos Santos, naquela ocasião, ratificou seu potencial como orador, encantando o público presente ao discursar sobre a escravidão no Brasil e suas consequências desastrosas. Nosso parlamentar, com muita propriedade, enfatizou o que esta mácula de 400 anos representou em nossa história. Devido à ausência de políticas públicas voltadas ao negro brasileiro, após a Abolição da Escravatura (1888), este encontrou apenas a “porta da rua”,a miserabilidade e a invisibilidade social.  Segue uma transcrição desta fala memorável:

“ .... O negro afro-brasileiro, de escravidão trazida nos porões dos navios lusos que aqui aportavam em busca de riquezas, continua a ser transportado nos ônibus , nos trens e nas barcas superlotados, como gado, porque é , ainda, em sua imensa maioria pobre, proliferando nas malocas e nos morros, realizando as atividades laborativas mais perigosas, mais penosas e mais desvalorizadas, embora no verso da música logre morar “ bem pertinho do céu”.. Mudaram os tempos, Sr. Presidente, apenas os tempos...  (...).

Carlos Santos, em seu discurso no Congresso Nacional, no dia 18 de junho de 1982, abordou a situação do idoso no Brasil. Ao lê-lo, percebi quão moderno e atual é a sua abordagem, embora transcorridos 35 anos. Segue uma breve transcrição de seu discurso:

(,,,) Uma nação onde o povo precisa fazer greve de fome para ver respeitados seus direitos, certamente que não é uma nação adulta, mesmo porque, diante 110 do exposto, os aposentados não tem opção; ou vão morrer de fome provocada pela greve, ou morrerão de fome de igual forma, pela carência dos recursos que respondem pela subsistência. E tudo isso, de uma forma ou de outra, “com tantas rugas no rosto quanto na alma”.

No ano de 1982, nosso nobre parlamentar decidiu se afastar da vida política, indo de encontro à vontade de seus correligionários e de incontáveis admiradores, inclusive, de outras siglas partidárias. Carlos Santos alegava problemas de saúde e o cansaço dos anos, para justificar o seu afastamento da vida pública.
  
Ao longo de 50 anos de dedicação à vida pública, Carlos Santos se destacou pelo seu comportamento ilibado e por sua visão humanitária. Isso se confirma diante de seus inúmeros projetos, visando beneficiar os menos favorecidos na pirâmide social.

Em 1988, devido a sua grandeza como parlamentar e figura humana, ele recebeu do governador Pedro Simon a Medalha da Ordem de Ponche Verde no Grau de Cavaleiro.

Carlos Santos tinha, por hábito, citar, baseado no texto bíblico, a frase “Todos foram feitos à imagem de Deus, sem fazer distinção entre brancos e negros”. Ele costumava combater frases racistas, infelizmente, ainda presentes em nossa sociedade. Considerando-as como verdadeiros paradigmas do preconceito racial, ele próprio, a título de exemplo, comentava acerca destas expressões, quando lhe era oportuno discutir sobre o assunto: “Ele é um negro de alma branca”; “É negro, mas é inteligente” ou “É negro, mas é bonito”.

O nosso parlamentar afirmava que frases pejorativas e com teor racista reforçam a ideia - devido a sua contínua verbalização - de que determinadas qualidades sejam privilégios de uma única etnia, e as exceções até ocorram, embora de forma rara, principalmente, no caso do afrodescendente. Na realidade, esta visão depreciativa, em relação ao negro, foi construída durante séculos de escravidão e de exclusão social.  A partir da Lei Áurea, de 13 de maio de 1888, o negro teve acesso à liberdade, porém não lhe foi dado o passaporte da cidadania plena, que lhe garantisse a inserção social numa sociedade capitalista e excludente.

Carlos Santos foi um titã na luta pela igualdade racial, e seu exemplo tem sido seguido por outros homens que, em nosso Estado, compartilham os mesmos ideais, a exemplo de Alceu Collares, Paulo Paim e Edson Portilho.

  Aos 84 anos, nosso digníssimo parlamentar faleceu, em 8 de maio de 1989, devido a complicações da doença de Paget. Nesses tempos, de crise moral e ética, permanece o seu inestimável legado de dedicação ao bem comum, lembrando-nos de que é possível, com esforço, amor e trabalho contínuo, construirmos uma sociedade com menos desigualdades e mais democrática.
                                                 
*Pesquisador e coordenador do setor de imprensa do Museu da Comunicação HJC

Bibliografia
BARBOSA, Eni; CLEMENTE, Elvo. Carlos Santos: uma biografia. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1994.
HEINZ, Flávio M.; VARGAS, Jonas Moreira; FLACH, Angela, MILKE, Daniel Roberto. O Parlamento em tempos interessantes: breve perfil da Assembléia Legislativa e de seus deputados – 1947-1982.  Porto Alegre: CORAG, 2005.
Projeto Cultural O Povo Negro no Sul. Porto Alegre: Associação Riograndense de Imprensa (ARI), 2002.
SANTOS, Carlos da Silva. Sucata. Porto Alegre: Editora Globo, 1937.
TORRES, Luiz Henrique HEINZ, Flávio M.; VARGAS, Jonas Moreira; FLACH, Angela, MILKE, Daniel Roberto. O Parlamento em tempos interessantes: breve perfil da Assembléia Legislativa e de seus deputados – 1947-1982, Porto Alegre: CORAG, 2005.
Livro e-book: GOMES, Arilson dos Santos. O universo das gentes do mar e a identidade negra nos discursos e práticas políticas de Carlos Santos ( 1959-1974).   Porto Alegre, 2015

Guiné-Bissau deve convocar CEDEAO sobre incidentes na fronteira com Senegal?


Jurista Carlos Vamain diz que incidentes de quinta-feira (8.02) na fronteira entre Guiné-Bissau e Senegal devem servir de "reflexão" no quadro do processo de integração económica regional.

Em conversa com a DW África sobre os incidentes ocorridos na fronteira entre os dois países, o jurista guineense, Carlos Vamain, recorda que a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) propôs a implementação de mecanismos para uma integração económica na região fronteiriça entre a Guiné-Bissau e o Senegal, abrangendo também a Guiné-Conacri, mas que o acordo ainda não saiu do papel.

Segundo explica, nesses países "há muitas barreiras não tarifárias que impedem a liberdade de circulação das pessoas, que contraria o princípio sacro-santo daquela organização regional. Portanto, ninguém tem que pagar para atravessar a fronteira”.
Carlos Vamain lembra ainda que existe uma diretiva da CEDEAO nesse sentido, mas que "nenhum Estado, lamentavelmente, cumpre”.

