quinta-feira, 12 de abril de 2018

ESTAMOS À BEIRA DO ABISMO


Não se trata do policial de Raymond Chandler. É mesmo o abismo da guerra iminente. No Médio Oriente, para começar; na Europa e no Mundo, talvez. Os imperialistas preparam um novo Sarajevo. E os povos?

José Goulão | AbrilAbril | opinião

Quem leu o artigo recentemente publicado neste espaço sob o título «Os dias de uma guerra apenas sem data» perceberá de modo elementar que o momento de um conflito de enormes dimensões está mais próximo.

O golpe planeado foi denunciado

O golpe aparentemente delineado em Londres pelos serviços secretos da senhora May, com conhecimento directo do ex-secretário de estado norte-americano Rex Tillerson e do presidente francês Emmanuel Macron, está em andamento, apesar de ter sido denunciado e desmascarado em tempo útil. A conspiração assenta num patamar superior de tensão internacional criado pela conjugação dos efeitos da rábula em torno da tentativa de assassínio do ex-espião duplo Skripal e filha e de um suposto ataque com armas químicas na Síria, a atribuir imediatamente às forças governamentais.

O plano conspirativo foi conhecido e desmascarado internacionalmente por serviços secretos sírios e russos, o que permitiu a tropas sírias desmantelarem dois laboratórios de armas químicas geridos por terroristas afectos à Al-Qaida. Estes factos ocorreram há quase um mês.

Além disso, os episódios da novela em torno da tentativa de assassínio de Skripal e filha estão longe de concluídos – afinal as duas vítimas estão vivas e estabilizadas quando, de acordo com as doses de veneno citadas por fontes governamentais britânicas – mas não segundo a Scotland Yard – deveriam ter morrido imediatamente, sem mesmo poderem deslocar-se a pé até ao local onde foram descobertas e socorridas.

Acresce que duas semanas depois de o ministro britânico dos Negócios Estrangeiros, Boris Johnson, também conhecido pelo «Trump britânico», ter garantido que o veneno usado era de fabrico russo, cientistas britânicos sentiram-se obrigados a desmenti-lo, em nome da seriedade do seu trabalho. Um responsável do laboratório de Porton Down, a 15 quilómetros do local onde Skripal foi descoberto, declarou à televisão Sky News, em seu nome e dos colegas, que não tinham possibilidade de provar que o produto tóxico usado contra o espião reformado fosse de origem russa.

A preparação para a guerra segue o seu curso

Os últimos dados informativos sérios revelam que a denúncia do complot não desmotivou os autores – que confiam numa comunicação favorável – e, uma vez que a derrota em Ghuta os impediu de desenvolver o plano neste território, transferiram o episódio com armas químicas para Duma, zona síria ainda em mãos dos «rebeldes moderados», isto é, a Al-Qaida.

Existem versões contraditórias sobre ter existido, ou não, um ataque com armas químicas em Duma. Independentemente disso, o Conselho de Segurança da ONU já está a debater o assunto como se fosse realidade absoluta e, além disso, um crime indubitavelmente da responsabilidade das forças governamentais sírias, as únicas, segundo a embaixadora norte-americana no Palácio de Vidro1, que teriam condições para usar tais produtos. Que verdadeiramente se ignora quais sejam, ou mesmo se foram usados2.

Tal como estava previsto no golpe original, cabe agora ao presidente norte-americano, Donald Trump, decidir o tipo de retaliação militar contra a Síria, e contra os seus aliados russos. E o assunto, ao que parece, está a desenvolver-se rapidamente. Deste feita, ao contrário de há pouco mais de um ano, quando a «retaliação» a um ataque com armas químicas, afinal da responsabilidade dos «rebeldes», foi o ataque à base aérea governamental de Cheyraat, desta feita o alvo previsto é a própria cidade de Damasco.

Isto é, Trump toma em mãos a obra inacabada pela Al-Qaida, que durante meia dúzia de anos bombardeou Damasco a partir de Ghuta sem atingir o objectivo de derrubar o governo legítimo da Síria. CITAÇÃO

Um frente-a-frente perigoso, irresponsável e potencialmente mortífero

Estes episódios decorrem enquanto a força aérea de Israel bombardeia território sírio de tempos a tempos, situação que está certamente na origem da actual chamada de um enviado israelita ao Ministério dos Negócios Estrangeiros em Moscovo. O plano golpista original prevê um bombardeamento de Damasco com as mesmas características do que atingiu Bagdade em 2003, ou seja, em vagas sucessivas durante dias consecutivos.

Desta feita, porém, e ainda em Março, Moscovo advertiu que não assistirá impávido aos acontecimentos. O aviso emitido então pelo chefe da diplomacia russa, Serguei Lavrov, já foi repetido agora por vozes autorizadas do Kremlin.

Entretanto, Trump contactou Macron – o mesmo que se confessou tão irritado com a transferência da embaixada norte-americana em Israel para Jerusalém – mas ambos estão de acordo com a versão oficial do «ataque sírio com armas químicas» e, portanto, sobre a retaliação3. A posição do Reino Unido sobre estas matérias é mais do que conhecida.

O mundo «civilizado» continua a esticar a corda. Passou da fase da expulsão de diplomatas à iminência da guerra em armas para assassinar um presidente e mudar o regime de um país, tal como no Iraque e na Líbia. Mais uma agressão contra o direito internacional que, porém, coloca agora frente-a-frente as duas principais potências militares mundiais, no limite os dois blocos da bipolaridade planetária mais letal e irresponsável de sempre.

Notas:
1.Nome pelo qual é conhecido, em Nova Iorque, o edifício da Organização das Nações Unidas (ONU).
2.Três moções serão apresentadas na sessão da próxima quinta-feira: uma pelos EUA e duas pela Rússia. A moção americana e uma das moções russas opõem-se e serão, tudo indica, reciprocamente vetadas. Porém, a Rússia vai apresentar uma segunda moção que pode ser subscrita por qualquer país «desejoso de estabelecer a verdade»: «Russia also asked the council to vote on a second new draft resolution on Tuesday that would specifically support sending investigators from the global chemical weapons watchdog to the site of an alleged deadly attack last Saturday. “US, UK and France can prove they want to establish truth by supporting this move,” Russia’s Deputy U.N. Ambassador Dmitry Polyanskiy posted on Twitter on Tuesday. The Organisation for the Prohibition of Chemical Weapons said on Tuesday that inspectors would travel to the Syrian rebel-held town of Douma to investigate reports of the attack that killed as many as 60 people». Ver «U.N. to vote three times on Syria as U.S., Russia duel», Reuters, 10 de Abril de 2018.
3.A possibilidade de serem disparados mísseis de cruzeiro a partir de vasos de guerra franceses acaba de causar um momento de tensão entre militares russos e franceses. Ver «Amid Syria tensions, Russian jet flies low over French warship», Euronews, 10 de Abril de 2018.

PORTUGAL | Novo Banco, novo dono, velhas práticas

Os donos mudaram mas a forma como o Novo Banco gere os prejuízos não. Para além de pedir um subsídio do Estado, vai fechar mais 70 balcões, 35 dos quais já este mês, e despedir 400 trabalhadores.

As perdas registadas pelos bancos nos últimos anos, fruto da imprudência e, nalguns casos, da má gestão do passado, tiveram como reacção imediata os despedimentos e o fecho de balcões. De tal forma que, mesmo voltando aos lucros, os bancos continuam a fazê-lo.

O Novo Banco é um caso à parte. O estrago da gestão da família Espírito Santo foi tão profundo que, quase quatro anos depois da falência e da injecção de 4,9 mil milhões de euros por parte do Estado, continua a dar prejuízo.

