quarta-feira, 12 de setembro de 2018

Ministra da Educação timorense apoia expansão da Escola Portuguesa de Díli


A ministra da Educação timorense anunciou o apoio ao projeto de expansão da Escola Portuguesa de Díli (EPD), que arrancou hoje simbolicamente o ano letivo e que terá o maior número de alunos de sempre, mais de mil.

"Sei que a direção da escola tem intenção de aumentar as suas instalações e aproveito para dizer que, no que depender do Ministério da Educação, terão todo o nosso apoio", afirmou hoje Dulce Soares num ato que decorreu na EPD.

"A EPD e o Ministério da Educação timorense têm o mesmo objetivo, que é proporcionar uma educação de qualidade, e será para isso que trabalharemos sempre em conjunto", afirmou.

Acácio de Brito, diretor da escola, confirmou que o processo de expansão - que terá um custo total de cerca de cinco milhões de dólares (4,3 milhões de euros) - está a decorrer, permitindo aumentar significativamente a capacidade de acolhimento de alunos.

O projeto prevê a construção de mais um piso no edifício principal do espaço, acomodando entre 15 e 20 salas, a construção de uma sala multiusos que servirá como auditório e ginásio e ainda a instalação de dois campos desportivos, entre outras melhorias e alterações.

Este ano a EPD terá 1032 alunos, com 270 no ensino pré-escolar, 376 no 1.º ciclo, 131 no 2.º ciclo, 144 no 3.º ciclo e 121 no ensino secundário.

"Esta é uma escola portuguesa ao serviço de Timor e das relações fraternas entre dois povos que se querem e que no exercício de uma soberania inquestionável não renegam o passado comum", afirmou Acácio Brito.

José Pedro Machado Vieira, embaixador de Portugal em Díli, recordou que a EPD é um "projeto de referência para o Governo português" e é um "farol" no setor da cooperação na área educativa, que "continua a ser prioritário" para a atuação portuguesa em Timor-Leste.

"A educação é a face mais visível da cooperação portuguesa e um setor prioritário de atuação para os dois países", disse.

"O Governo português apoia uma série de projetos de grande significado na qualificação do ensino em Timor-Leste, com grupos distintos, mas que cumprem todos o propósito de apoiar o Governo de Timor-Leste no desígnio nacional de ter a língua portuguesa como língua oficial", afirmou.

Na sua intervenção, Dulce Soares recomendou aos alunos aproveitar a oportunidade que significava estudar numa escola "de grande qualidade", louvou o facto dos livros e manuais serem disponibilizados gratuitamente aos estudantes e disse que os pais deviam aproveitar para "aprender com os seus filhos".

"A educação dos filhos não pode ser só entregue aos professores e alunos. É importante acompanhar os nossos filhos. Ajudem-nos, acompanhem o seu percurso escolar e leiam com eles", afirmou.

Aos finalistas, Dulce Soares deixou um pedido para que se esforcem para prosseguirem os estudos universitários e pediu para que se formem e contribuam para o desenvolvimento do país.

"Timor-Leste precisa de pessoas qualificadas, contribuam para o desenvolvimento do país", disse, agradecendo a dedicação dos professores que estão deslocados de Portugal na EPD.

Lusa | em SAPO TL

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Moçambique | Processo de integração da Renamo decorre conforme planificado


O Presidente da República, Filipe Nyusi, assinou há um mês um memorando de entendimento com a liderança da Renamo que prevê a desmilitarização e integração das forças residuais do principal partido de oposição no exército.

O Vice-ministro da Defesa Nacional, Patrício José, diz que apesar de algumas dificuldades que na sua opinião são ligeiras, o processo de integração de forças residuais da Renamo no exército está a decorrer normalmente e conforme o planificado.

Patrício José falava momentos depois da cerimónia de abertura do fórum dos estabelecimentos de ensino e formação militar. José diz que esta formação visa dotar os militares de matérias para que possam cumprir as suas missões com eficácia.

Participam na formação cerca de 150 pessoas, dentre elas, directores nacionais, oficiais generais, sargentos, praças das Forças Armadas de Defesa de Moçambique.

José Macamo | O País

São Tomé e Príncipe | O massacre esquecido de Batepá


A chacina de centenas de são-tomenses pela administração colonial e fazendeiros no massacre de Batepá de 1953 é largamente ignorada em Portugal. Mas contribuiu para criar uma consciência política em São Tomé e Príncipe.

No livro "Espectros de Batepá. Memórias e Narrativas do Massacre de 1953 em São Tomé e Príncipe”, apresentado esta quinta-feira (06/09) em Lisboa, a investigadora portuguesa Inês Nascimento Rodrigues expõe as memórias e narrativas desse "acontecimento incómodo”, cujos contornos e relatos remetem para a necessidade de mais investigação para melhor se interpretar o passado.

Mas se é algo de que não se fala em Portugal, de acordo com a professora são-tomense, Inocência Mata, que apresentou o trabalho, o massacre de 3 de fevereiro a maio 1953 contribuiu para despertar a consciência política dos são-tomenses e a necessidade de um movimento contra o colonialismo favorável à independência.

Tensão entre colonos e a população local

O "Massacre de Batepá” ocorreu na localidade do distrito de Mé Zóchi (chamada Batepá). A historiadora Inês Nascimento Rodrigues, do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, não vê a chacina como uma simples explosão de violência isolada. "Para [entendermos] este massacre temos que perceber um contexto prévio”, disse à DW África.

Segundo a investigadora, os acontecimentos foram a consequência das relações laborais e sociais no sistema colonial de então, que distinguia os fôrros – grupo etno-cultural dominante em São Tomé não sujeito ao estatuto de indigenato – dos trabalhadores contratados oriundos de Angola, Moçambique e Cabo Verde. Estes últimos eram considerados inferiores e levados para as ilhas para trabalhar nas roças de cacau e café, tarefas que os fôrros se recusavam a fazer por as considerarem incompatíveis com a sua posição.

"Toda esta tensão acumulada entre os vários segmentos populacionais do arquipélago e o facto de nos anos 50 ter havido uma diminuição da mão de obra – porque foi proibido importar mão de obra de Angola, que precisava dessa força de trabalho –, levou a que as tensões em São Tomé entre a administração colonial e as populações se adensassem”, diz a investigadora, acrescentando: "O massacre acaba por ser o culminar desse processo que envolveu vários micro processos de repressão e de violência nos meses imediatamente anteriores ao 3 de fevereiro”.

Despertar da consciência política

O massacre consistiu em vários atos de violência, prisões em massa, o desterro para o campo de trabalho forçado em Fernão Dias, onde se previa a construção de um cais acostável, além de torturas em cadeira elétrica e exílio para a ilha do Príncipe de alguns elementos mais destacados da elite são-tomense. Também houve violações, casas incendiadas e roubo de terrenos que pertenciam aos fôrros: "O massacre foi mais intenso entre 3 e 7 de fevereiro, mas prolongou-se durante vários meses. E, portanto, acaba por ser um momento muito marcante da história de São Tomé e Príncipe”, diz Inês Nascimento Rodrigues.