Talvez, se a diretiva apontada pelo jurista fosse cumprida, alguns dos incidentes na região fronteiriça entre a Guiné-Bissau e o Senegal, que já resultaram, inclusive, na morte de cidadãos guineenses podiam ser evitados.

Sessão extraordinária da CEDEAO

Na segunda-feira (12.02) um grupo do Movimento de Cidadãos Inconformados tentou realizar uma vigília em frente à Embaixada do Senegal, em Bissau, em sinal de repúdio pelos assassinatos de cidadãos guineenses por elementos de segurança do país vizinho. Mas, a iniciativa foi impedida pela polícia guineense.

Entretanto, o advogado Carlos Vamain considera que a Guiné-Bissau deveria tentar convocar uma sessão extraordinária da CEDEAO para debater esta questão, pela sua gravidade. E questiona: "O que se pode esperar do Presidente da República, José Mário Vaz?”

Para o jurista, embora não se pode esperar muita coisa, mas pode-se fazer pressão para que o Presidente da República, José Mário Vaz, consiga movimentar no sentido de resolver essa questão, pelo menos para prevenir que não ocorra mais incidentes desse tipo nas zonas da fronteira entre a Guiné-Bissau e os países vizinhos.

"Estou a falar da Guiné-Conacri e também do Senegal. Portanto, eu penso que ele como chefe de Estado da Guiné-Bissau, que é parte integrante da CEDEAO, devia perfeitamente convocar uma sessão extraordinária da Comunidade para debater esse assunto”, afirma Carlos Vamain.

O problema – na opinião do jurista – está na ausência do sentido de Estado por parte dos governantes e a ausência do Estado em toda a extensão territorial da Guiné-Bissau.

Outro conflito por resolver

Além dos incidentes nas zonas fronteiriças, um outro conflito que carece de solução diz respeito à fronteira marítima entre a Guiné-Bissau e o Senegal. Segundo Carlos Vamain, há questões que ficaram por resolver no âmbito do acordo assinado entre os dois países em 1995, com validade de 20 anos, que prevê uma exploração conjunta dos recursos marinhos.

"Ali significa que não houve equilíbrio nessa negociação que resultou do acordo de cooperação conjunta. Para a exploração de recursos haliêuticos [o acordo determina] 50 por cento para cada uma das partes e para a exploração de petróleo a Guiné-Bissau teria 15 porcento e o Senegal, 85 por cento”, sublinha Vamain.

O advogado concorda com a negociação em curso para a revisão do acordo, que caducou no ano passado. A tentativa, com outro Governo legítimo, seria no sentido de obter melhor compensação para a Guiné-Bissau no que toca à partilha dos recursos existentes – reforça Carlos Vamain.

"Se bem que Senegal estaria disposto que houvesse mais rapidamente um acordo, mas penso que não dá, não é possível”, argumenta o jurista.

O contencioso entre os dois países faz parte do novo livro do constitucionalista guineense, que é lançado esta sexta-feira (16.02) em Lisboa. No livro, de cunho académico, intitulado: "Ação de Nulidade do Laudo Arbitral perante a Corte Internacional de Justiça: o caso Guiné Bissau-Senegal", o autor  apresenta  ainda perspetivas para a solução desta questão do ponto de vista jurídico (doutrinal e jurisprudencial).

"Resta à Guiné-Bissau a via diplomática para tentar resolver o problema a nível da cooperação conjunta", sublinha o jurista. "Ou, se entenderem que não faz sentido, que se termine pura e simplesmente com essa cooperação entre o Senegal e a Guiné-Bissau naquela zona", acrescenta.

João Carlos | Deutsche Welle

MPLA CONNECTION (II)


Raul Diniz | opinião

JOÃO LOURENÇO NÃO É NEM NUNCA FOI O HERDEIRO NATURAL PARA PRESIDIR O MPLA

A inadequada eloquência verbal encontrada nos discursos musculados do vice-presidente do MPLA, são a prova comprovada de que o governante é parcialista e não compreendeu o cansaço que a imponência dos seus exaustivos discursos sem criatividade causa aos que o escutam. Por outro lado, denota-se nos discursos uma elevada doze de incredulidade que de certo modo inviabilizam o prometido combate a corrupção e a igualdade de oportunidades e na aplicação da justiça igual para todos, debalde.

Essa questão obstaculiza a salutar convivência entre a elite governante e os governados expostos a todo tipo de sofrimento miserável e de pobreza descabida.

Governar o país não significa apenas exonerar inimigos e/ou adversários e de seguida nomear amigos próximos.

O que fará o PR auto-intitulado reformista para transformar a economia do país? Além de ter passado mais de 150 dias a defender o gangster corrupto Manuel Vicente, com quais instrumentos conta o PR para ajustar e fortalecer economicamente o país?

Pelos vistos, o presidente precisa urgente de um plano coeso para começar a executar as prometidas reformas económicas. Cabe a cada um dos presidentes o da república e do MPLA, o papel fundamental para retirar o país do estado de falência económica que se encontra. João Lourenço tem de aprender e rápido a governar para todos como prometeu fazer.

 Quanto ao presidente JES, cabe-lhe o papel fundamental de modernizar o MPLA, retira-lo da fossilização nauseabunda onde se encontra acostado. José Eduardo dos Santos é neste momento a pessoa certa para permanecer a frente do MPLA para afasta-lo do estigma de partido elitista e voltar a dar-lhe o cunho de partido de massas do passado.

Foi de uma estrema gravidade o PR permitir que o novo PGR Pitagróz ameaça-se e/ou tenta-se amordaçar a Maria Luísa Abrantes.

Se o presidente da república quer tanto perseguir gatunos e corruptos, então que comece dentro da cidade alta, por exemplo poderá começar por perseguir o director do seu gabinete, passar pelo seu secretário económico, pelo secretario dos assuntos produtivos e desaguar no ministro da casa de segurança. Aí sim daria sinais de verticalidade e amadurecimento político.

Todos cometemos erros, todos falhamos, sobretudo aqueles que como eu, deram inicio a construção da república popular de Angola. Então por quê essa peregrina perseguição contra os filhos da Maria Luísa Perdigão Abrantes? O que esses filhos da nossa Angola fizeram que os outros filhos da elite não fizeram?

Porque não amnistia os prisioneiros políticos e de consciência injustamente atirados para as masmorras da ditadura. Como por exemplo o cristão “KALUPETECA” cidadão humilde e pobre.

 A forma violenta como foram desarreigados dos seus negócios, nem mesmo os seus direitos empresariais foram respeitados. Tem razão a dra. Milucha Abrantes, e fez muito bem abrir a boca no momento certo para defender os seus filhos.

 Caso essa mulher valente não partisse para luta em defesa dos filhos quem o faria?
  