O negócio ruinoso para o Estado, negociado pelo especialista em privatizações Sérgio Monteiro (ex-secretário de Estado dos Transportes), de entrega do Novo Banco ao fundo abutre Lone Star, não só não previu o reembolso dos muitos milhares de milhões de dinheiros públicos lá injectados, como assumiu para o Estado a factura de parte dos futuros prejuízos. Este ano, são cerca de 800 milhões de euros que o Estado vai ter que pagar, via Fundo de Resolução.

Para além disso, a administração liderada por António Ramalho tem previstas outras medidas para fazer frente aos maus resultados: despedimentos e fecho de balcões.
Ramalho afirmou, em entrevista à SIC Notícias, que o Novo Banco vai encerrar 35 balcões já este mês, de um total de 70 que devem fechar portas até ao final do ano. Como é habitual nestes processos, o encerramento de balcões é acompanhado pela saída de mais de 440 trabalhadores.

O objectivo da administração é atingir cerca de 5 mil trabalhadores e de 400 balcões. A 4 de Agosto de 2014, quando foi alvo da medida de resolução, o BES tinha 674 balcões e 7887 trabalhadores. Até Julho do ano passado, a redução já tinha atingido 199 balcões e 2181 trabalhadores.

AbrilAbril

O fim do Direito Internacional?


Thierry Meyssan*

A guerra contra o Médio-Oriente Alargado deveria terminar com a retirada das tropas dos EUA nos seis meses próximos. Nada prova, no entanto, que a paz se instalará em cada um dos países atacados. Assistimos actualmente ao que parece ser uma tentativa de acabar, a propósito, com o Direito Internacional. Consolidaria isso uma divisão do mundo em duas partes ou daria origem a um conflito generalizado?

Desejam os Ocidentais acabar com as normas do Direito Internacional? Foi a interrogação que colocou o Ministro russo dos Negócios Estrangeiros (Relações Exteriores-br), Serguei Lavrov, na Conferência sobre a Segurança Internacional de Moscovo [1].

No decurso dos últimos anos, Washington promoveu o conceito de «unilateralismo». O Direito Internacional e as Nações Unidas deviam apagar-se perante a força dos Estados Unidos.

Esta concepção da vida política tem origem na própria história dos EUA : os colonizadores que vinham para as Américas entendiam viver aí como muito bem lhes parecia e desse modo prosperar. Cada comunidade elaborava as suas próprias leis e recusava a intervenção do governo central nos seus assuntos locais. O Presidente e o Congresso Federal estão encarregues da Defesa e dos Negócios Estrangeiros, mas, tal como os cidadãos, eles não aceitam uma autoridade acima da sua.

Bill Clinton atacou a Jugoslávia violando assim alegremente o Direito Internacional. George Bush Jr fez o mesmo contra o Iraque e Barack Obama contra a Líbia e a Síria. Donald Trump, quanto a ele, jamais escondeu a sua desconfiança “vis-à-vis” das regras supra-nacionais.

Fazendo alusão à doutrina Cebrowski-Barnett [2], Serguei Lavrov declarou : «Tem-se claramente a impressão que os Norte-americanos buscam manter um estado de caos controlado neste imenso espaço geopolítico [o Próximo-Oriente], esperando utilizá-lo para justificar a presença militar dos EUA na região sem limite de tempo, afim de promover a sua própria ordem do dia».

O Reino Unido tomou, ele também, as suas liberdades com o Direito. No mês passado, acusou Moscovo no «caso Skripal», sem a menor prova, e tentou reunir uma maioria na Assembleia Geral da ONU para excluir a Rússia do Conselho de Segurança. Seria, evidentemente, mais fácil para os Anglo-Saxónicos escrever unilateralmente o Direito sem ter que levar em conta a opinião dos seus contraditores.

Moscovo não crê que Londres tenha assumido, por si mesma, uma tal iniciativa. Considera que é sempre Washington quem dirige o baile.

A «globalização», isto é, a «mundialização dos valores anglo-saxónicos», criou uma sociedade de classes entre Estados. Mas não se deve confundir este novo problema com a existência do direito de veto. Claro, a ONU, embora afirmando a igualdade entre os Estados, independentemente do seu tamanho, distingue no seio do Conselho de Segurança cinco membros permanentes, os quais dispõem do direito de veto. Este directório, dos principais vencedores da Segunda Guerra Mundial, é uma necessidade para que eles aceitem o princípio de um Direito Supranacional. No entanto, quando este directório falha em ditar a Lei, a Assembleia Geral pode substituí-lo. Pelo menos em teoria, já que os Estados menores que votam contra um grande devem aguentar com medidas de retaliação.

A «mundialização dos valores anglo-saxónicos» esquece a honra e valoriza o lucro, de tal modo que o peso das propostas de um Estado mede-se agora unicamente ao nível do desenvolvimento económico do país. No entanto, três Estados conseguiram no decurso dos três últimos anos ser ouvidos com base nas suas propostas e não em função da sua economia: o Irão de Mahmoud Ahmadinejad (hoje em dia em prisão domiciliar no seu próprio país), a Venezuela de Hugo Chávez e a Santa Sé.

A confusão engendrada pelos valores anglo-saxónicos levou ao financiamento de organizações intergovernamentais com dinheiro privado. Com uma coisa levando a outra, os Estados-membros da União Internacional das Telecomunicações (UIT), por exemplo, abandonaram progressivamente o seu poder de promoção em benefício dos operadores privados de telecomunicações, reunidos no seio de um Comité «consultivo».

A «comunicação», novo nome da «propaganda», impõe-se nas relações internacionais. Do Secretário de Estado dos EUA brandindo um ampola de pseudo-antraz até ao Ministro britânico dos Negócios Estrangeiros mentindo sobre a origem do “Novitchok” de Salisbúria, a mentira substituiu-se ao respeito, dando lugar à desconfiança.

A seguir aos primeiros anos após a sua criação, a ONU tentou interditar a «propaganda de guerra», mas hoje em dia são os próprios membros permanentes do Conselho de Segurança quem a ela se dedicam.

O pior aconteceu em 2012, quando Washington conseguiu fazer nomear um dos seus piores falcões, Jeffrey Feltman, como numero 2 da ONU [3]. Desde essa data, as guerras são orquestradas em Nova Iorque a partir da instituição suposta de as prevenir.

A Rússia interroga-se hoje quanto à possível vontade dos Ocidentais em bloquear a ONU. Neste caso, ela criaria uma instituição alternativa, mas, claro, não restaria, assim, mais qualquer fórum para permitir aos dois blocos debater.

Da mesma maneira em que uma sociedade se transforma num caos, onde o homem se torna o lobo do outro homem, quando está privada do Direito, do mesmo modo o mundo irá tornar-se num campo de batalha se abandona o Direito Internacional.


*Intelectual francês, presidente-fundador da Rede Voltaire e da conferência Axis for Peace. As suas análises sobre política externa publicam-se na imprensa árabe, latino-americana e russa. Última obra em francês: Sous nos yeux. Du 11-Septembre à Donald Trump. Outra obras : L’Effroyable imposture: Tome 2, Manipulations et désinformations (ed. JP Bertrand, 2007). Última obra publicada em Castelhano (espanhol): La gran impostura II. Manipulación y desinformación en los medios de comunicación (Monte Ávila Editores, 2008).