Para além de ter entrevistado alguns poucos sobreviventes, durante a pesquisa em São Tomé e Príncipe, a investigadora falou com pessoas que eram muito jovens na altura do massacre, mas herdaram memórias repassadas por elementos da família vítimas dos atos perpetrados pelo regime colonial. Para Rodrigues, há um motivo pelo qual um dos períodos negros da história colonial é pouco conhecido: "Por não ter decorrido no contexto das guerras coloniais e de libertação. Por ser anterior, acaba por passar um pouco mais despercebido. Portanto, falar deste massacre não era do interesse da administração portuguesa”.

E o que significou o massacre de Batepá para o movimento de luta pela independência de São Tomé e Príncipe? Rodrigues afirma não ter encontrado evidências concretas da relação direta com os processos de luta de libertação. Mas para a investigadora santomense, Inocência Mata, que fez a apresentação do livro de Inês Rodrigues, o massacre de 1953 foi um acontecimento que despertou a consciência política dos são-tomenses, porque «ele foi dirigido contra a elite». O então governador colonial, Carlos Gorgulho, dizia que era a elite que incentivava os são-tomenses a não aceitarem os contratos para trabalhar nas roças - lembra. "De maneira que eu acho – aliás, muitos historiadores dizem isso – que o massacre de 1953 foi espolete para uma consciência política e a necessidade de um movimento contra o colonialismo”.


Necessidade de confrontar a História

Por ser pouco conhecido, Inês Nascimento Rodrigues concorda que é importante o papel da investigação para esclarecer o que foi "este passado incómodo difícil de se falar”. É fundamental continuar com as investigações, sublinha. "Por outro lado, a minha grande ambição é que este livro funcione como um arquivo de imaginação do massacre, que permita que outras leituras possam ser feitas a partir dele, até de outras perspetivas ou outras áreas disciplinares”, disse à DW África.

Inês Rodrigues diz que ainda há muito por explorar, de modo a potencializar também o diálogo e o conhecimento entre as pessoas, de acordo com o que vivenciou em São Tomé e Príncipe: "Foi muito comovente ver como as pessoas tinham sede de falar sobre estes acontecimentos”.

Portugal e São Tomé e Príncipe têm por essa via a oportunidade de quebrar o silêncio sobre esse período da História dos dois países. "É uma história comum a Portugal e a São Tomé e Príncipe. É uma história que, com certeza, passa de geração em geração de modos muito diferentes, obviamente com impactos muito diferentes tanto em Portugal como em São Tomé e Príncipe e que é importante debater”, concluiu a investigadora.

 João Carlos (Lisboa) | Deutsche Welle

Angola | Caso Kalupeteka: Investigação independente com novo Governo?


Caso do líder religioso José Kalupeteka, condenado em 2016 por homicídio, continua por resolver. Defesa lamenta a lentidão dos tribunais angolanos. A criação de uma comissão de inquérito independente será agora possível?

Em 2015, confrontos entre fiéis e autoridades policiais vitimaram dezenas de pessoas na província do Huambo. Na altura, a Organização das Nações Unidas (ONU) pediu a criação de uma comissão de inquérito independente, mas o Governo recusou.

Com o novo Executivo pode agora esperar-se uma investigação verdadeira? "Só pode haver revisão num processo já transitado em julgado e, para tal, é preciso que haja fundamentos que justifiquem a revisão", responde David Mendes, advogado de defesa de José Julino Kalupeteka, a cumprir uma pena de 28 anos por ter sido considerado culpado do massacre do monte Sumi, no Huambo.

Por outro lado, lembra o advogado, "o processo está no Tribunal Supremo, o que quer dizer que a decisão não transitou em julgado, e daí, se houver necessidade, ainda há o recurso ao Tribunal Constitucional, se houver inconstitucionalidade no acto do Supremo."

Mas dois anos depois do recurso, o Tribunal Supremo continua em silêncio. David Mendes critica a posição do tribunal e diz tratar-se de uma violação dos direitos e liberdades do seu constituinte. "O Tribunal Supremo tem sido muito moroso e esta é uma das causas que nos obriga a pedir que haja, o mais rápido possível, a instalação dos tribunais da relação", diz.

Mesmo depois da sentença, ainda não há consenso sobre o real número de mortos registados no confronto entre polícias e fiéis da seita religiosa "A Luz do Mundo", em 2015. Na altura, as autoridades angolanas falaram em 13 civis e 9 agentes da corporação. Mas a União Nacional da Independência Total de Angola (UNITA), o maior partido da oposição, falou em mais de mil mortos.

Liberdade religiosa

O caso também intensificou a discussão sobre o exercício da já polémica liberdade religiosa em Angola. David Já, representante da comunidade Islâmica, diz que a lei vigente limita o exercício deste bem fundamental. "Cá em Angola, esse exercício não tem sido feito de maneira coesa. Apesar da Constituição da República consagrar a laicidade do Estado e sendo a liberdade religiosa um direito fundamental, a lei coarta estas liberdades fundamentais", destaca.

Recentemente, o Conselho de Ministros aprovou o um novo diploma legal que vai regular o exercício da liberdade religiosa. O documento ainda vai passar pelo crivo dos deputados do Parlamento angolano, onde o MPLA detém a maioria.

Atualmente, o Ministério da Cultura tem cerca de mil pedidos para legalização de igrejas. David Já fez as contas e concluiu que é quase impossível reconhecer uma igreja com estas leis. "Mil igrejas vezes cem mil fiéis (exigidos pela lei em vigor) daria cem milhões de habitantes. Agora o governo reduziu para 60 mil. 60 mil vezes mil igrejas à espera de reconhecimento também teríamos 60 milhões de habitantes. Um número que Angola não tem", explica.

"Se é uma liberdade, o Estado deve reflectir seriamente e criar leis humanistas que possam permitir o exercício pleno da liberdade religiosa", conclui o representante da comunidade Islâmica.

Manuel Luamba (Luanda) | Deutsche Welle

Presidente angolano exonera seis governadores provinciais


A lista de governantes angolanos exonerados não cessa de aumentar. Agora foi a vez de seis governadores provinciais.

O Presidente angolano, João Lourenço, exonerou  esta quarta-feira (12.09) os governadores das províncias do Bié, Lunda Sul, Cunene, Huambo, Huíla e Zaire, alguns dos quais líderes históricos ao longo dos 39 anos de liderança em Angola de José Eduardo dos Santos.

A informação consta de uma nota da Casa Civil do Presidente da República, referindo que as exonerações, por decreto, ocorrem por "conveniência de serviço".

Noutro decreto, João Lourenço, Presidente desde setembro de 2017 e que, no passado sábado (08.09) foi eleito líder do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA, no poder) no VI Congresso Extraordinário do partido, nomeou os novos governadores.