João Lourenço e o seu PGR não têm o direito de ameaçar a mãe dos filhos de JES, se quiserem começar uma caça as bruxas comecem dentro do palácio não aqui fora. Não lutamos para que se repita o que aconteceu no passado recente, vamos com humildade trabalhar por uma verdadeira paz social em harmonia.

Tanto ódio para quê?

Todos erramos e roubáramos o que é de todo povo, incluindo o próprio PR e o PGR. Querem agora criar bodes expiatórios para justificar o recurso a uma ambicionada purga só para o PR e sua entourage alcançar popularidade mixuruca?  

Afinal querem mudar o país para pior e coloca-lo em desordem social? Que razão está por baixo dessa tão dedicada caça as bruxas? Ameaçar e/ou tentar calar a cidadã a Milucha, foi no mínimo um perigoso exercício de estupidez delirante e um doloroso tiro mo pé do PGR e de quem lhe deu ordens. Vamos trabalhar e melhorar a vida do nosso sofrido povo.

Por essa e por outras é que o MPLA se enfraquece a cada vez mais, por outro lado, os injustiçados estão incondicionalmente ao lado dessa mulher valente. O governo de João Lourenço é de facto a extensão do anterior em todas as suas vertentes.

Quem quiser ser presidente do MPLA tem de ir a votos, os “LOURENCISTAS” querem a presidência do MPLA, a solução é JL irem a votos.

Não existe unanimidade nos partidos políticos, o MPLA não é excepção a regra.  Não existe unidade de pensamento no interior da militância do MPLA e muito menos no corpo expedicionário da oligarquia impositora do regime segregacionista. Por assim dizer, João Lourenço não é nem poderia ser a única escolha para dirigir o partido.

Nunca fiz política por encomenda, tão pouco meu comportamento obedece a qualquer espécie de seguidismo político cego e irresponsável. Porém, a minha posição desta vez é claríssima, enquanto militante do MPLA, estou ao lado da corrente que segue o ex-presidente da república e actual presidente do partido José Eduardo dos santos.

A razão é que os seguidores de João Lourenço nunca encararam positivamente o debate político como o caminho a seguir. Sempre se comportaram como ratazanas oportunistas, nunca abriram a boca para manifestar qualquer opinião contra as arbitrariedades impostas pelo regime.

Todos quantos desejarem concorrer a presidência do partido poderão fazê-lo em liberdade e em sã consciência.

Não me oponho a predisposição do novo inquilino da cidade alta desejar liderar o MPLA.  Essa vontade é legitima, só não deve ser tão levianamente exigível. Nem deverá pensar que é o herdeiro natural do trono só por ter sido colocado por JES e Kopelipa na presidência da república.

Pensar que é o candidato de toda a militância seria o mesmo que insinuar que somos todos dementes. Em primeiro lugar é que no MPLA cada cabeça é uma sentença, segundo lugar, não existe nenhum deficit de quadros com capacidade de comandar capazmente o MPLA e leva-lo a bom porto.

Sempre se mantiveram caladinhos e obedientes a mercê da vontade do ditador, agora aparecem como pavões alvoraçados em arautos defensores da democratização do país.

Jamais fui preparado como expert para discutir pessoas ou cargos, a minha praticabilidade sempre se baseou em discutir ideias e em apoiar projectos estruturais, sobretudo, discutir modelos de governação viáveis, que respeitem a com clareza a administração coerente da coisa publica. Isso significa dizer que é preciso que o povo participe em liberdade nas discussões económicas do país.

Portanto, para mim JES não é mais o principal entrave da governação que o precisa para sair da clausura fúnebre em que se encontra, Não há mais nenhuma necessidade de se combater o presidente do MPLA nem se lhe pode assacar responsabilidades idênticas as que no passado recente provocou tamanho sofrimento ao povo.

Os que acreditaram que João Lourenço seria a promessa de renovação do sistema político-económico encontram-se expectantes.

Certamente perceberam o engodo em que se meteram e entenderam que não haverá alteração melhorada nenhuma na condução do xadrez político económico e social. Aqueles que sonhavam com uma nova Angola estão decepcionados pois o chefe do executivo decidiu defender os corruptos, coisa que não foi escrutinada nas eleições de Agosto.

 Por exemplo, a Angola profunda não esta representada no governo do presidente lobitanga. Com João Lourenço o país encolheu e ficou mais pequeno. O governo ficou desconfigurado descabidamente, e está sem tecnocratas de reconhecida craveira, também não possui nenhuma representatividade política fora do celeiro da corrupção.

Até o MPLA ficou mais pequenino com a presidência de João Lourenço. a As escolhas para formação do governo são da inteira e exclusiva responsabilidade do presidente da república. Porém, acredito que seria bem-vinda tentar utilizar outras alternativas com quadros experimentados da nossa praça político-económica, deste modo ajudariam a retirar o país da enrascada em que MPLA o colocou.

Infelizmente em Angola a democracia não é a regra, mas, a excepção.

O estado de direito não funciona onde não se respeitam as liberdades de expressão, de ir e vir e de manifestação publica. Hoje a integridade e a inteligência do cidadão em Angolano tem sido constantemente estuprada violentamente pelo poder carrancudo emanado do autoritarismo do regime, que insiste em não se renovar.

Isso demonstra que filosofia autoritária e a cultura totalitária continua a cultivar a intolerância, a mentira eloquente continua activa e actuante na divulgação da publicidade falsa, com o firme propósito de enganar o maior número de pessoas distraídas.

Não sou e nem nunca fui LOURENCIANO e não faço questão nenhuma em sê-lo, do mesmo modo que nunca fui JESSEANISTA.

Sou apenas um humilde cristão que é também militante do MPLA há 43 anos, disso não abro mão. Esse sentimento lúgubre que define a bajulação como o caminho mais rápido de ascender a um lugar ao sol sem qualquer esforço, não é mais bem-vindo. Essa é a formula errada de se chegar ao pólio e por isso tem de ser definitivamente banida.

Quando JES foi automaticamente conduzido ao cargo de em Presidente da república e do partido ao tempo do MPLA/Partido do Trabalho, pertence a era de partido único. Seria uma tremenda imprudência continuar a alimentar levianamente a militância com deslavadas incongruências, não se pode perpetuar o erro nem continuar a conduzir erradamente o partido.

Camaradas, uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa.

Ninguém pode chegar a presidência do partido senão pela via eleitoral, e não vale mais a farsa de candidato único, o confucionismo elaborado tem de terminar no MPLA.

MDM pede "desconcentração de poderes" em Moçambique


O Movimento Democrático de Moçambique pede uma "descentralização efetiva". Partido da oposição espera para ver no Parlamento se a proposta de revisão pontual feita pelo Governo e a RENAMO respeita ou não a Constituição.