Notas:
[1] « Allocution de Sergueï Lavrov lors de la 7e Conférence de Moscou sur la sécurité internationale » («Alocução de Serguei Lavrov na 7ª Conferência de Moscovo sobre a Segurança Internacional»- ndT), par Sergueï Lavrov, Réseau Voltaire, 5 avril 2018.
[2] “O projecto militar dos Estados Unidos pelo mundo”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 22 de Agosto de 2017.
[3] “A Alemanha e a ONU contra a Síria”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Al-Watan (Síria), Rede Voltaire, 28 de Janeiro de 2016. “Feltman mantido na ONU”, Tradução Alva, Rede Voltaire, 16 de Fevereiro de 2017.

Há tempos que a guerra na Síria não é mais sobre Assad


Direcionada à Rússia, a ameaça de Trump de bombardear a Síria mostra o emaranhado de interesses do conflito. Há um vácuo de poder na região, que as potências tentam preencher de forma cada vez mais decisiva.

ameaça do presidente americano, Donald Trump, de bombardear a Síria levou a temores de que a guerra, que já se estende por mais de sete anos, entrasse num novo patamar.

Os mísseis americanos teriam como alvo o regime de Bashar al-Assad, que seria o responsável pelo ataque químico em Duma. Mas a guerra civil síria há muito tempo já não se trata mais apenas sobre o ditador, como deixou claro o próprio tuite de Trump.

"A Rússia ameaçou derrubar todos os mísseis disparados na Síria. Prepare-se, Rússia, porque eles vão chegar, bonitos, novos e 'smart'. Vocês não deveriam ser parceiros desse animal que mata com gás seu próprio povo e tem prazer nisso", escreveu o presidente americano.

A Casa Branca depois tratou de aplacar os temores de uma ofensiva – "todas as opções estão sobre a mesa" – mas a ameaça de Trump expõe dois desenvolvimentos importantes no conflito.

Um é que atores importantes estão sendo arrastados de forma cada vez mais intensa para o conflito, como mostra a ofensiva turca sobre Afrin e o bombardeio sobre a base aérea síria de Taifour, que seria responsabilidade de Israel.

Ao mesmo tempo, cresce a tensão no Oriente Médio. A guerra deixou um vácuo de poder na região, que as potências – não apenas regionais – tentam preencher de forma cada vez mais decisiva.

Nesta guerra, há muito tempo o mais importante deixou de ser os interesses da oposição ou Assad. Em jogo está algo de maior dimensão. Enquanto Rússia e Irã, aliados do regime sírio, tentam ampliar sua influência na região, seus adversários – sobretudo EUA e, cada vez mais, Israel – tentam evitar isso.

"A mais alta prioridade da política americana consiste em apoiar Israel", afirma Günter Meyer, diretor do centro de estudos do mundo árabe da Universidade de Mainz. E isso, lembra o especialista, Trump fez questão de destacar continuamente. "Por isso a luta contra o Irã tem prioridade alta – funciona como ameaça a Israel."

O mesmo vale para o movimento radical libanês Hisbolá. Segundo Meyer, o objetivo é minar o chamado "eixo xiita", que começa no Irã e passa por Iraque, Síria e Líbano até a fronteira de Israel. Por isso, continua o especialista, os americanos aumentaram significativamente sua presença no leste sírio.

"Já se fala atualmente numa 'meia-lua americana', que passa por todo o nordeste sírio e se estende até a Jordânia", diz Meyer. A meta: criar um arco de proteção a Israel.

Irã, curdos e Hisbolá

O jornal em árabe Al-Araby Al-Jadeed, publicado em Londres, coloca o conflito num contexto maior: a Síria virou cenário de numa guerra por procuração entre EUA e Rússia. Outros palcos para esse conflito seriam a Ucrânia, no sentido militar, e a Líbia, no sentido diplomático.

"As relações russo-americanas entraram numa fase delicada", diz o jornal. "Se Rússia e EUA se envolverem militarmente (num conflito) no Oriente Médio, não apenas a guerra na Síria se intensificaria: poderia haver consequências para toda a região."

Os EUA há tempos veem a Síria de Assad de forma crítica. Quando os americanos invadiram o Iraque, em 2003, Damasco permitiu que jihadistas sírios e estrangeiros cruzassem sem problemas a fronteira.

Ali, eles ajudaram a criar uma resistência às tropas americanas. A mensagem de Damasco para Washington era clara: nem pensem em invadir a Síria. Naquela altura, já estava claro que o regime de Assad estava perdendo simpatia em Washington.

Segundo Meyer, na crise atual, trata-se sobretudo de minar a Síria, de modo que o país não seja mais um adversário forte. "As partes desintegradas do país se deixam jogar umas contras as outras", comenta o analista político.

O cenário se complica também pelo fato de o Hisbolá, apoiado pelo Irã, se aproximar cada vez mais da fronteira com Israel através das Colinas do Golã. E o regime de Assad, aliada de ambos, costuma pôr a Síria à frente da resistência a Israel.

Um contraponto a essa política é levado pelos curdos no norte da Síria. Mas, no momento, eles estão tendo que lidar com uma ofensiva turca na região de Afrin. Os curdos querem uma região autônoma para si, o que vai ao encontro dos interesses de israelenses. "Israel já declarou que apoia um Estado independente curdo", diz Meyer. "Isso mostra também do que se trata essa guerra."

Kersten Knipp | Deutsche Welle

SPORTING BdC | A sombra que aí vem


Miguel Guedes | Jornal de Notícias | opinião

Uma das questões que pendem no fio de prumo é a de saber se os problemas de Bruno de Carvalho são maiores do que os problemas do Sporting, nomeadamente aqueles que criou. A tentação mais imediata de todos aqueles que foram atacados por Bruno de Carvalho ao longo dos anos - e poucos escaparam - seria a de proceder ao ajuste de contas, amargo travo de gosto duvidoso no contorno das facas longas. A natureza humana tem departamentos de loucura e felicidade que facilmente se confundem com tragédia. E há quem seja mestre dessa notação. Por vezes, basta o reflexo da curva, um acervo de dificuldades ou laçados nós que ninguém julgaria ou poderia antecipar. É tanto o homem que se confunde com algo maior, como é o homem cuja providência não lhe assiste no simulacro de megalomania. É muito curioso, perante a espiral destes dias, como assistimos - em simultâneo - ao recato e prudência daqueles que o presidente do Sporting permanentemente ofendeu e ao ataque feroz de muitos daqueles que sempre lhe passaram um cheque em branco para tudo o que lhe antecipava um fim previsível.

Sendo que o tempo do fim não é certo. Numa altura em que a indefinição é o dado mais seguro, deveria ser o momento a convocar a sensatez de dizer pouco. A autodestruição ao vivo e em directo de um homem a que assistimos, foi ao longo dos anos apelidada por muitos como um facto menor de carácter, agora "burnout" clínico ou transtorno de personalidade e circunstâncias adjacentes. Em nome da reposição da grandeza que não deixou de ter e do corte umbilical com a época dos viscondes, há um dente do leão que sempre afiou as garras do líder sem cuidar de lhe dar a mão em consciência. Percebo que sejam esses os mais desiludidos com a sua perda de percepção última, mas é pouco admissível que sejam alguns deles os seus principais algozes em democracia. Bruno de Carvalho está mais do que legitimado, até pela sua soberba de legitimidade permanente. Só ele pode decretar o seu fim em juízo.