Álvaro Boavida Neto, eleito no sábado como secretário-geral do MPLA, deixa o governo provincial do Bié, sendo substituído por Pereira Alfredo, enquanto o antigo ministro da Defesa Kundi Paihama, um dos históricos generais angolanos, deixa o executivo provincial do Cunene, passando a liderança para as mãos de Virgílio da Ressurreição Adriano Tyova.

Ernesto Fernando Kiteculo foi exonerado do cargo de governador da Lunda Sul, para o que foi nomeado Daniel Félix Neto, enquanto João Baptista Kussumua, outro histórico do partido e antigo ministro, sai do Huambo, sendo substituído por Joana Lina Ramos Baptista Cândido.

O governo provincial da Huíla deixa de ser liderado por João Marcelino Tyipinge, no cargo desde 2012, e passa para Luís Manuel da Fonseca Nunes, enquanto no do Zaire é afastado José Joanes André, também no cargo desde 2012 (entre outras funções governamentais), que fica nas mãos de Pedro Makita Armando Júlia.

As exonerações dos seis governadores sucedem-se à recente reformulação do Secretariado do Bureau Político do MPLA, em que a nova direção mudou, na segunda-feira (10.09), todos os dez nomes que até então integravam aquele órgão do partido.

Recorde-se, que  José Eduardo dos Santos deixou no sábado a liderança do MPLA, após 39 anos, depois de já não ter concorrido às eleições gerais de agosto de 2017, que colocaram João Lourenço no poder em Angola.

 Agência Lusa, ar | em Deutsche Welle

Mû Mbana pretende divulgar instrumentos tradicionais dos povos Bijagós


Músico guineense apresentou-se (07.09) ao público alemão com instrumentos tradicionais dos bijagós da Guiné-Bissau. Mû Mbana defendeu que se pode compreender melhor a evolucao dos povos através das expressões culturais

Chama-se Mû Mbana. Chegou à Europa para estudar arte em Portugal e acabou por formar-se na música, em Barcelona, Espanha. O artista, compositor, poeta e multi-instrumentista entende que se pode compreender melhor a real dinâmica da sociedade guineense através da música tradicional composta por diferentes expressões étnicas da Guiné-Bissau. Faz fusão das sonoridades do passado com as novas tendências. Essas ligações, do passado ao presente, valeram-lhe 20 anos de pesquisa só para resgatar instrumentos tradicionais e manter a originalidade na música que compõe. 

"Desde pequeno tinha uma voz interna a dizer-me que a música tinha algo para me dar. Fiz a música desde que me lembro de mim. Acabei por estudar a música de forma académica para conhecer a linguagem moderna da música, composição e forma oral, estar com mestres, aprender e observar conhecer um pouco a filosofia do que é pratica da música. Nos últimos 10 anos ando com um pé aqui e outro na Guiné-Bissau a fazer pesquisas", disse Mû Mbana.

Nasceu na Ilha de Bolama, no arquipélago dos Bijagós, mas há 27 anos que fixou residência na Europa, nomeadamente em Barcelona, tendo editado 10 discos de originais, ao lado de músicos de outras nacionalidades. O último trabalho discográfico foi lançado em 2017, INÊN (que significa duas mãos), contém temas inéditos de sua autoria, com ênfase para um estilo espiritual em que cria uma comunicação íntima entre a voz e as cordas dos instrumentos tradicionais da Guiné-Bissau. 
Instrumentos tradicionais

Depois de 20 anos a percorrer o mundo com os estilos populares, concluiu que ao repescar os instrumentos mais antigos da tradição dos povos das ilhas Bijagós estaria a projectar a história e a imagem que definem as raízes do seu povo. Na sua passagem pela Alemanha, para contatos profissionais , Mû Mbana esteve aqui na DW em Bonn.

Trajado de panos de pente e com Simbi e o Tonkorongh, dois instrumentos tradicionais da música guineense, em entrevista o músico entende que resgatar os valores culturais, com grandes simbolismos étnicos, seria mais fácil ao mundo compreender e acompanhar a verdadeira dinâmica da sociedade do campo, a sua vivência e costumes.

"Já regressei às origens, a tocar mais instrumentos da Guiné, a cantar crioulo e outras línguas étnicas. É mais ou menos isso, fazer a gente voltar para a nossa essência", argumenta.


INÊN, último trabalho discográfico

 O INÊN, último álbum que já foi apresentado na Guiné-Bissau, comporta essencialmente ritmos tradicionais que caraterizam os povos urbanos através dos instrumentos musicais dos séculos passados e quase em esquecimento. Mbana que, das pesquisas que fez nas zonas mais isoladas das ilhas Bijagós, chegou à conclusão que através das letras, melodias, danças e sons, histórias e memórias das tradições antigas é possível compreendermos a Guiné de hoje:

"Como não houve uma integração dos instrumentos musicais tradicionais na revoluço musical da Guiné dos 60, 70 e 80, então esses instrumentos caíram quase no esquecimento. Gosto muito dos sons desses instrumentos, da mensagem que eles trazem e toda a riqueza tímbrica que têm. Então decidi ficar mais envolvido com esses instrumentos para os  aplicar fora dos contextos tradicionais. Esses instrumentos são muito apreciados aqui na Europa e na América.

Com muita pedalada nos grandes festivais multi-culturais, o último foi Nuits d'Africa de Montreal, no Canadá, há 18 anos que Mû Mbana decidiu vestir-se apenas com tecidos e coleções de peças tradicionais de várias etnias da Guiné-Bissau. Na entrevista à DW-África, ele confiou-nos que raras vezes veste roupas do ocidente.

"É uma linguagem, a arte de vestir. Para mim é algo tão nobre ao ponto de não me sentr bem sem usar pano de pente. Dentro da nossa diversidade cultural é um vínculo que continua a unir toda a sociedade guineense. Todas as culturas usam pano de pente nalgum momento importante da vida. Nascemos embrulhados no pano de pente e somos a enterrados envoltos nesse pano. É algo que transcende qualquer bem material".

Durante a sua estada aqui na Alemanha, Mû Mbana aproveitou para apresentar o seu trabalho ao público da cidade de Colónia, um mercado que, segundo ele, pretende explorar ainda mais no futuro.

Braima Darame (Bissau) | Deutsche Welle

Presidente da Comissão Europeia propõe uma nova “Aliança África-Europa”


O presidente da Comissão Europeia anunciou hoje no seu discurso sobre o Estado da União, em Estrasburgo, uma proposta para uma nova “Aliança África-Europa”, que “aumente substancialmente” o investimento no continente africano e fomente emprego e trocas comerciais.

“África não necessita de caridade, precisa de uma verdadeira parceria equilibrada, e nós, europeus, também precisamos dessa parceria. Ao preparar este discurso, falei com os meus amigos africanos, designadamente com o presidente da União Africana, Paul Kagame, e concordamos que os nossos compromissos devem ser recíprocos. Nós queremos construir uma nova parceria com África”, declarou Jean-Claude Juncker, perante o Parlamento Europeu.