A proposta de revisão pontual da Constituição deverá ser debatida na próxima sessão do Parlamento, que começa a 28 de fevereiro. Mas antes ainda passará por duas comissões de trabalho: a primeira dos Assuntos Constitucionais e a quarta que lida com Assuntos da Administração Pública. Só depois dos seus pareceres a proposta será submetida ao plenário do Parlamento para debate.

Vários pontos que constam da declaração do Presidente Filipe Nyusi suscitam dúvidas no seio da sociedade civil e entre os partidos políticos. Fala-se na possibilidade da realização de um referendo, mas o Movimento Democrático de Moçambique (MDM) lembra que isso está condicionado. "Porque qualquer alteração dos limites materiais já inscritos na Constituição da República, no artigo 292, a serem mexidos aqueles princípios, obviamente que tem de haver um referendo, o povo tem de ser consultado para decidir o que de facto quer", justifica Lutero Simango, líder da bancada parlamentar da segunda maior força da oposição. "Se este artigo não for respeitado", sublinha, "obriga à realização de um referendo".

O ponto 1 do artigo 292 da Constituição moçambicana diz que as leis da revisão constitucional têm de respeitar alguns aspetos, apresentados em 12 alíneas. A alínea e), por exemplo, diz que se deve respeitar o sufrágio universal, direto, secreto, pessoal, igual e periódico na designação dos titulares eletivos dos órgãos de soberania das províncias e do poder local. O ponto 2 diz que as alterações do ponto 1 são obrigatoriamente sujeitas a referendo. Caso se venha a aplicar esse artigo, não existe regulamentação sobre como se deve organizar a consulta popular.

Mas o MDM tem ainda esperança de chegar a um consenso com as bancadas da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) e a Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO). FRELIMO e da RENAMO. "Seria bom que essa revisão fosse aprovada na base de um consenso ao nível da Assembleia da República. Significa que as três bancadas devem chegar a acordo", explica Lutero Simango.

"E seria mau para a democracia moçambicana se essa revisão só fosse aprovada pelas duas bancadas", diz o líder da bancada parlamentar do MDM. "Vamos com a mente aberta para discutir e obviamente apresentar as nossas propostas", assegura.

Forte bipartidarização

A descentralização era um dos dossiers mais polémicos nas negociações de paz entre o Governo da FRELIMO e a RENAMO. As partes chegaram a um consenso do seu agrado, marginalizando até aqui as outras forças políticas e da sociedade. Com o esboço de um acordo de paz, percebe-se uma forte bipartidarização no país, facto criticado pelo MDM.

O partido é a favor da despartidarização, mas não de qualquer forma. "Estamos abertos para que se faça, de facto, uma descentralização efetiva que deve ser acompanhada por uma desconcentração de poderes. E também defendemos a eleição direta dos governadores", afirma Lutero Simango.

Esta tendência crescente de bipolarização política que o país vive pode prejudicar a oposição, especialmente o MDM que até está representado no Parlamento? "Os partidos políticos existem e também têm como atribuições participar no processo de desenvolvimento do país e contribuir para o reforço da democracia através da participação. E contribuir para o debate político e a melhoria do debate. Ora, se um ou vários partidos são excluídos desse debate de questões tão importantes quanto essas, não vejo como conseguirão sobreviver a reboque do espaço que os outros partidos deixarem, responde o jurista Vicente Manjate.

"Tanto o MDM como outros que estiveram ao mesmo nível, por exemplo, o Partido Popular Democrático (PDD), foram sumindo e relegados a um terceiro plano, extra-parlamentar", lembra o especialista em direitos humanos e direitos fundamentais. "Se um partido com assento parlamentar não participa [nas negociações] porque não é convidado a participar num processo tão importante como este, certamente que aniquila as suas aspirações", diz.

Interesses da FRELIMO e RENAMO

As propostas resultantes do consenso, tal como estão apresentadas, acomodam os interesses da FRELIMO e RENAMO, tendo em conta o atual cenário político. Vale a pena mudar a Constituição por interesses de apenas dois grupos, embora representantes da maioria do povo, e provavelmente a curto prazo?

"Este é mais um modelo que vem sendo melhorado desde a Constituição de 1990, que não nos permitiu pacificar de forma efetiva o país. Temos de assumir isso, é o principal pressuposto", responde Vicente Manjate. "E provavelmente vai se introduzir melhorias neste modelo e eu estou em crer que se vai respeitar o quadro constitucional e legal existente que permitirá a participação dos outros setores", conclui o jurista.

Nádia Issufo | Deutsche Welle

A ilusão da erradicação do Daesh


Thierry Meyssan*

A queda do Califado e a dispersão dos jiadistas do Daesh (E.I.) abriram um período de reciclagem deste pessoal. Considerados, segundo os casos, como combatentes fanáticos ou simples psicopatas escondidos atrás de uma ideologia, eles são cortejados pelos Estados e pelas sociedades multinacionais que indirectamente os tem empregado. Thierry Meyssan traça o ambiente da sua segunda “chance” e avisa para a complacência de que os Ocidentais dão provas em relação à ideologia do Daesh, quer dizer da dos Irmãos Muçulmanos.

Se, com a queda do Daesh (EI), os dirigentes do mundo inteiro se interrogam quanto à reconstrução do Iraque e da Síria, muitas outras questões mais difíceis se colocam ainda, mesmo que não seja costume evocá-las em público.

No fim de qualquer guerra ideológica, como as guerras de religião do século XVI europeu, ou da Segunda Guerra Mundial no século XX, põe-se a questão do futuro dos soldados vencidos. Muitos cometeram crimes atrozes e não parecem poder ser reintegráveis nas sociedades vitoriosas.

Após as quedas sucessivas de Mossul, Rakka, Deir ez-Zor e Al-Bukamal, o Califado já não tem território. O fim do Estado Islâmico surge após o abandono pelos Estados Unidos do projecto de «Sunistão», cortando a “rota da seda” no Iraque e na Síria (plano Robin Wright [1], censurado pela intervenção do Presidente Trump em Maio de 2017). Definitivamente, os jiadistas foram derrotados pelos exércitos iraquiano e sírio.

Durante três anos, a Coligação (Coalizão-br) global anti-Daesh alternou bombardeamentos ineficazes com lançamentos de armas aos jiadistas, tal como, longamente, o atestou o Parlamento iraquiano. Ela jogou um papel decisivo apenas aquando da batalha de Mossul, no decurso da qual tentou exterminar os restantes jiadistas arrasando completamente a cidade.

Em 2015, o Califado dispunha de 240 000 combatentes: 

- 40 000 jiadistas, membros do Daesh enquanto tal.