Independentemente dos dias que aí vêm numa realidade que não pode esperar, é a contenção que pode definir uma resolução em equilíbrio. Nada será como dantes. É absurdo pensar que a condição fundamental para qualquer continuidade seja a saída ou o corte com as redes sociais. A sombra de um homem. O fim dos absolutos poderes que ninguém mais tolerará a Bruno de Carvalho não tem que significar o absoluto regresso da turma dos nobres e do seu "catering". Sabe-se também que a perfeita divisão só acentuará a sombra do que será inevitável. Alguém imagina Bruno de Carvalho como ex-presidente em oposição? A palavra à inteligência emocional dos sócios numa Assembleia-geral que poderá reunir todos os males do clube numa sala transformada em jaula. Senão do leão, em nome do homem, que se resista à tentação do uso do chicote.

O autor escreve segundo a antiga ortografia

*Músico e jurista

AZAR, PODE VIR POR AÍ O NUCLEAR. HUMANO AVISADO VALE POR DOIS…

6 de agosto de 1945, 20 horas. Azar da humanidade... em Hiroxima
“Há dias de manhã em que à tarde não se pode sair à noite”, costumava-se dizer nos dias de más perspetivas e em que tudo nos corre mal desde as vésperas. Era isso e quando azares acontecia saía o Benfica à baila com cães à mistura: “Quando o Benfica perde até os cães nos mijam para os pés”. Atualmente existem outras expressões idiomáticas para protestarmos e comentarmos os azares, as expressões antigas já saíram de circulação, é uma questão de gerações idas e de acompanhar a modernidade. Adiante.

Hoje acordámos com mais Trump e o espectro da guerra, que pode escalar para o nuclear. Há os que consideram um exagero admitir tal eventualidade. Pois. Mas até Nicholas Burn, o vice-secretario de Estado de George W. Bush, o admite, como pode ler mais em baixo no espaço do Curto: "O problema, avisou Burns, “foi a forma como o presidente usou o Twitter. “Irresponsável”, disse, porque está em causa um choque que pode evoluir rapidamente para um confronto nuclear.” A humanidade tem nestes dias um grande azar, não porque nos dias de manhã não se possa sair à noite, nem por o Benfica perder e os cães alçarem a perna a considerar que somos uns postes ou candeeiros públicos. É que o que pode vir por aí é mesmo o nuclear com “choque e espanto”, como disse W. Bush ao invadir o Iraque – que ainda hoje está em guerra mais ou menos surda quando não há rebentamentos e pessoas pelos ares.

A seguir vai desembocar no Expresso Curto, laudas de Ricardo Marques, jornalista lá daquele burgo balsemanista e outras ilhargas. Abre com trampas do Trump e o berbicacho  na Síria, Rússia, Irão e arredores, até ver. E vai por aí em vários parágrafos. Longo. Tal é a apreensão do autor deste Curto. Termina a encontrar a felicidade porque se considera vivo, assim como os que hoje o conseguem ler… Como cantava o Fanhais: “Vemos, ouvimos e lê-mos, não podemos ignorar”. Também as “bombas de Hiroxima” são lembradas nesta canção. Que raio, mau prenúncio. É mesmo factual, não podemos ignorar que os senhores da guerra 'made in' Tio Sam e aliados estão a arregaçar as mangas para tramarem a humanidade.

Com tais perpetivas é impróprio desejar que tenham um bom dia, mas sim o melhor que conseguirem. Vão para o Curto e acompanhem a atualidade, porque humano avisado vale por dois. Pois. (MM | PG)

Bom dia este é o seu Expresso Curto

Pássaro de guerra

Ricardo Marques | Expresso

É como chover no molhado num dia de tempestade, mas é acima de tudo um sinal dos tempos.

Ontem, quase à mesma hora em que um dos homens mais poderosos do mundo admitia não ter controlo absoluto sobre a rede social que criara, um outro homem, presidente dos Estados Unidos da América, usava uma rede social para empurrar o mundo rumo ao que parece ser o descontrolo absoluto.

Eis o que Donald Trump escreveu no Twitter:

“Russia vows to shoot down any and all missiles fired at Syria. Get ready Russia, because they will be coming, nice and new and “smart!” You shouldn’t be partners with a Gas Killing Animal who kills his people and enjoys it!”

O passarinho azul foi o mensageiro da desgraça.

À hora a que lê estas linhas, os jornais e televisões norte-americanas já não discutem se haverá um ataque norte-americano na Síria, mas o que poderá acontecer após esse ataque e que papel poderão os Estados Unidos da América desempenhar .

Madeleine Albrigth, a antiga secretária de Estado, afirmou que não existe qualquer estratégia da administração e António Guterres, dirigindo-se ao Conselho de Segurança da ONU, pede aos seus membros que façam tudo para evitar que a situação fique "fora de controlo".

A Casa Branca, já depois da mensagem de Trump, insiste que todas as hipóteses estão em aberto, e o The New York Times põe as coisas em termos nada animadores: um ataque cirúrgico pode não ser suficiente, um ataque mais amplo pode fazer o conflito subir um nível no espectro da guerra e envolver russos e iranianos.

Os sinais de que algo pode estar prestes a acontecer são mais do que muitos. Após o aviso do Eurocontrol, que alertou para o perigo de ataques de mísseis, várias companhias aéreas já estão a reajustar as rotas que atravessam a região do Médio Oriente.

Ao mesmo tempo há navios militares norte-americanos a caminho do Médio Oriente. A Marinha dos EUA alega que a partida do grupo de batalha do porta-aviões “USS Harry S. Truman”, que deve chegar à região no início de maio, já estava agendada. Na segunda-feira tinha partido de Chipre o destroyer "USS Donald Cook", que leva a bordo os mesmos mísseis Tomahawk que os americanos usaram, há um ano, para bombardear a Síria pelos mesmo motivos.

Entrevistado ontem à noite na CNN, Nicholas Burn, o vice-secretario de Estado de George W. Bush, reconheceu queDonald Trump tem razão em tudo, menos no mais importante. “Espero que seja bem sucedido e que consiga debilitar as capacidades de Assad, que no último ano usou armas químicas nove vezes contra o seu povo.”. O problema, avisou Burns, foi a forma como o presidente usou o Twitter. “Irresponsável”, disse, porque está em causa um choque que pode evoluir rapidamente para um confronto nuclear.

É assim o mundo de Trump: se está em casa é investigado por ligações perigosas com os russos antes das eleições, se vai à rua fica a quase nada de lhes declarar guerra.

A Rússia não perde tempo e, de acordo com a Reuters, está a seguir com toda a atenção as movimentações militares americanas. Além disso, Moscovo refuta todas as acusações de envolvimento do regime sírio no uso de armas químicas, sugerindo que os ataques dos EUA têm um propósitomais obscuro. E esta manhã, o regime de Damasco assumiu o controlo de Ghouta e há soldados russos no terreno.

Em Londres, Theresa May, que abriu uma guerra diplomática com Moscovo nas últimas semanas (agora parece que uma equipa de televisão russa invadiu o hospital onde está o espião envenenado), convocou para hoje uma reunião de emergência do Governo para discutir os passos seguintes na questão Síria, dando conta de que “todos indícios” parecem confirmar que o regime de Assad usou armas químicas contra as populações.

A Bloomberg elege o presidente francês como o grande aliado de Trump no que quer que seja que vá acontecer. Macron é esperado nos Estados Unidos ainda este mês e uma coligação do eixo Paris-Londres-Washington é cada vez mais real.

Lembra-se dos post do Twitter com que começámos? A frase que se segue tem quase o mesmo número de caracteres:

“Enquanto não tiver batido o adversário mantenho-me receoso de que ele me abata. Eu não sou senhor dos meus actos, visto que o adversário me dita a sua lei, como eu lhe dito a minha”, Carl von Clausewitz.