Segundo o presidente da Comissão, a relação da Europa com África não pode ser encarada numa perspetiva apenas de ajuda ao desenvolvimento, pois “uma tal abordagem seria insuficiente e até humilhante para África”, pelo que é altura de desenvolver uma parceria entre iguais.

Juncker apontou que se trata de uma aliança centrada nos investimentos e empregos sustentáveis e, tal como a concebe, permitiria criar “até 10 milhões de empregos em África ao longo dos próximos cinco anos”.

A ideia passa por “criar um quadro que permita atrair investimento privado em África” e, nessa matéria, sublinhou, não se parte do zero, já que o fundo de investimento externo da União Europeia, lançado em 2016, “mobilizará mais de 44 mil milhões de euros de investimentos nos setores público e privado em África”.

“Concentraremos os nossos investimentos nos domínios onde os investimentos fazem efetivamente uma verdadeira diferença. Daqui até 2020 a UE terá apoiado 35 mil estudantes e investigadores africanos graças ao nosso programa Erasmus. Até 2027, o número ascenderá a 105 mil”, disse.

A outra vertente central da nova aliança será o comércio, com Juncker a apontar que 36% do comércio de África já se faz com a Europa, mas as trocas comerciais entre os dois continentes são insuficientes.

“Estou convencido de que devemos transformar os numerosos acordos comerciais existentes entre a UE e África num acordo de comércio livre entre os dois continentes, uma parceria económica de igual para igual”, declarou.

A proposta hoje apresentada por Juncker, e detalhada pela Comissão Europeia, prevê uma série de ações essenciais para reforçar a parceria África e UE, a começar por “estimular o investimento estratégico e reforçar o papel do setor privado, nomeadamente através de uma maior redução dos riscos ligados aos projetos de investimento através de uma combinação de subvenções e empréstimos e de garantias”.

Bruxelas quer também “investir nas pessoas através do investimento na educação e na aquisição de competências, a nível continental e nacional, a fim de reforçar a empregabilidade e a correspondência entre as competências e os empregos, nomeadamente com bolsas e programas de intercâmbio, em especial no âmbito do programa Erasmus+”.

A proposta visa também “melhorar o ambiente empresarial e o clima de investimento, nomeadamente reforçando o diálogo com os parceiros africanos e apoiando as suas reformas neste domínio” e “mobilizar um importante pacote de recursos financeiros, como o demonstra em especial a proposta ambiciosa para o futuro quadro financeiro plurianual da UE em matéria de financiamento externo, na qual África é identificada como região prioritária.

A nível do comércio, é desejo da Comissão “explorar plenamente o potencial da integração económica e do comércio”, apontando o executivo comunitário que, “com base na Zona Continental Africana de Comércio Livre, a perspetiva a longo prazo é alcançar um vasto acordo de comércio livre intercontinental entre a UE e a África”.

“Nesta perspetiva, os acordos de parceria económica, os acordos de comércio livre, incluindo as zonas de comércio livre abrangentes e aprofundadas propostas aos países do Norte de África, bem como os outros regimes comerciais com a UE, devem ser explorados tanto quanto possível enquanto componentes essenciais para a Zona Continental Africana de Comércio Livre”, defende a proposta hoje apresentada por Juncker aos eurodeputados.

África 21 Digital com Lusa

Suspeitos de envenenar ex-espião russo são civis, diz Putin


Homens acusados de tentar matar Serguei Skripal foram apontados por Londres como supostos agentes da inteligência militar russa. Segundo presidente, "não há nada de especial ou criminoso" no caso.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, afirmou nesta quarta-feira (12/09) que os dois britânicos apontados por Londres como suspeitos de envenenar o ex-espião Serguei Skripal no Reino Unido não são criminosos e foram identificados como civis.

"Nós sabemos quem essas pessoas são, nós os localizamos", disse Putin sobre os dois suspeitos durante um fórum econômico na cidade de Vladivostok. "Não há nada especial ou criminal a respeito, eu garanto."

Questionado pelo moderador de um painel se os homens trabalham para o serviço militar, Putin respondeu que ambos são "civis" e pediu que eles venham a público.

"Gostaria de fazer um chamado para que eles possam nos ouvir hoje: eles deveriam entrar em contato com algum veículo da mídia. Espero que eles se apresentem e falem sobre si", disse o presidente.

O envenenamento de Skripal e de sua filha Yulia Skripal com um agente nervoso na cidade britânica de Salisbury, em março deste ano, provocou uma crise diplomática entre Moscou e Londres, que acusou a Rússia de estar por trás do ataque.

As autoridades britânicas emitiram mandados de prisão europeus contra Alexander Petrov e Ruslan Boshirov, suspeitos de serem agentes da inteligência militar da Rússia, a GRU. Petrov e Boshirov teriam sido enviados para matar Skripal, ex-espião russo que teria dado informações à inteligência britânica. Skripal foi preso na Rússia antes de ser libertado em uma troca de espiões em 2010.

O governo britânico sempre acusou a Rússia de ter orquestrado o ataque, algo que o Kremlin nega. Em represália, Reino Unido e aliados, incluindo Estados Unidos e nações europeias, expulsaram à época dezenas de diplomatas russos, enquanto Moscou fez o mesmo com diplomatas estrangeiros. Ao todo, as ordens de expulsão atingiram mais de 300 funcionários em vários países.

O agente nervoso utilizado contra Skripal e a filha foi o mortal Novichok, desenvolvido pelos militares soviéticos durante a Guerra Fria. A primeira-ministra do Reino Unido, Theresa May, disse que o uso do agente foi quase certamente aprovado "por um nível sênior do estado russo".

Poucos dias após o envenenamento, o então ministro do Exterior do Reino Unido, Boris Johnson, associou Putin diretamente ao crime, acusação firmemente negada pelo presidente russo.
PJ/ap/dpa/afp

Homens acusados de tentar matar Serguei Skripal foram apontados por Londres como supostos agentes da inteligência militar russa. Segundo presidente, "não há nada de especial ou criminoso" no caso.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, afirmou nesta quarta-feira (12/09) que os dois britânicos apontados por Londres como suspeitos de envenenar o ex-espião Serguei Skripal no Reino Unido não são criminosos e foram identificados como civis.

"Nós sabemos quem essas pessoas são, nós os localizamos", disse Putin sobre os dois suspeitos durante um fórum econômico na cidade de Vladivostok. "Não há nada especial ou criminal a respeito, eu garanto."

Questionado pelo moderador de um painel se os homens trabalham para o serviço militar, Putin respondeu que ambos são "civis" e pediu que eles venham a público.

"Gostaria de fazer um chamado para que eles possam nos ouvir hoje: eles deveriam entrar em contato com algum veículo da mídia. Espero que eles se apresentem e falem sobre si", disse o presidente.