- 80 000 membros da Ordem dos Naqchbandis, antigos soldados do exército iraquiano desmobilizados por Paul Bremer. 

- 120 000 homens das tribos sunitas do Ocidente do Iraque, descendentes de combatentes iemenitas.

Não existe nenhum meio de avaliar quantos morreram em combate, e quantos novos jiadistas foram recrutados durante a guerra. Sejam quais forem as declarações de uns e de outros, ignora-se quantos eles são hoje em dia e apenas podemos referir-nos aos números anteriores a título aproximativo.

Se os 200 000 Iraquianos que se haviam juntado ao Daesh (EI) se voltaram a fundir na população iraquiana sunita, o que se deve fazer com os 40 mil criminosos experimentados que são os jiadistas estrangeiros?

Combater o Califado

A título de comparação, no fim da Segunda Guerra Mundial, se a Wehrmacht (isto é, o exército alemão) foi desmobilizado sem dramas, o que se deveria fazer com as SS (as tropas do movimento nazi, reconhecidas como organização criminosa pelo Tribunal de Nuremberga)? Eram quase 900.000 e claro que estava fora de questão matá-los ou sequer julgá-los. Muitos voltaram para casa para serem esquecidos. Os oficiais foram maciçamente recuperados pelos Estados Unidos afim de lutarem contra a URSS, quer para sabotar a economia soviética, quer para instalar regimes anti-comunistas, um pouco por todo o lado, no «mundo livre» (sic). Alguns recusaram a paz e prosseguiram a guerra ainda durante dois anos, eram os «lobos solitários»; expressão que se reutiliza actualmente.

A reciclagem das SS foi dirigida pelo primeiro Director da CIA, Allen Dulles, e pelo seu irmão, o Secretário de Estado, John Foster Dulles. Ninguém sabia nada disso até o Congresso dos EUA revelar a escala e as consequências desta operação. As Comissões Church e Nedzi-Pike, assim como a Comissão Presidencial sobre actividades da CIA nos Estados Unidos, estabeleceram os factos de maneira indiscutível a partir de 1975. O Presidente Jimmy Carter decidiu pôr fim a este programa enquanto que o Almirante Stansfield Turner limpava a CIA.

A opinião pública internacional reteve que, durante perto de trinta anos, os Estados Unidos eram uma cripto-ditadura na qual centenas de milhares de cidadãos eram atingidos por restrições profissionais e milhões de outros eram espiados. Pelo contrário, eles esqueciam, completamente, que países tão diversos como a Arábia Saudita, a Bolívia, a Coreia do Sul, a Guatemala, a Irã, as Filipinas ou ainda Taiwan eram governados por ditaduras cruéis apoiando-se em SS reciclados pela CIA [2]. Os programas de manipulação mental, as experiências de ingestão de drogas e as escolas de tortura são, por vezes, evocados de maneira distinta quando formam um conjunto, coerente, prolongando a «ciência nazi» (sic).

Importa, portanto, reflectir agora sobre a solução do problema dos jiadistas, afim de não reproduzir esse tipo de erro e de não impor aos nossos filhos a continuação de crimes do Daesh.

Claro, a situação actual é diferente daquela da Segunda Guerra Mundial. De um lado, é mais fácil porque os jiadistas são muito menos numerosos do que eram os SS. Por outro ela é mais complexa, porque se Adolf Hitler foi vencido os comanditários dos jiadistas não o foram.

1. Deixemos de lado os que fogem de forma isolada. Eles representam um problema de polícia, mas nada mais.

2. Outros, em grupos, tentam apropriar-se de novos territórios nos quais possam ser os “caïds”, seja na proximidade do antigo Califado, seja no seu país de origem. Mas, já não parecem participar numa estratégia global.

Cerca de 200 de entre eles recuaram para a província de Idlib, controlada pela Alcaida. Aí, tem que enfrentar diversos grupos de insurgentes.

Eles estão presentes no Sinai, onde se batem contra a aliança militar egípcio-israelita [3] ; Alguns deslocaram-se para África. Para a Líbia onde controlam a Tripolitânia; e para a Nigéria onde enfrentam a aliança tchado-nigeriana.

3. O grosso dos jiadistas do Daesh dividiu-se em dois grupos. Os Estados Unidos (via anarquistas curdos) e a Turquia tratam-nos como combatentes profissionais e oferecem-lhes um futuro como mercenários.

a) O primeiro grupo foi recuperado por Brett McGurk e pelo general Joseph Votel, afim de formar a metade de uma força de proteção de fronteira estacionada na Síria. Tendo este projecto sido censurado pelo general Jim Mattis esta Força acabou por não ser constituída. Estes homens estão acampados em Kasham, à saída da base militar dos EUA [4].

Na semana passada, o Partido da União Democrática (PYD), quer dizer o partido anarquista Curdo sírio, amnistiou-os e começou a incorporá-los nas suas milícias, as Unidades de Protecção do Povo (YPG), como o Embaixador russo, Vasily Nebenzia, denunciou ao Conselho de Segurança. Ora, sendo as YPGs oficialmente armadas e enquadradas por militares dos EUA, de facto esses jiadistas estão sob o comando do Pentágono, mesmo se não o estão a título de uma Força de Proteção de Fronteiras.

b) O segundo grupo foi reciclado por Recep Tayyip Erdoğan, sob a bandeira do Exército Sírio Livre (ESL). Apresentado em 2011, pela imprensa atlantista, como tendo sido criado por desertores do Exército Árabe Sírio, o ESL fora, na realidade, constituído por combatentes líbios da Alcaida sob supervisão militar francesa [5]. Dispersado duas vezes, ele foi reconstituído e bate-se ao lado do Exército turco em Afrin.

A ruptura no seio dos jiadistas, entre pró-US e pró-turcos, reflecte a desagregação da aliança turco-EUA. 

• Brett McGurk tinha feito parte da equipe de John Negroponte e Donald Rumsfeld, que imaginou e organizou o Emirado Islâmico no Iraque (futuro Daesh) afim de transformar a unidade da Resistência anti-EU em guerra civil sunita-xiita. 

• No início da sua carreira política, enquanto era um dos dirigentes da Millî Görüş, uma organização islamista iraquiano-germano-turca criada por Ezzat Ibrahim al-Duri (o grão-mestre da Ordem iraquiana dos Naqchbandis) e Necmettin Erbakan (Turquia), Recep Tayyip Erdoğan supervisionava o aprovisionamento em armas dos jiadistas tchechenos contra a Rússia. Muito mais tarde, quando se tornou Primeiro- ministro, ele ajudou os jiadistas na sua luta contra a República Árabe Síria e apoiou o Daesh sem reservas [6].