Lembra-se do Expresso Curto de ontem? Aquele em que a Luísa Meireles perguntava “E se não acordarmos amanhã?”. Se chegou aqui é bom sinal. Para si, para mim e para todos. Acordámos.

Mas a pergunta não só se mantém - e se não acordamos amanhã? - como se tornou muito mais difícil arriscar uma resposta.

OUTRAS NOTÍCIAS

Claro que a mera possibilidade do fim do mundo não deve ser suficiente para nos distrair dos restantes assuntos de que é feita a atualidade. Eis a lista de temas de que provavelmente vai ouvir falar. Outras guerras.

O Conselho de Ministros aprova hoje o PE(C) - Plano de Estabilidade (anteriormente conhecido como Plano de Estabilidade e Crescimento), com a meta do défice a ser revista em baixa. O documento deve chegar ao Parlamento amanhã. O assunto anda a ser discutido há dias. O Bloco de Esquerda (aqui e aqui) e o PCP voltaram a manifestar-se contra as opções do Governo e já avisaram que não estão de acordo com as opções.

O CDS anunciou que vai insistir para que o PE (C) seja votado na Assembleia da República e o primeiro-ministro, de visita a Londres, mantém o otimismo, afirmando-o com um "não". Vale também a pena ler e ouvir o que disse Carlos Césarao almoço. E o que respondeu Luis Montenegro.

Marcelo Rebelo de Sousa, um admirador moderado do otimismo do chefe do Governo, mostrou-se preocupado com a tensão política nacional decorrente do PE(C). ”Uma crise política é indesejável e uma crise política envolvendo o OE é duplamente indesejável”, afirmou. O Público avança na manchete de hoje que a crise pode já estar mais avançada: “Centeno não cede e Marcelo avisa que sem OE marca eleições”

O Presidente da República, que chegou ontem ao Egipto para uma visita de dois dias, abordou também outros dos temas quentes da atualidade: as condições de tratamento de crianças com cancro no Hospital de São João, e para colocar pressão no Governo, garantindo que o problema "vai ser resolvido".

No Parlamento, o tema foi o assunto principal da intervenção da dupla Mário Centeno e Adalberto Campos Fernandes, numa audição conjunta das comissões de Saúde e Finanças. Conclusão: somos todos qualquer coisa.

Uma outra guerra em curso é que está instalada no Sporting Clube de Portugal. Nas últimas horas foi declarada uma espécie de trégua. A Tribuna publicou uma espécie de guia para os próximos dias. Claro que, à velocidade a que tudo vem acontecendo, o mais prudente será esperar pelo jogo de logo à noite com o Atlético de Madrid para ver o que sucede. É às 20h05. A revista Sábado traz o assunto na capa. O título: “O incrível Bruno de Carvalho”.

Por falar em futebol, daquele de que vale a pena falar e ver e rever, o Real Madrid bateu a Juventus naquele que terá sido um dos mais emocionantes jogos da presente edição da Liga dos Campeões. Os espanhóis, a jogar em casa, partiam com uma vantagem de três golos; os italianos responderam com outros tantos golos e, no fim, com um penálti no último minuto do jogo, ganhou a equipa que tem o alemão. Ou melhor, Toni Kroos nem jogou mal, mas a grande estrela do Real Madrid foi o sujeito do costume: Cristiano Ronaldo.

Amanhã, no sorteio das meias-finais estarão as seguintes equipas: Real Madrid, o Bayern de Munique, o Liverpool e a Roma.

Manchetes

Correio da Manhã: “Lúcia já tem 1600 sinais de milagre”

Diário de Notícias: “PS recusa eutanásia para doentes que fiquem inconscientes”

I: “PS é um partido estalinista”

JN: “Casas em leilão pagas a pronto”

Visão: “Guerras de heranças”

Na Argélia, começa agora o trabalho para perceber o que aconteceu com o avião militar que se despenhou, provocando a morte de 257 pessoas - o acidente aéreo mais grave da história do país.

O Papa Francisco pediu desculpa por ter defendido um bispo suspeito de abusos sexuais no Chile e convidou as vítimas a viajarem até Roma para lhes pedir perdão.

Seguem-se quatro noticias vindas da América, apresentadas em versão minimalista, e que têm potencial como bons assuntos de conversa

Facebook: Retomando o início deste Expresso Curto, Mark Zuckerberg cumpriu ontem o segundo dia de esclarecimentos sobre o uso indevido de dados de utilizadores do Facebook. Depois de afirmar no Congresso que há uma ciberguerra em curso com a Rússia, esteve na Câmara dos Representantes e admitiu que a sua própria conta tinha sido ‘apanhada’;

Stephen Bannon, o estratega-mor da Casa Branca que deixou a Casa Branca, entrou em contacto com a Casa Branca para apresentar um plano capaz de destruir a investigação em curso à intervenção russa nas eleições de 2016, em que se decidiu o inquilino da Casa Branca. Uma investigação do "Washington Post";

Paul Ryan, o republicano que preside à Câmara dos Representantes onde Zuckerberg esteve, anunciou que não vai voltar a candidatar-se. Aos jornalistas explicou que, ao fim de 20 anos, tinha alcançado quase tudo aquilo a que se propusera e que estava pronto para voltar a ser pai a tempo inteiro;

Michael Cohen, o advogado de Donald Trump, foi alvo de buscas pelo FBI.

A lula continua. Ou melhor, a luta por Lula não abranda, como conta a Christiana Martins, a enviada do Expresso a Curitiba, no Brasil. E esta noite a defesa do ex-presidente chega, outra vez, a Lisboa .

Há novidades na administração do Montepio e termina o prazo para os lesados do papel comercial do BES/GES aderirem ao fundo que pagará as indemnizações.

Em jeito de rima, saltamos para as promoções - anunciadas ontem para a PSP pelo Ministério da Administração Interna, horas depois de o principal sindicato da polícia ter admitido novas ações de luta, em conjunto com os militares.

Entretanto, se andar para os lados de Santa Margarida, não se assuste se ouvir tiros e explosões. É fogo real, sim, mas é só uma demonstração para assinalar a primeira visita oficial do Chefe do Estado Maior General das Forças Armadas ao Exército. É às 10h00

O QUE ANDO A LER

Com os playoff da NBA mesmo aí à porta, e sem grandes leituras para recomendar, atrevo-me a sugerir dois artigos sobre basquetebol. Ambos valem pelas histórias improváveis que contam.

Começo pelo mais breve: a aventura de um jogador que chegou à NBA aos 32 anos e que teve uma estreia de sonho. A noite de Andre Ingram em Los Angeles foi tão especial que, como conta o "Washington Post", ninguém parece ter ligado muito ao facto de os Lakers terem perdido o jogo (o adversário não era o mais fácil).

Por fim, quero falar-lhe de Becky Hammon, a primeira mulher treinadora na NBA. O artigo da "The New Yorker" é longo, mas a história que conta faz com que valha a pena. E tem o aliciante de revelar o que as pessoas estão dispostas a fazer por um sonho. Hammon, que diz ser não poder ser mais americana, jogou pela seleção da Rússia.

Saiba que hoje, com muita chuva prevista para Portugal e muitos nervos espalhados pelo mundo, é dia do cosmonauta, para assinalar o primeiro voo espacial tripulado.

A 12 abril de 1961 - seis meses antes de ter sido publicada a primeira notícia conhecida sobre Donald Trump (o atual presidente tinha 15 anos e, contava o “Democrat and Chronicle’s”, fora eliminado de um torneio de golfe) - o russo Yuri Gagarin olhou para baixo e tornou-se o primeiro ser humano a contemplar esta gigante bola de basquete azul em que vivemos.