O envenenamento de Skripal e de sua filha Yulia Skripal com um agente nervoso na cidade britânica de Salisbury, em março deste ano, provocou uma crise diplomática entre Moscou e Londres, que acusou a Rússia de estar por trás do ataque.

As autoridades britânicas emitiram mandados de prisão europeus contra Alexander Petrov e Ruslan Boshirov, suspeitos de serem agentes da inteligência militar da Rússia, a GRU. Petrov e Boshirov teriam sido enviados para matar Skripal, ex-espião russo que teria dado informações à inteligência britânica. Skripal foi preso na Rússia antes de ser libertado em uma troca de espiões em 2010.

O governo britânico sempre acusou a Rússia de ter orquestrado o ataque, algo que o Kremlin nega. Em represália, Reino Unido e aliados, incluindo Estados Unidos e nações europeias, expulsaram à época dezenas de diplomatas russos, enquanto Moscou fez o mesmo com diplomatas estrangeiros. Ao todo, as ordens de expulsão atingiram mais de 300 funcionários em vários países.

O agente nervoso utilizado contra Skripal e a filha foi o mortal Novichok, desenvolvido pelos militares soviéticos durante a Guerra Fria. A primeira-ministra do Reino Unido, Theresa May, disse que o uso do agente foi quase certamente aprovado "por um nível sênior do estado russo".

Poucos dias após o envenenamento, o então ministro do Exterior do Reino Unido, Boris Johnson, associou Putin diretamente ao crime, acusação firmemente negada pelo presidente russo.

PJ/ap/dpa/afp | Deutsche Welle

Retrato dos EUA à espera do colapso


Dominação financeira. Desigualdade. Serviços públicos devastados. Assim se desfaz a “democracia” que inspirou as elites do Ocidente por cem anos. Trump — não se iluda — é só um sintoma

Chris Hedges, no Truthdig | Outras Palavras | Tradução: Inês Castilho | Imagem: Mr Fish

O governo Trump não emergiu, prima facie, como Vênus numa meia concha do mar. Donald Trump é o resultado de um longo processo de decadência política, cultural e social. É produto da falência da democracia norte-americana. Quando mais o país mantiver a ficção de que é uma democracia que funciona, de que Trump e as mutações políticas à sua volta são de alguma forma um desvio aberrante que pode ser vencido nas próximas eleições, mais nos se precipitará em direção à tirania. O problema não é Trump. É um sistema político dominado pelo poder corporativo e mandarins dos dois principais partidos políticos, para os quais a sociedade não conta. Só será possível recuperar o controle político desmantelando o estado corporativo, e isso significa desobediência civil maciça e contínua, como aquela demonstrada neste ano por professores de todo o país. Se não nos levantarmos, entraremos numa nova idade das trevas.

O Partido Democrata, que ajudou a construir nosso sistema de totalitarismo invertido, é uma vez mais tido como o salvador por muitos no campo da esquerda. Isso, apesar de o partido recusar-se firmemente a enfrentar a desigualdade social que levou à eleição de Trump e à insurgência de Bernie Sanders. Ele é surdo, mudo e cego ao sofrimento real que flagela metade do país. Não lutará para pagar aos trabalhadores um salário digno. Não derrotará a indústria farmacêutica e a de seguros para propiciar cuidados de saúde para todos. Não conterá o apetite voraz das forças armadas, que estão eviscerando o país e promovendo a instauração de guerras estrangeiras fúteis e caras. Não irá restaurar nossas liberdades civis perdidas, incluindo o direito à privacidade, à liberdade da vigilância governamental e ao devido processo legal. Ele não vai expulsar da política o dinheiro sujo e corporativo. Não vai desmilitarizar a polícia e reformar um sistema prisional que tem 25% dos prisioneiros do mundo, embora os Estados Unidos tenham somente 5% da população mundial. Ele atua para as margens, especialmente em épocas eleitorais, recusando-se a abordar problemas políticos e sociais substantivos, e focando, ao contrário, em questões culturais limitadas como direitos dos homossexuais, aborto e controle de armas, em nossa espécie peculiar de antipolítica.

Essa é uma tática condenada, mas compreensível. A liderança do partido, os Clinton, Nancy Pelosi, Chuck Schumer, Tom Perez são criações da América corporativa. Num processo político aberto e democrático, não dominado pelas elites partidárias e pelo dinheiro corporativo, essas pessoas não teriam poder político. Elas sabem disso. Iriam antes implodir o sistema inteiro que abrir mão de suas posições privilegiadas. E isso, temo, é o que irá acontecer. A ideia de que o Partido Democrata é de algum modo um baluarte contra o despotismo desafia suas atividades políticas nas últimas três décadas. Ele é a garantia do despotismo.

Trump explorou o ódio que enormes segmentos da população norte-americana têm de um sistema político e econômico que os traiu. Trump pode ser inepto, degenerado, desonesto e narcisista, mas ridiculariza habilmente o sistema que estes vastos segmentos desprezam. As provocações cruéis e humilhantes que dirige às agências governamentais, leis e elites do establishment ecoam junto às pessoas para quem essas agências, leis e elites tornaram-se forças hostis. E para muitos que não veem na paisagem política nenhuma mudança para aliviar seu sofrimento, a crueldade e os insultos de Trump são pelo menos catárticas.

Como todos os déspotas, Trump não tem fundamentos éticos. Escolhe seus aliados e nomeados com base na lealdade pessoal e bajulação obsequiosa que lhe fazem. Ele trai qualquer um. É corrupto, acumula dinheiro para si mesmo – no ano passado fez 40 milhões de dólares somente em seu hotel de Washington – e para seus aliados das corporações. Está desmantelando as instituições governamentais que proporcionaram, um dia, alguma regulação e supervisão. É um inimigo da sociedade aberta, o que o torna perigoso. Seu ataque turbinado aos últimos vestígios de instituições e normas democráticas significa que em breve não haverá nada, nem mesmo nominalmente, para nos proteger do totalitarismo corporativo.

Mas as advertências dos arquitetos de nossa democracia fracassada contra o fascismo rasteiro, entre elas a de Madeleine Albright, são de fazer rir Elas mostram o quão desconectadas do zeitgeist tornaram-se as elites. Nenhuma dessas elites tem credibilidade. Elas construíram o edifício de mentiras, enganações e pilhagem corporativa que tornou Trump possível. E quanto mais Trump ridiculariza essas elites, e quanto mais elas gritam como Cassandras, mais ele preserva sua presidência desastrosa e permite que os cleptocratas saqueiem o país, em rápida desagregação.