Seja como for, a divisão dos jiadistas parece ter a ver com acasos e com origens étnicas. Por exemplo, Abdullah Sufuni, o antigo Emir de Alepo, teria alinhado com o lado dos EUA para se vingar das perdas sofridas durante a intervenção turca no Iraque. Enquanto os jiadistas caucasianos se voltaram para a Turquia porque mantêm estreitas relações com ela desde há trinta anos.

4. Se o Pentágono renunciou criar um Estado para cortar a via de comunicação ligando o Mediterrâneo ao Irão e à China, ele não abandonou, no entanto, a estratégia do Almirante Arthur Cebrowski visando destruir as sociedades e os Estados do «mundo não-globalizado» [7]. Alguns dos combatentes do Daesh (EI) foram, pois, recuperados para prosseguir este plano enquanto Forças especiais auxiliares.

Neste contexto, jiadistas foram encaminhados pelos exércitos dos EUA para o sub-continente indiano, para o Afeganistão, para o Paquistão, Índia, Bangladesh e para o Mianmar (mas não para o Sri Lanka), tal como o revelou Zamir Kabulov, o enviado especial de Vladimir Putin ao Afeganistão.

O Chefe de Estado-Maior iraniano, o General Mohammad Baqeri, confirmou que a Força Aérea dos EUA transferiu uma parte dos membros do Daesh (E.I.) do Iraque e da Síria para o Afeganistão. O Presidente do Irão, Xeque Hassan Rohani, telefonou ao seu homólogo russo, Vladimir Putin, para lhe confirmar esta informação. Depois, dirigindo-se à imprensa, ele revelou que havia proposto a ajuda do Irão ao Afeganistão contra os jiadistas, pró-EUA, do Daesh.

Segundo o Senador paquistanês Rehman Malik, a Índia estaria a organizar a colaboração entre os jiadistas e o Rashtriya Swayamsevak Sangh (RSS), a milícia do Partido hindu do Primeiro-ministro indiano, Narendra Modi. Tratar-se-ia de infiltrar os insurgentes muçulmanos de Caxemira para os aniquilar. O RSS, que assassinou o Mahatma Gandhi, tem uma longa tradição de violência extrema. Rehman Malik não é um mero senador, no governo de Benazir Bhutto ele já fora nomeado Chefe da contra-espionagem, depois foi Ministro do Interior do Paquistão. Ele acaba de lançar um processo afim de que a ONU leve o assunto perante o Tribunal Penal Internacional e que Narendra Modi seja julgado.

O Alto-comissário da ONU para os Direitos do homem, Zeid Ra’ad Al Hussein, declarou, na semana passada, que a crise dos Rohingyas no Mianmar [8] poderia desembocar num conflito regional. Se for esse o caso, o conflito começaria primeiro no Bangladesh e na Malásia onde residem inúmeros refugiados.

Algumas centenas de outros jiadistas voltaram para a América Latina. Sendo sobretudo originários de Trinidad e Tobago, eles tentaram organizar um mega-atentado, durante o carnaval dos dias 13 e 14 de fevereiro, mas foram presos cinco dias antes. A missão deste comando era a de retomar a tradição islamista da ilha das Caraíbas, na linha do golpe de Estado falhado de Julho de 1990. Depois, deviam aproveitar a desordem criada pela extrema-direita venezuelana para mergulhar o país numa guerra semelhante à que vive a Síria.

Combater a ideologia do Califado

Se, no fim da Segunda Guerra Mundial os Ocidentais falharam a reintegração dos antigos SS, eles conseguiram, pelo contrário, por todo o lado erradicar a sua ideologia: o nazismo. Ela só se manteve através dos SS reciclados nas redes stay-behind (retaguarda-ndT) encarregues de sabotar a economia soviética, nos países Bálticos e na Ucrânia, onde ela ressurgiu hoje em dia.

Aquando da sua criação, as Nações Unidas foram sobretudo uma coordenação internacional para a desnazificação e a luta contra a propaganda de guerra. Todos os seus Estados-membro interditaram os símbolos e as publicações nazistas. O partido nazista, o NSDAP, foi dissolvido, e a propaganda de guerra censurada. Ora, ninguém, com excepção da Federação da Rússia e de seus aliados, parece actualmente se preocupar em lutar contra a ideologia do islão político e contra o seu partido: a Confraria dos Irmãos Muçulmanos.

A título de exemplo, a França dispõe de uma instituição encarregada de representar os muçulmanos do país. Ela conseguiu que dois representantes da Irmandade aí tivessem assento, e em retirar a presidência a um funcionário argelino para a confiar a um membro da Milli Görüş turca. Simultaneamente, ela organiza uma campanha de imprensa mundial contra Tariq Ramadan, o neto do fundador dos Irmãos Muçulmanos, actualmente processado num caso criminal. A ideia é a de personalizar o debate, de maneira a fazer desaparecer da vista este símbolo embaraçoso, sem, portanto, existir uma discussão sobre a ideologia da Irmandade.

A Confraria dos Irmãos Muçulmanos já tinha sido dissolvida no final da Segunda Guerra Mundial, tanto em razão dos assassínios políticos, que ela havia perpetrado no Egipto, como pelas informações que ela tinha fornecido à Alemanha nazi. Mas nada foi feito contra a sua ideologia. Pior, o MI6 britânico aproveitou-se do encarceramento dos seus principais dirigentes para reorganizar a Confraria à sua imagem. A situação não mudou. Após o desastroso episódio de Mohammed Morsi, o Egipto proibiu novamente a Confraria, mas o Presidente Abdel Fattah al-Sissi, ansioso em pacificar o seu país, deixou a sua esposa usar o véu (o véu não tem nenhuma relação com o Islão e apenas apareceu com os califas de Bagdade).

Os Iraquianos e os Sírios acabam de derrubar o Califado do Daesh(EI), mas a batalha está longe de estar terminada. Uma parte dos jiadistas prossegue a sua missão, enquanto que a sua ideologia continua a ter a direitos de cidadania. Uma vez mais, é muito difícil aos Ocidentais abandonar um instrumento tão útil à sua estratégia.

Thierry Meyssan* | Voltaire.net | Tradução Alva

* Intelectual francês, presidente-fundador da Rede Voltaire e da conferência Axis for Peace. As suas análises sobre política externa publicam-se na imprensa árabe, latino-americana e russa. Última obra em francês: Sous nos yeux. Du 11-Septembre à Donald Trump. Outra obras : L’Effroyable imposture: Tome 2, Manipulations et désinformations (ed. JP Bertrand, 2007). Última obra publicada em Castelhano (espanhol): La gran impostura II. Manipulación y desinformación en los medios de comunicación (Monte Ávila Editores, 2008).