Agasalhe-se e tenha um bom dia de mau tempo.

Cá estaremos para o manter informado.

PORTUGAL | Cristas acusa Centeno de ausência de sensibilidade e humanidade


A presidente do CDS-PP acusou esta quarta-feira o ministro das Finanças de não ter "nenhuma sensibilidade, nenhuma humanidade" para a saúde, defendendo que os centristas vão "esperar para ver" a concretização das obras no hospital de São João.

"Vamos esperar para ver. Foi preciso um grande alarde público para arrancarmos do ministro das Finanças uma declaração de que vai resolver. Estaremos atentamente a exigir essa resolução", disse Assunção Cristas aos jornalistas sobre a garantia dada por Mário Centeno no parlamento de que as obras na ala pediátrica do hospital de São João, no Porto, vão avançar.

A líder do CDS-PP assinalou o dia internacional de doença de Parkinson com um encontro com a Associação Portuguesa da Doença de Parkinson, acompanhada pela deputada Isabel Galriça Neto, reiterando a necessidade de uma estratégia nacional para as demências e da regulamentação do estatuto do cuidador.

"O CDS continuará nestas áreas a ter forte ação política, lamentando que o ministro das Finanças, como hoje mostrou no parlamento, não revele nenhuma sensibilidade, nenhuma humanidade para estes temas", defendeu Assunção Cristas.

Sobre o estatuto do cuidador informal, a presidente do CDS-PP sublinhou que, "apesar do consenso alargado entre os grupos parlamentares", que levou à aprovação de uma recomendação ao Governo, o executivo não avançou para a sua regulamentação.

"O CDS continuará a batalhar por estes diplomas estruturantes, que podem fazer muito a diferença na qualidade de vida de tantos doentes e de tantas famílias, que por questões que, infelizmente, todos os dias surgem em denúncias, de cortes, cativações, de situações dramáticas um pouco por todo o país", defendeu.

Para Assunção Cristas, "a Saúde não tem sido bem tratada por este Governo".

"É bom que o primeiro-ministro perceba. O primeiro-ministro tem por hábito aparecer só quando há problemas a tentar resolvê-los, mas não de uma maneira estruturada e profunda. Espero que o primeiro-ministro entenda que tem de dar indicações claras ao ministro das Finanças ou teremos de concluir que também o primeiro-ministro é Centeno", declarou.

O ministro das Finanças escusou-se hoje a revelar quando será concretizado o investimento da ala pediátrica do Hospital de São João, no Porto, garantindo apenas que "vai avançar".

"Hoje, já não é uma questão. O investimento na ala pediátrica no São João é uma garantia porque vai avançar", disse Mário Centeno aos deputados durante uma reunião conjunta das comissões parlamentares da Saúde e das Finanças sobre o setor da saúde.

Questionado várias vezes por diversos deputados sobre a data em que as Finanças irão libertar os 22 milhões de euros necessários para a construção da ala pediátrica do Hospital de São João, Mário Centeno limitou-se a referir que "há um pacote de investimentos que está a ser trabalhado entre o Ministério da Saúde e o Ministério das Finanças", que inclui o investimento da ala pediátrica no São João.

"Sabemos há muito tempo e outros também sabiam, mas nada fizeram", disse, referindo-se ao arrastar do problema nesta unidade de saúde, que em 2015 recebeu a promessa de inauguração, sem que alguma vez avançasse.

O ministro disse por diversas vezes que o problema naquela unidade se arrasta há cerca de dez anos.

Mário Centeno acusou o anterior governo de ter lançado, por duas vezes, a primeira pedra da unidade pediátrica daquele hospital no norte, sem planeamento financeiro para aquela obra.

Esta semana foram noticiadas queixas de pais de crianças com doenças oncológicas sobre a falta de condições de atendimento dos seus filhos em ambulatório e também na unidade do 'Joãozinho', para onde as crianças são encaminhadas quando têm de ser internadas no Centro Hospitalar de São João, concelho do Porto.

Na terça-feira, o presidente do Hospital de São João, no Porto, afirmou mesmo que as condições do atendimento pediátrico são "indignas" e "miseráveis", lamentando que a verba para a construção da nova unidade ainda não tenha sido desbloqueada.

Já esta manhã, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, garantiu que "há sensibilidade do Governo" para resolver a situação.

Lusa | em Notícias ao Minuto (ontem) | Foto: Global Imagens com colagem  PG

PORTUGAL | Bloco faz 'ultimato': Governo tem até sexta para corrigir meta do défice


O Bloco avisou hoje que o Governo não pode ir além dos compromissos assumidos com Bruxelas e terá de inscrever até sexta-feira no Programa de Estabilidade a meta de 1% de défice para 2018 acordada no orçamento.

Esta posição foi transmitida aos jornalistas pela dirigente do Bloco de Esquerda Mariana Mortágua, numa conferência de imprensa em que advertiu que o Governo criará "instabilidade" na maioria parlamentar de esquerda caso mantenha a intenção de inscrever uma meta de défice de 0,7% no Programa de Estabilidade (PE).

O Programa de Estabilidade deverá ser aprovado em Conselho de Ministros na quinta-feira, dando entrada na Assembleia da República na sexta-feira.

"Temos apenas quatro meses de execução do Orçamento do Estado para 2018 e o Governo já está a rever em baixa o compromisso que assumiu com Bruxelas porque tem uma grande margem proveniente de 2017 - uma margem de mais de mil milhões de euros que não foi gasta nem executada em investimento em serviços públicos e em recuperação de rendimentos", sustentou Mariana Mortágua.

Para Mariana Mortágua, sendo impossível alterar a execução orçamental de 2017, "é no entanto possível assumir que a margem do ano passado é transposta" para o corrente ano e que o compromisso alcançado em 2018 se cumpre".

"Caso se volte a ajustar em baixa as metas de 2018, indo novamente além dos compromissos com Bruxelas, se isso se fizer todos os anos, tal significa que todos os anos há um efeito de arrastamento e que várias centenas de milhões de euros são retirados a funções como o investimento em serviços públicos ou a reposição de rendimentos. Assumimos o compromisso de termos um défice de 1% em 2018", vincou.

Interrogada sobre a obrigatoriedade de o Governo ter de manter junto de Bruxelas uma trajetória de redução do défice estrutural em 2018, partindo de 0,9% (o valor do executivo) e não de 1% de défice (o número do Bloco de Esquerda), Mariana Mortágua alegou que "isso não está em causa".

"O Bloco de Esquerda simplesmente está a manifestar a posição de que o défice para 2018 deve ser aquele com que Portugal se comprometeu com Bruxelas e não inferior a isso, sacrificando outras despesas. A consolidação do défice estrutural vai acontecer, até porque a economia está a crescer acima do previsto. Mas o conceito de défice estrutural contém uma enorme discricionariedade, porque pode ser maior ou menor consoante a leitura que se faz dele", advogou a dirigente do Bloco de Esquerda.

Confrontado com este aviso do Bloco e sobre a estabilidade política está em causa, o primeiro-ministro António Costa em declarações aos jornalistas em Londres limitou-se a responder: "Onde? [Em Portugal]. Não!".

Antes desta conferência de imprensa no parlamento, em declarações à TSF, Mariana Mortágua já tinha declarado que o Bloco de Esquerda irá votar contra a resolução do CDS-PP sobre o Programa de Estabilidade, classificando essa iniciativa como "uma provocação" à atual maioria parlamentar de esquerda.

Do ponto de vista político, Mariana Mortágua foi depois questionada se o Bloco de Esquerda teme as consequências de apresentar uma resolução sobre o programa de estabilidade que seja também votada favoravelmente pelo PSD e CDS, contribuindo assim para o chumbo do documento do Governo.