A imprensa é um dos principais pilares do despotismo de Trump. Ela tagarela infinitamente, como cortesãos do século 18 na corte de Versalhes, sobre as fraquezas do monarca, enquanto os camponeses não têm pão. Divaga sobre temas vazios, como a intromissão russa e um suborno a uma atriz pornô, que nada têm a ver com o inferno diário que, para muitos, define a vida nos EUA. Recusa-se a criticar ou investigar os abusos do poder corporativo, que destruiu nossa democracia e economia e orquestrou a maior transferência de riqueza, em favor dos mais ricos, da história do país. A imprensa corporativa é uma relíquia deteriorada que, em troca de dinheiro e acesso, cometeu suicídio cultural. E quando Trump a ataca com “fake news” ele expressa, uma vez mais, o ódio profundo de todos aqueles que ela ignora. A imprensa adora o ídolo de Mammon tão servilmente quanto Trump. Ela ama a presidência do reality show. A imprensa, especialmente o noticiário a cabo, mantém luzes acesas e câmeras rodando de modo que os espectadores fiquem colados a uma versão século 21 do “Gabinete do Dr. Caligari”. Isso é bom para os índices de audiência. É bom para os lucros. Mas acelera o declínio.

Tudo isso logo será agravado pelo colapso financeiro. Desde a crise financeira de 2008, os bancos de Wall Street receberam do Federal Reserve e do Congresso 16 trilhões de dólares em resgates e outros subsídios, com juros de quase zero por cento. Eles usaram esse dinheiro, assim como o dinheiro poupado pelos enormes cortes de impostos instituídos no ano passado, para recomprar suas próprias ações, aumentando a remuneração e os bônus de seus gerentes e empurrando a sociedade mais fundo para a servidão de uma dívida insustentável. Só as operações do cassino de Sheldon Adelson tiveram uma isenção fiscal de 670 milhões de dólares na legislação de 2017. A proporção média entre o que é pago a um presidente de empresa e a um trabalhador é agora de 339 para 1, com a maior diferença aproximando-se de 5.000 para 1. Esse uso circular de dinheiro para fazer e acumular dinheiro é o que Karl Marx denominava “capital fictício”. O aumento constante da dívida pública, da dívida corporativa, da dívida de cartão de crédito e da dívida de empréstimos estudantis acabará por levar, como escreve Nomi Prins, a um “ponto de inflexão – quando o dinheiro que entra para suprir essa dívida, ou disponível para empréstimo, simplesmente não cobrirá o pagamento dos juros. Então, as bolhas da dívida irão estourar, começando pelas ações de maior rendimento”.

Uma economia que depende da dívida para seu crescimento faz com que a taxa de juros salte para 28% quando alguém atrasa um pagamento do cartão de crédito. Essa a razão porque os salários estão estagnados ou foram reduzidos em termos reais – se a população tivesse um rendimento sustentável não seria obrigada a pedir dinheiro emprestado para sobreviver. É por isso que uma educação universitária, casas, contas médicas e serviços públicos custam tanto. O sistema é projetado para que nunca possamos nos libertar das dívidas.

Contudo, a nova crise financeira, como aponta Prins em seu livro“Collusion: How Central Bankers Rigged the World” (“Conluio: Como os banqueiros centrais controlaram o mundo”), não será como a última. Isso porque, como ela diz, “não há Plano B”. As taxas de juros não podem ser mais rebaixadas. Não houve crescimento na economia real. Na próxima vez, não haverá saída. Quando a economia quebrar e a raiva explodir, em todo o país, numa tempestade de fogo, surgirão os políticos bizarros, aqueles que farão Trump parecer inteligente e benigno.

E então, para citar Vladimir Lenin, o que fazer?

Precisamos investir nossa energia na construção de instituições paralelas, populares, para proteger-nos e empregar poder contra poder. Essas instituições paralelas, inclusive sindicatos, organizações de desenvolvimento comunitário, de moeda local, partidos políticos alternativos e cooperativas de alimentos terão de ser construídas de cidade em cidade. As elites, num tempo de dificuldade, irão retirar-se para seus condomínios fechados e deixarão que nos viremos por nós mesmos. Os serviços básicos, da coleta de lixo ao transporte público, distribuição de alimentos e assistência médica, entrarão em colapso. O desemprego e subemprego massivo, desencadeando agitação social, serão tratados não através da criação de empregos pelo governo, mas com a brutalidade da polícia militarizada e a completa suspensão das liberdades civis.

Os críticos do sistema, já empurrados para as margens, serão silenciados e atacados como inimigos do Estado. Os últimos vestígios de sindicato de trabalhadores entrarão no alvo, um processo a ser acelerado em breve, com a esperada decisão na Suprema Corte de um caso que enfraquecerá a capacidade dos sindicatos do setor público de representar trabalhadores. O dólar deixará de ser moeda de reserva, causando acentuada desvalorização. Os bancos fecharão as portas. O aquecimento global resultará em custos cada vez mais pesados, especialmente para as populações costeiras, na agricultura e na infraestrutura — custos que o Estado exaurido não conseguirá enfrentar. A imprensa corporativa, como as elites dominantes, irá do burlesco ao absurdo, sua retórica tão patentemente fictícia que, como em todos os Estados totalitários, estará desvinculada da realidade. Os meios de comunicação soarão tão estúpidos quanto Trump. E, para citar W.H. Auden, “as criancinhas morrerão nas ruas”.

Como correspondente estrangeiro cobri sociedades arruinadas, inclusive a antiga Iugoslávia. É impossível para qualquer população atingida compreender, às vésperas da implosão, quão frágil tornou-se o sistema financeiro, social e político degradado. Todos os presságios do colapso são visíveis: infraestrutura em ruínas; subemprego e desemprego crônicos; uso indiscriminado de força letal pela polícia; paralisia política e estagnação; uma economia construída na forca da dívida; fuzilamentos niilistas maciços em escolas, universidades, locais de trabalho, shoppings, casas de shows e cinemas; overdoses de opióides que matam cerca de 64 mil pessoas por ano; epidemia de suicídios; expansão militar insustentável; o jogo como ferramenta desesperada de desenvolvimento econômico e receita do governo; a captura do poder por um grupo minúsculo e corrupto; censura; redução física de instituições públicas, de escolas e bibliotecas a tribunais e equipamentos de saúde; bombardeio incessante de alucinações eletrônicas para desviar-nos da visão deprimente em que se transformou a América e manter-nos capturados por ilusões. Nós sofremos as patologias habituais da morte iminente. Eu ficaria feliz em estar errado. Mas já vi isso antes. Conheço os sinais de aviso. Tudo o que posso dizer é: prepare-se.

*Chris Hedges é jornalista vencedor do Prêmio Pulitzer, autor best selling do New York Times, professor do programa de nível universitário oferecido aos prisioneiros do estado de New Jersey pela Universidade Rutgers, e ordenado…

Um apelo para fazer Julian Assange regressar ao seu país


John Pilger

O governo australiano tem a obrigação de libertar Julian Assange, afirmou John Pilger na manifestação de Sydney em 16 de junho para assinalar os seis anos de detenção de Assange na embaixada do Equador em Londres.

A perseguição a Julian Assange tem de acabar. Do contrário, terminará em tragédia.

O governo australiano e o primeiro-ministro Malcolm Turnbull têm uma ocasião histórica para escolher entre estas duas situações.