Notas:
 [1] “Imagining a Remapped Middle East” («Imaginando um Médio-Oriente Redesenhado»- ndT), Robin Wright, The New York Times Sunday Review, September 8, 2013.
[2] Inside the League, Scott & Jon Lee Anderson, Dodd Mead & Company, 1986. « La Ligue anti-communiste mondiale, une internationale du crime » («A Liga anti-comunista mundial, uma internacional do crime»- ndT), par Thierry Meyssan, Réseau Voltaire, 12 mai 2004.
[3] “Secret Alliance : Israel Carries Out Airstrikes in Egypt, With Cairo’s O.K.” (“Aliança Secreta : Israel Leva a Cabo Ataques Aéreos no Egipto, com o OK do Cairo”- ndT), , David D. Kirkpatrick, The New York Times, February 3, 2018.
[4] “Segredos, mentiras e confusão USA no Norte da Síria”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Al-Watan (Síria) , Rede Voltaire, 23 de Janeiro de 2018.
[5] « Islamistas libios se desplazan a Siria para "ayudar" a la revolución », Daniel Iriarte, ABC, 17 de diciembre de 2011. « L’Armée syrienne libre est commandée par le gouverneur militaire de Tripoli » (‘O exército sírio livre é comandado pelo governador militar de Tripoli»-ndT), par Thierry Meyssan, Réseau Voltaire, 18 décembre 2011,
[6] Sobre a história do Daesh e a do Presidente Erdoğan, refira-se à obra Sous nos Yeux, de Thierry Meyssan, éditions Demi-lune, 2017.
[7] The Pentagon’s New Map, Thomas P. M. Barnett, Putnam Publishing Group, 2004. “O projecto militar dos Estados Unidos pelo mundo”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 22 de Agosto de 2017.
[8] “O islão político contra a China”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 3 de Outubro de 2017.

ISRAEL | O escândalo que assombra Netanyahu


Como o primeiro-ministro de Israel se viu enredado em mais um caso de suspeita de corrupção, desta vez envolvendo a poderosa siderúrgica alemã ThyssenKrupp.

Os personagens: Benjamin Netanyahu, o primeiro-ministro mais longevo de Israel, e uma das maiores corporações industriais da Alemanha. E agora esses dois foram flagrados em um escândalo que pode derrubar o governo israelense.

Dois homens próximos a Netanyahu são suspeitos de terem feito lobby para que funcionários do setor de defesa israelense optassem pela compra de um modelo de submarino produzido pelo braço naval da gigante do setor siderúrgico ThyssenKrupp, baseada em Essen, no oeste alemão. Os israelenses têm sido ao longo dos anos compradores fiéis de submarinos alemães nucleares e não nucleares.

A história começou em outubro passado, quando o governo alemão aprovou um acordo de 2 bilhões de euros (8 bilhões de reais) para vender três submarinos Dolphin e quatro corvetas da ThyssenKrupp para a Marinha israelense.

Berlim chegou a congelar o acordo por três meses, enquanto o caso gerou escândalo em Israel, mas acabou por aprová-lo. Em Israel, a investigação – chamada "caso 3000" – envolve funcionários do establishment militar israelense, bem como trabalhadores locais da ThyssenKrupp.

Netanyahu não é, por enquanto, um suspeito no caso, mas duas pessoas do círculo de confiança do primeiro-ministro foram convocadas para depor pela polícia israelense no início de novembro.

Uma dessas pessoas é o enviado diplomático de Netanyahu, Yitzhak Molcho, enquanto o outro é David Shimron, um dos confidentes mais próximos de Netanyahu, que foi descrito pelo jornal Jerusalem Post como  "mão direita" do político.

Shimron não é apenas o advogado de família de Netanyahu (quando jovem ele era próximo do falecido irmão de Netanyahu, Yoni), mas também atuou como representante do agente da ThyssenKrupp em Israel, Miki Ganor, que também é apontado como suspeito no caso.

A mãozinha de Sigmar Gabriel

Em novembro passado, Raviv Drucker, repórter da rede de TV Channel 10 de Israel, revelou que investigadores estavam analisando alegações de que Shimron fez lobby junto a funcionários da Defesa israelense em nome da ThyssenKrupp.

Drucker acompanhou o caso por mais de um ano. Ele sentiu que havia algo errado no negócio com a ThyssenKrupp, especialmente a compra das corvetas, que o governo havia apontava como necessárias para a proteção de seus campos de gás no Mar Mediterrâneo.

"A Marinha israelense queria inicialmente comprar corvetas da Coreia do Sul", disse ele à emissora alemã NDR na semana passada. "Mas eles acabaram mudando de ideia. De repente, os navios necessários eram alemães, mesmo sendo muito maiores e com prazo de entrega mais demorado.”

Miki Ganor é visto como uma figura central nesse escândalo. Agente da ThyssenKrupp em Israel desde 2009, ele virou um delator em julho de 2017, quando foi preso por suspeita de subornar as autoridades do governo israelense para beneficiar a empresa alemã.

Ninguém do lado alemão quer falar muito sobre o tema. Acredita-se que a Chancelaria tenha congelado a autorização do acordo da ThyssenKrupp por três meses no ano passado, mas então o ministro das Relações Exteriores da Alemanha, Sigmar Gabriel, acabou mediando a disputa (talvez para melhorar sua própria relação com Netanyahu, que à época estava abalada).

A ThyseenKrupp disse que está planejando uma investigação interna sobre o caso. A empresa também suspendeu seu contrato com Ganor. O Ministério da Defesa alemão declarou que o episódio é "um caso interno israelense".

Mesmo com tudo isso, o negócio permanece de pé. A construção das quatro corvetas começou no início de fevereiro, nos estaleiros em Kiel, na costa báltica da Alemanha.

Este não é o primeiro caso de corrupção envolvendo Netanyahu ou alguém do seu círculo. Em  2016, ele se viu obrigado a se defender durante as investigações do "caso 1000”, um escândalo envolvendo presentes ofertados por milionários.
Já o "caso 2000” envolve acusações de que o primeiro-ministro fechou um acordo com um magnata da mídia para que a cobertura do governo fosse positiva. Em troca ele teria oferecido prejudicar um jornal concorrente. 

Ben Knight (jps) | Deutsche Welle

JACOB ZUMA | Presidente da África do Sul renuncia


Envolvido em uma série de escândalos e pressionado pelo próprio partido, Jacob Zuma anuncia saída do cargo que ocupava há quase uma década. Político é alvo de centenas de acusações de corrupção.

O presidente da África do Sul, Jacob Zuma, renunciou nesta quarta-feira (14/02) ao cargo em um pronunciamento na TV estatal do país. O político, que comandava a presidência desde 2009 e contra quem pesam centenas de acusações de corrupção, acatou um ultimato do próprio partido, o Congresso Nacional Africano (CNA).