"O Bloco de Esquerda irá analisar [o Programa de Estabilidade], verá quais são as possibilidades e como irá agir mediante a análise que será feita ao documento. Aguardamos tranquilamente. A nossa preocupação é que se cumpra o compromisso assumido para o Orçamento de 2018", insistiu.

A dirigente do Bloco de Esquerda deixou ainda mais um recado ao executivo minoritário do PS: "Queremos proteger a estabilidade desta maioria parlamentar e que se cumpra o princípio político que regeu as negociações para o Orçamento deste ano".

"A nossa preocupação é a de que haja estabilidade no trabalho feito até agora [pela maioria parlamentar de esquerda], estabilidade dos compromissos assumidos e estabilidade na execução deste Orçamento. Há um compromisso do Governo com os seus parceiros parlamentares e há um outro compromisso do Governo com Bruxelas. Consideramos que ambos os compromissos podem ser mantidos", frisou.

Na perspetiva de Mariana Mortágua, porém, "é com alguma incompreensão que quatro meses após ter sido acordada uma meta de défice para 2018 se pretenda agora alterá-la".

"O Orçamento do Estado para 2018 ainda não foi executado. A mais de meio ano do final desta execução orçamental a meta não deve ser mudada - e a margem que existe deve ser executada para investir no país", acrescentou.

Lusa | em Notícias ao Minuto (ontem)| Foto: Global Imagens

BRASIL | Lula? “Está tudo no Google”


O que se diz quando se sai à rua para defender um homem preso? Pode dizer-se isto: “Uma pessoa que fala em nome do povo e dos trabalhadores e faz tudo em nome deles é um anti-herói”. Ou isto: “Só um psicopata pode dizer que ele é culpado de alguma coisa”. E ainda: “Ele não é um santo como ninguém é um santo”. Ou por exemplo: “Às vezes, uma foto que a gente publique aqui em Lisboa com 10 manifestantes circula no Brasil e tem um milhão de visualizações”. Afinal, o que aconteceu esta quarta-feira junto à embaixada do Brasil em Portugal?

Manuel Albuquerque, 62 anos, é professor em Pernambuco mas está de baixa médica porque quase perdeu a voz de tanto gritar por Lula da Silva. Aproveitou essa pausa no trabalho para visitar a filha e a neta que vivem em Lisboa e para participar no protesto realizado esta quarta-feira junto à embaixada do Brasil, organizado pelo Conselho Português para a Paz e Cooperação (CPPC) e apoiado por dezenas de organizações políticas e da sociedade civil, incluindo representantes da comunidade brasileira. Deixou por alguns minutos o lugar que ocupava entre as dezenas de pessoas reunidas de frente para o palco destinado a receber alguns intervenientes e começa a explicar ao Expresso o que o traz aqui. E o que traz aqui é a certeza de que o ex-presidente brasileiro Lula da Silva, detido desde sábado na sede da Polícia Federal de Curitiba, “está a ser alvo de uma perseguição política” que tem como objetivo impedir a sua “vitória certa” nas eleições presidenciais previstas para outubro. “Aqueles que estão agora no poder não aguentavam perder uma quinta eleição e não é à toa que este golpe está a acontecer. Ele já vinha sendo preparado devagarinho. Eles têm vindo a forçar a barra para tomar poder e, como não conseguiram tomar com votos, tomaram a pulso.”

Manuel Albuquerque tem estado com um cartaz branco na mão onde se lê as palavras “Lula Livre” escritas a tinta vermelha e é precisamente isso que defende, recorrendo aos mesmos argumentos que têm sido usados pela defesa do antigo presidente brasileiro: considera que a condenação de Lula da Silva a 12 anos e um mês de prisão por corrupção passiva e branqueamento de capitais não tem base legal e que a prisão vai contra a presunção de inocência garantida na Constituição, havendo ainda recursos a apresentar junto da Justiça. “Temos de esgotar todas as instâncias”, diz o professor brasileiro, apontando o dedo ao ideário que, no seu entender, motivou e sustenta a prisão de Lula. “Eles não estão preocupados com a corrupção. Ela paira em qualquer parte do planeta e deve ser punida. Eu concordo com isso plenamente. Mas tem sido usado o jargão da luta contra a corrupção e isso não é verdade. A corriola de bandidos que acompanha o presidente Michel Temer tem 'ene' processos acumulados e não há uma só repreensão do poder jurídico para colocá-los definitivamente na cadeia. Já Lula foi preso por causa de um apartamento que nem sequer era dele.”

Manuel Albuquerque usa a expressão “pandemónio armado” para descrever a situação que se vive hoje no país. “Sei bem o que sofri na pele por causa de regimes ditatoriais. Acompanhei o fim da ditadura e o princípio da democracia. O que temos hoje é um pandemónio armado e um governo sem voto e ilegítimo, e forças externas a quererem entregar o Brasil e as suas riquezas ao capital internacional.” O professor não vê a hora de voltar ao seu país, não por apego ou dever profissional, mas para se juntar aos apoiantes de Lula que continuam sem arredar pé das imediações da sede da Polícia Federal de Curitiba, no estado do Paraná, onde Lula da Silva se encontra detido e onde permanecerá até a providência interposta pelo Partido Ecológico Nacional, que questiona a legalidade da prisão em segunda instância sem o condenado esgotar todas as instâncias de recurso, ser discutida no Supremo Tribunal Federal. “Assim que chegar, vou de imediato para lá. São três horas de avião mas tenho de ir. Para quem tanto acompanhou os sindicatos, não posso fingir que isto não está a acontecer. É preciso mostrar solidariedade, não tem outra saída.”

LULA “NÃO É UM SANTO COMO NINGUÉM É UM SANTO”

Com Manuel Albuquerque está a sua filha, Daniela, de 34 anos, que diz procurar neste encontro de apoiantes de Lula da Silva “uma luz ao fundo do túnel”. “Temos de tentar fazer alguma coisa mesmo estando longe.” Natural de Recife, Daniela chegou a Portugal em março deste ano e, ao contrário do pai, não tenciona voltar para o Brasil nos próximos tempos. “Vim para aqui para tentar dar uma vida melhor e mais segura às minhas filhas. A gente foge de lá por isso, porque não tem segurança nem saúde nem educação. Pagava mil reais para ter a minha filha no infantário e quatro reais, quase um euro, por um litro de leite. Aqui ao menos sei que vou ter um salário”, diz, apontando para a criança pequena de olhos rasgados ao seu lado que observa tudo com ar de novidade enquanto vai metendo pipocas à boca. “Tenho a certeza que se eu fosse pequena e os meus pais tivessem a idade que eu tenho eles fariam o mesmo por mim e viriam para aqui ou para outro lugar qualquer.”

As críticas explícitas de Daniela têm um alvo muito específico e esse alvo é o governo de Michel Temer, “que veio acabar com as leis de proteção dos trabalhadores”. “Tudo era melhor quando Lula era presidente porque a inflação estava controlada. Agora maquilham as informações que passam para fora. De uma hora para a outra, tudo complicou.” Sobre a detenção conturbada do antigo presidente brasileiro, começa por dizer que ele “não é um santo como ninguém é um santo”, mas que isso não é razão para ser condenado sem provas. “Eu sou a favor do Lula e votei Lula e votarei Lula, mas acho que isto é uma questão apartidária. A justiça não pode ser feita apenas para um lado. Se ele tem de responder, os demais também têm.”