Podem manter-se mudos, mas a história não lhes perdoará. Ou então podem agir no interesse da justiça e da humanidade e fazer voltar ao seu país este notável cidadão australiano.

Assange não pede qualquer tratamento de favor. O governo tem claras obrigações diplomáticas e morais de proteger os cidadãos australianos no estrangeiro contra qualquer injustiça flagrante; no caso de Julian, de um erro judicial flagrante e do perigo extremo que ele corre se sair da embaixada do Equador em Londres sem proteção.

Sabemos, pelo episódio de Chelsea Manning, aquilo que o espera se um mandado de extradição americano tiver êxito: segundo um relator especial das Nações Unidas, trata-se de tortura.

Conheço bem Julian Assange; considero-o um grande amigo, uma pessoa de uma resistência e coragem extraordinárias. Vi-o submerso num tsunami incessante e dissimulado de mentiras e de calúnias, na mira da vingança; e sei porque é que o caluniam.

Um plano de destruição da WikiLeaks e de Assange foi apresentado num documento altamente secreto, com data de 8 de março de 2008. O autor era a "Cyber Counter-intelligence Assessments Branch" do Ministério da Defesa dos Estados Unidos. Descreviam em pormenor como era importante destruir o "sentimento de confiança" que é o "centro de gravidade" da WikiLeaks.

Isso seria conseguido, escrevem, com ameaças "de exposição a uma perseguição penal" e com ataques repetidos contra a sua boa reputação". O objetivo era calar e criminalizar a WikiLeaks, o seu autor principal e o seu editor. Era como se planificassem uma guerra contra um único ser humano e contra o próprio princípio da liberdade de expressão.

Meios de comunicação "vichystas"

A arma principal seria conspurcar os indivíduos. As tropas de choque estariam disfarçadas nos media ou seja, aqueles que, supostamente, relatam os factos e nos dizem a verdade.

A ironia é que ninguém disse a esses jornalistas o que fazer. Eu chamo-lhes de jornalistas "vichystas" – referindo-me ao governo de Vichy que serviu e encorajou a ocupação alemã em França no tempo da guerra.

Em outubro passado, a jornalista Sarah Ferguson, da Australian Broadcasting Corporation [a televisão pública australiana, NT], entrevistou Hillary Clinton, a quem chamou um "ícone da sua geração".

Foi esta mesma Clinton que ameaçou eliminar o Irão do mapa e que, na qualidade de secretária de Estado dos Estados Unidos em 2011, foi uma das instigadoras da invasão e da destruição do Estado moderno que era a Líbia, com a perda de 40mil vidas humanas. Tal como a invasão do Iraque, baseava-se em mentiras.

Quando o presidente líbio foi linchado e massacrado selvaticamente à facada, Clinton foi filmada, delirante e a aplaudir. Graças a ela, a Líbia passou a ser um terreno fértil para o Estado Islâmico e outros jihadistas. Graças a ela, dezenas de milhares de refugiados fugiram, atravessando o Mediterrâneo, correndo perigo de vida, e muitos deles morreram afogados.

A WikiLeaks levantou o véu sobre Clinton 

Os emails que foram publicados pela WikiLeaks revelaram que a fundação de Hillary Clinton – que ela tem em comum com o marido – recebeu milhões de dólares da Arábia Saudita e do Qatar, os principais financiadores do Estado Islâmico e do terrorismo no Médio Oriente.

Na qualidade de secretária de Estado, Hillary Clinton aprovou a venda de armas mais importante de sempre – no valor de 80 mil milhões de dólares – à Arábia Saudita, um dos principais benfeitores da sua fundação. Hoje, a Arábia Saudita utiliza essas armas para esmagar gente esfomeada, debaixo de fogo de uma ofensiva contra o Iémen que se assemelha a um genocídio.

Sarah Ferguson, uma jornalista muito bem paga, não falou disso, quando Hillary Clinton se encontrava sentada à sua frente.

Em vez disso, pediu a Hillary que descrevesse os "prejuízos" que Julian Assange lhe causara "pessoalmente". Em resposta, Hillary difamou Assange, um cidadão australiano, como sendo "claramente um instrumento das informações russas" e "um oportunista niilista às ordens de um ditador".

Não apresentou nenhuma prova – e ninguém lha pediu – em apoio destas graves acusações.

Em nenhum momento, Assange teve direito de responder a esta entrevista chocante, que os media, financiados pelos dinheiros públicos australianos, tinham o dever de lhe dar.

Como se isso não bastasse, a diretora de produção de Ferguson, Sally Neighour, acrescentou à entrevista um tweet especialmente viperino: "Assange é a puta de Putin. Todos sabemos!"

Há inúmeros outros exemplos de jornalismo vichysta. O Guardian, que já teve a reputação de ser um grande jornal progressista, desencadeou uma vendetta contra Julian Assange. Como um amante rejeitado, o Guardian dirigiu ataques pessoais, mesquinhos, desumanos e fantasistas contra um homem que, em tempos, tinha publicado e de quem tirara proveito.

O antigo diretor-chefe do Guardian, Alan Rusbridger, classificou as revelações da WikiLeaks, que o seu jornal publicou em 2010, "um dos maiores furos jornalísticos dos últimos 30 anos". Os prémios foram atribuídos e recompensados como se Julian Assange não existisse.

Denegrir e tirar proveito de Assange 

As revelações da WikiLeaks passaram a fazer parte integrante do plano de marketing do Guardian para aumentar o preço de venda do jornal. Ganharam dinheiro, por vezes muito dinheiro, enquanto a WikiLeaks e Assange lutavam para sobreviver. Sem que um cêntimo tenha ido parar à WikiLeaks, um livro muito mediatizado pelo Guardian deu azo a um filme hollywoodesco muito rentável. Os autores do livro, Luke Harding e David Leigh, trataram Assange de "personalidade diminuída" e "sem coração".

Também divulgaram a senha secreta que Julian tinha dado ao Guardian , confiantemente, e que tinha sido concebida para proteger um ficheiro numérico que continha os endereços eletrónicos da embaixada dos Estados Unidos.

Quando Assange ficou encerrado na embaixada do Equador, Harding, que tinha enriquecido à conta de Julian Assange e de Edward Snowden, juntou-se à polícia diante da embaixada e gracejou no seu blogue: "Talvez seja a Scotland Yard que venha a rir por último".

A pergunta é: porquê?

Julian Assange não praticou nenhum crime. Nunca foi acusado de nenhum crime. A acusação sueca era falsa e grotesca e ele foi ilibado.