"Fui obrigado a me demitir como resultado de um voto de falta de confiança estabelecido pelo CNA", disse Zuma, citando a ameaça feita por membros do seu partido de convocar na quinta-feira uma votação no Parlamento sul-africano para expressar que não estavam mais apoiando seu governo. O antecessor de Zuma, Thabo Mbeki, foi forçado a deixar o cargo da mesma maneira em 2008. 

"Eu, portanto, tomei a decisão de deixar o cargo de presidente da República com efeito imediato. Embora eu não concorde com a decisão da liderança do meu partido, sempre fui membro disciplinado do CNA", completou. Caso não renunciasse, Zuma corria o risco de ser destituído pelo Parlamento. Mais cedo, numa entrevista, ele havia adotado um tom mais desafiador, dizendo que não pretendia renunciar. 

Zuma, um veterano da luta antiapartheid, enfrentava uma série de escândalos de corrupção que arranharam sua imagem. Ele estava envolvido em uma disputa com uma facção rival do seu partido, liderada pelo vice-presidente Cyril Ramaphosa, que agora vai assumir provisoriamente a presidência no país.

A expectativa é que Ramaphosa seja confirmado como o novo chefe do Executivo com mandato até maio de 2019 pelo Parlamento nesta quinta-feira. Ramaphosa será o quinto presidente da África do Sul desde o fim do apartheid, em 1994. Todos os chefes do Executivo desde então foram filiados ao CNA.

Há cerca de dois meses, o rival de Zuma assumiu o posto de presidente do CNA, acelerando a derrocada do chefe de Estado. Zuma havia apostado na candidatura de Nkosazana Dlamini-Zuma, sua ex-mulher, como líder do CNA. A derrota da candidatura da apadrinhada do presidente foi vista como uma vitória para os reformista do CNA. 

Escândalos de corrupção

Zuma já havia sobrevivido a várias moções de censura. Em agosto do ano passado, o Parlamento da África do Sul rejeitou uma moção contra o presidente.

A crise evidencia a desordem vigente no CNA, partido que foi o principal movimento contra o governo de minoria branca e que lidera a África do Sul desde o fim do apartheid, em 1994. Antes com o status moral de ser o partido de Nelson Mandela, o CNA teve sua popularidade abalada pelos escândalos de corrupção ligados a Zuma.

O agora ex-presidente é alvo de quase 800 acusações de corrupção, entre elas as relativas a contratos de armas do final dos anos 1990 e a investigações por ter usado o Estado para favorecer empresários vinculados com concessões públicas milionárias. Ele nega as acusações.

Em 2016, o Tribunal Constitucional da África do Sul obrigou Zuma a ressarcir o Estado em 500 mil euros gastos de forma irregular na reforma de sua residência particular.

JPS/ots | Deutsche Welle

Nuno Melo e o preservativo


Carlos Carvalhas* | Jornal de Notícias | opinião

O "honorável" deputado ao Parlamento Europeu Nuno Melo não gostou do que se afirmou em crónica da TSF sobre as razões porque o FMI divulgou em Davos um relatório sobre as desigualdades entre gerações que, a meu ver, não foi inocente, tendo por objetivo desviar as atenções do relatório da Oxfam, que revelou a escandalosa acentuação das desigualdades e a apropriação da riqueza criada em 2017 por uma minoria.

Não gostou que se tivesse afirmado que os comentadores de Direita que nunca se debruçaram sobre o relatório da Oxfam se tivessem apressado a comentar o relatório do FMI e deste terem saltado para o envelhecimento da população.

Não gostou que se tivesse afirmado que a acentuação das desigualdades entre gerações e o próprio envelhecimento da população no nosso país resultam também em boa parte (não se disse que era primordial) da acentuação das desigualdades entre o capital e os rendimentos do trabalho e, para o contestar, cita outros países, designadamente do Terceiro Mundo (a que chama razão da ciência).

Ora, nas sociedades rurais e em países pouco "urbanizados" em que uma parte significativa da população vive no campo, tal como acontecia no nosso país, quando uma boa parte da população vivia da agricultura, as famílias numerosas são a norma. Quando afirmei que uma família numerosa é quase um sinal exterior de riqueza, sublinhei "especialmente nos meios urbanos" e referi especificamente o nosso país.

O "honorável" deputado concede que o emprego e a habitação têm importância na demografia, mas nega que no nosso país as desigualdades entre os rendimentos do capital e do trabalho sejam um fator limitador da natalidade e do envelhecimento da população. Mas então a saída de jovens em idade fértil para o estrangeiro não se deve às dificuldades e perspetivas de futuro? E isto nada tem a ver com a concentração de riqueza? O adiamento em ter filhos e em planearem o segundo filho não tem a ver com as condições de rendimento dos casais jovens?

Para o deputado, o grande combate ao envelhecimento da população estaria na diminuição dos impostos sobre os combustíveis (como se o Governo PSD/CDS não os tivesse aumentado) e na diminuição dos "custos dos veículos com maior capacidade, inevitáveis a quem tem mais filhos"! Como se hoje no nosso país, nos meios urbanos, não fossem as famílias ricas com possibilidades de comprarem esses carros, as que têm e podem ter famílias mais numerosas. Quanto aos impostos que cita, basta lembrar-lhe o "brutal aumento de impostos" do vosso ministro Vítor Gaspar, a queda brutal do PIB e do investimento, o aumento do desemprego e as quebras sucessivas do emprego, as reduções no subsídio de desemprego, no rendimento social de inserção... para não falar dos apelos à emigração do vosso querido Governo!

Nuno Melo fica com os cabelos em pé quando se fala em melhor distribuição do rendimento nacional e sobretudo nos aumentos do rendimento do capital.

Só faltou a Nuno Melo, em seu abono citar a tese do seu ex-colega de bancada, o deputado Morgado, para quem só deveria haver "ato sexual" para procriar! Sem preservativo, talvez a natalidade aumentasse, por isso, na sinecura do Parlamento Europeu, o que lhe sugiro é que releia os versos de Natália Correia sobre o "truca-truca" do Morgado, a verdadeira "demografia do CDS".

"Já que o coito - diz Morgado - tem como fim cristalino, preciso e imaculado fazer menina ou menino; e cada vez que o varão sexual petisco manduca, temos na procriação prova de que houve truca-truca. Sendo pai só de um rebento, lógica é a conclusão de que o viril instrumento só usou - parca ração! uma vez. E se a função faz o órgão - diz o ditado - consumada essa exceção, ficou capado o Morgado". Ponto Final

* Membro do Comité Central do PCP

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