Francisco Cabrita, reformado português de 63 anos, concorda sobre a não santidade de Lula e diz mesmo que “não há nenhum dirigente de nenhum país que esteja completamente limpo”. No entanto, não concorda com a forma como o processo tem sido conduzido e é por isso que está aqui hoje. “Não se decide de boca que alguém é corrupto e por isso que, enquanto não for provado, vou continuar a acreditar em Lula. Estou aqui para manifestar a minha solidariedade para com o povo brasileiro”, diz Francisco, para quem o antigo presidente brasileiro é um “anti-herói” e não o seu contrário. “Uma pessoa que fala em nome do povo e dos trabalhadores e faz tudo em nome deles é um anti-herói. Ele nunca se gabou pelo que fez.”

“UM PROCESSO ANTIDEMOCRÁTICO QUE VAI CONTRA AS CONQUISTAS DO POVO BRASILEIRO”

Eco de todas estas palavras faz Filipe Ferreira, vice-presidente da direção-nacional do Conselho Português para a Paz e Cooperação (CPPC), que organizou a iniciativa. “Reconhecemos que há um processo antidemocrático que vai contra as conquistas do povo brasileiro. Primeiro assistimos à tentativa de afastar Dilma Rousseff do poder e agora à tentativa de impedir a candidatura de Lula da Silva por processos que vão contra as próprias leis brasileiras e a Constituição nacional” diz ao Expresso o vice-presidente.

O encontro desta quarta-feira tarde foi organizado no seguimento de uma outra iniciativa do CPPC na sexta-feira passada, também em frente à embaixada brasileira e quando foi confirmada a ordem de prisão de Lula da Silva. Nesse protesto foi entregue um manifesto na embaixada que “repudia o golpe institucional”, manifestada “viva solidariedade ao povo irmão brasileiro e à sua luta para salvaguardar os direitos e garantias democráticas” e feito um apelo à resistência “a um poder crescentemente repressivo e autoritário”.

O manifesto foi lido esta quarta-feira perante dezenas de pessoas enquanto subiam ao palco, para breves intervenções, representantes de alguns dos 44 atuais subscritores, entre eles Solange Pereira da Juventude Operária Católica (JOC), Rita Rato, deputada do PCP, Pedro Noronha, da Associação de amizade Portugal-Cuba, Kaoê Rodrigues, de uma associação de estudantes da Universidade Nova, Joaquim Correia, do partido Os Verdes, Evones Santos, coordenadora do PT brasileiro em Lisboa, e Arménio Carlos, secretário-geral da CGTP.

Filipe Ferreira diz acreditar que manifestações como a desta quarta-feira podem resultar em mudanças concretas e é também essa a opinião de Samara Azevedo, do Coletivo Andorinha, também promotor da iniciativa. “A pressão internacional reverba bastante no Brasil. O que acontece lá tem um grande impacto no mundo inteiro e vice-versa. Há essa síndrome, a chamada síndrome de vira-lata, que é achar que tudo o que vem de fora é melhor do que o que vem de dentro. O nosso papel enquanto coletivo acaba por ser muito imagético. Às vezes, uma foto que a gente publique aqui em Lisboa com 10 manifestantes circula no Brasil e tem um milhão de visualizações.”

“SÓ UM PSICOPATA PODE DIZER QUE ELE É CULPADO DE ALGUMA COISA”

Maria Oliveira, brasileira reformada de 60 anos, parece ter saído diretamente de uma das várias manifestações de 2016 contra o impeachment de Dilma Rousseff, no Brasil. É ela que faz questão de assinalá-lo ao exibir a t-shirt que usou num desses eventos e que tem gravada a frase “em defesa da democracia, resistir é preciso!”, escrita em letras brancas sobre o tecido de uma cor, vermelha, que combina com a bandolete que usa para segurar o cabelo e que tem a forma de um laço - numa aba lê-se “Lula” e na outra “Livre”. “Estou aqui para defender a democracia e principalmente Lula da Silva, que foi condenado injustamente. Prender com base em suposições e convicções é errado. Só um psicopata pode dizer que ele é culpado de alguma coisa. Há quatro anos que vasculham a vida dele e não descobriram nada. Boto a minha mão no fogo por ele.”

Lula da Silva tem o amor de parte povo devido às suas políticas de apoio social mas Maria Oliveira acha que o que incomoda mesmo à direita brasileira - e que “justifica” o que está a acontecer agora - é a sua “astúcia, carisma e inteligência”. “Para mim, tudo isto tem que ver com o ódio invejoso em relação a um cara que veio de nordeste na boleia de um pau de arara [meio de transporte ainda utilizado naquela região brasileira, vulgo carrinha de caixa aberta] e que ganhou duas eleições. Saiu do governo com mais de 80% de aprovação. Eu não conheço todos os presidentes do mundo, mas duvido que haja algum que tenha deixado o cargo com uma percentagem de popularidade superior.” Sublinhando não ser “necessário” enumerar todas as “medidas positivas” de Lula, visto estar “tudo no Google”, Maria Oliveira realça apenas como a “estabilidade económica do Governo Lula” lhe permitiu e à sua família “ter casa e carro”. “A minha vida transformou-se nessa altura.”

Tal como Manuel Albuquerque, Maria Oliveira vê na condenação e detenção de Lula da Silva uma tentativa da direita de impedir a candidatura do antigo presidente brasileiro às próximas eleições. “Se tirarem Lula da corrida eleitoral conseguem tirar o PT”, diz a reformada, aludindo à ausência de um sucessor à altura de Lula ou da sua popularidade dentro do Partido Trabalhista, o que complicará a vida do partido caso o antigo presidente brasileiro acaba mesmo impedido de se candidatar por força da lei da ficha limpa, aprovada durante o seu mandato e que diz que nenhum político condenado por crimes contra o Estado em segunda instância pode candidatar-se a cargos públicos.

“SEI O QUE OS MEUS PAIS PASSARAM E NÃO QUERO ISSO PARA OS OUTROS NEM PARA MIM”

“Quanto mais tempo passa mais eu acredito que foi tudo forjado”, diz a mulher brasileira sentada ao lado, Silvana Almeida, que chegou a Portugal em 2001 e é cozinheira num restaurante. Ao Expresso, explica por que razão decidiu participar no protesto desta tarde. “Temos de fazer alguma coisa. Ninguém faz mudanças sentado no sofá. É preciso vir para a rua. Saí do Brasil antes de Lula ser presidente porque não havia trabalho. Via anúncios de emprego no jornal e quando chegava ao local havia gente na fila há mais de quatro horas. Com Lula, a situação melhorou e agora voltou a piorar novamente.”

Lis Araújo, a sua filha, tinha apenas quatro anos na altura mas lembra-se, por exemplo, de “querer um boneco” e os pais não terem dinheiro para o comprar. Diz ao Expresso que a vida dos primos que ficaram no Brasil “melhorou” com Lula da Silva, mas também a sua, já em Portugal. “Antigamente, o Brasil era país posto um bocado de parte. Quando chegámos, o processo de legalização foi difícil. Lembro-me perfeitamente de andar a saltar de consulado em consulado com os meus pais, mas com Lula isso tornou-se muito mais fácil. Ele conseguiu abrir as fronteiras do Brasil e mostrar que o país estava aberto a relações diplomáticas.” Com 20 anos, Lis Araújo diz saber ser demasiado “nova” para argumentar a favor de Lula como o fazem os seus pais e outros familiares, mas esforça-se por ouvir, perceber “o que está para trás” e lutar, como hoje. “Sei o que os meus pais passaram e não quero isso para os outros nem para mim.”

Helena Bento | Expresso

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