Katrin Axelsson e Lisa Longstaff, da organização "Women Against Rape" [as mulheres contra a violação, N.T.] resumiram-na nestes termos: "As acusações contra [Assange] são uma cortina de fumo por detrás da qual se esconde um certo número de governos que têm de amordaçar a WikiLeaks por ter revelado ao público, corajosamente, os seus projetos secretos de guerras e de ocupações, com tudo o que elas representam de violações, assassínios e destruição… As autoridades preocupam-se tão pouco com a violência contra as mulheres que manipulam as acusações de violação como lhes apetece…"

Esta verdade foi perdida ou enterrada numa mediática caça às bruxas que associava Assange, de forma escandalosa, à violação e à misoginia. A caça às bruxas incluía vozes que se descreviam como sendo de esquerda e feministas. Ignoraram deliberadamente as provas do perigo extremo para Assange, se ele fosse extraditado para os Estados Unidos.

Segundo um documento publicado por Edward Snowden, Assange figura numa "lista de homens a abater". Um memorando oficial que veio a ser conhecido indica: "Assange vai ser uma bela noiva na prisão. Nenhuma contemplação para com este terrorista. Vai comer comida de cão até ao fim dos tempos".

Em Alexandra, na Virgínia – o subúrbio onde reside a elite americana que produz a guerra, um grande júri secreto, que faz lembrar a Idade Média, conspirou, durante sete anos, para engendrar um crime de que Assange seria acusado.

Não é fácil: a Constituição dos Estados Unidos protege os editores, os jornalistas e quem lança alertas. O crime de Assange é de ter quebrado um silêncio.

Nunca aconteceram

Na minha vida, nunca assisti a nenhuma investigação jornalística com uma dimensão comparável à que a WikiLeaks fez, fazendo apelo ao poder para prestar contas. É como se o vidro sem mancha da moral tivesse sido quebrado, denunciando o imperialismo das democracias ocidentais: o seu empenho numa guerra sem fim, a divisão e a devastação de vidas "sem valor": da torre Grenfell [o prédio de alojamento social dos arredores de Londres cujo incêndio fez inúmeras vítimas, NT] até à Faixa de Gaza.

Quando Harold Pinter aceitou o Prémio Nobel da Literatura em 2005, fez referência a "uma enorme meada de mentiras que nos serve de alimento". Perguntou porque é que "a violência sistemática, as atrocidades generalizadas, a supressão implacável do pensamento independente" da União Soviética eram tão conhecidas no Ocidente, enquanto os crimes imperialistas da América "nunca aconteceram… mesmo quando aconteceram, nunca aconteceram".

Nas suas revelações sobre as guerras de motivos falseados (Afeganistão, Iraque) e sobre as mentiras descaradas dos governos (as ilhas Chagos), a WikiLeaks permitiu que entrevíssemos como funciona o imperialismo no século XXI. É por isso que Assange corre perigo de morte.

Há sete anos, em Sydney, tomei as minhas disposições para encontrar Malcolm Turnbull, um conhecido deputado federal de esquerda.

Queria pedir-lhe que enviasse uma carta dirigida ao governo por Gareth Peirce, o advogado de Assange. Falámos da sua famosa vitória – nos anos 80, quando, ainda jovem advogado, ele tinha combatido as tentativas do governo britânico para suprimir a liberdade de expressão e impedir a publicação do livro Spycatcher, uma espécie de WikiLeaks da época, porque revelava os crimes do poder do Estado.

A primeira-ministra australiana era na altura Julia Gillard, dirigente do Partido Trabalhista, que tinha declarado a WikiLeaks "ilegal" e que queria mandar anular o passaporte de Assange – até lhe dizerem que ela não tinha poderes para isso; que Assange não tinha praticado nenhum crime; que a WikiLeaks era um meio de comunicação cujo trabalho estava protegido pelo artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de que a Austrália tinha sido um dos primeiros signatários.

Abandonando Assange, um cidadão australiano, à sua sorte e cúmplice da sua perseguição, o comportamento escandaloso da primeira-ministra Gillard abriu a possibilidade de reconhecer Assange como refugiado político cuja vida estava em perigo, perante o direito internacional. O Equador invocou a Convenção de 1951 e concedeu refúgio a Assange na sua embaixada em Londres.

Gillard apareceu há pouco tempo num espetáculo com Hillary Clinton, ambas consideradas feministas de vanguarda.

O que há para reter sobre Gillard é um discurso caloroso, hipócrita e constrangedor que ela proferiu no Congresso americano, pouco tempo depois de ter exigido a anulação ilegal do passaporte de Julian.

Malcolm Turnbull é o atual primeiro-ministro da Austrália. O pai de Julian Assange escreveu-lhe. É uma carta comovente, na qual ele pedia ao primeiro-ministro para fazer o filho voltar ao seu país. Fala do risco muito real de ocorrer uma tragédia.

Eu vi a saúde de Assange deteriorar-se, ao longo dos anos de encerramento e de privação de sol. Atacado por uma tosse incessante, nem sequer teve autorização para ir ao hospital fazer um exame radiológico.

Malcolm Turnbull pode manter-se mudo. Ou pode aproveitar esta oportunidade e usar a influência diplomática do seu governo para defender a vida de um cidadão australiano, cuja ação corajosa é reconhecida por numerosas pessoas no mundo inteiro. Pode fazer com que Julian Assange volte para o seu país. 


Tradução de Margarida Ferreira

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ 

Nota PG: Este discurso de Pilger foi feito em Junho, era então primeiro-ministro da Austrália Malcolm Turnbull. Actualmente o primeiro-ministro australiano é Scott John Morrison, um politico australiano que atualmente serve como primeiro-ministro da Austrália e líder do Partido Liberal, desde 24 de agosto de 2018. Ele também é membro da Câmara dos Representantes desde 2007, representando a Divisão de Cook, em Nova Gales do Sul. | Wikipédia

Portugal | A 10ª melhor democracia


Ana Alexandra Gonçalves* | opinião

O Relatório da Democracia de 2018, que corresponde ao relatório anual do Projecto V-Dem, com sede na Universidade de Gotemburgo, coloca a democracia portuguesa na 10ª posição, juntamente com países como a Noruega, Suécia, Estónia, Suíça, Dinamarca, Costa Rica, Finlândia, Austrália e Nova Zelândia.

Segundo este estudo, Portugal, ao contrário do que se passa em muitos países por todo o mundo, tem vindo a melhorar a sua democracia liberal, designadamente em relação ao respeito e salvaguarda dos direitos e liberdades das populações.

Apesar de Portugal descer em matéria de participação política, não arrancar em matéria de participação de mulheres na política e na percepção dos níveis de corrupção, de um modo geral o país faz verdadeiros progressos nos últimos anos.

É evidente que as desigualdades sociais ainda são a verdadeira causa do enfraquecimento de qualquer democracia e Portugal não é excepção neste particular. Apesar do que já tem vindo a ser conseguido, é difícil imaginar uma democracia sólida onde os cidadãos têm dificuldades crescentes no acesso à Saúde ou Educação; apesar do que tem vindo a ser conseguido é difícil imaginar uma democracia onde cabem mais de dois milhões de pobres. Sem dignidade dos cidadãos é difícil falar-se em democracia.

Ana Alexandra Gonçalves | Triunfo da Razão

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