quinta-feira, 15 de novembro de 2018

A perturbadora nostalgia da guerra


O armistício que pôs fim a uma das maiores e mais cruéis chacinas mundiais está a ser celebrado na Europa através de paradas militares. Portugal excedeu-se convocando o maior desfile militar de sempre

José Roulão | AbrilAbril | opinião

Anda por aí uma crescente nostalgia da guerra. O que é perturbador, inquietante, assustador mesmo. Não tanto da parte dos cavalheiros da indústria da morte, que esses estão muito bem servidos de guerras, embora, pela lógica inatacável do mercado, seja conveniente manter acesos os conflitos que se travam e criar alguns outros por precaução; também não será das instâncias internacionais e dos governos, porque esses lidam diariamente com a guerra, acarinham-na até, mesmo aqueles que não gerindo nações vastas em dimensão confundem grandeza e dignidade com a pertença a alianças guerreiras para as quais a liberdade e a democracia se cultivam através de práticas criminosas. Como resultado destas circunstâncias, é no cidadão comum que se pressente, com maior evidência, a nostalgia da guerra.

Como resultado da aliança explosiva entre os discursos oficiais, a vários níveis, a comunicação social de largo consumo e a abastardada indústria do entretenimento – que alguns insistem em confundir com a cultura – a chamada opinião pública está a ser insidiosamente formatada em modo de guerra. Como se devesse preparar-se para algo que não tarda a rebentar por aí. Ou seja, estão a tentar convencer-nos, através de métodos multidisciplinares e convergentes – tanto quanto possível indolores – de que a guerra, na forma de um conflito de dimensão continental ou transcontinental, é inevitável.

Causas e consequências

Dos cavalheiros da Lockheed, da Boeing, da BEA Systems, da Raytheon, da Northrop e respectivos amanuenses no Pentágono, dentro da NATO e nos governos militarmente aliados não temos que nos espantar. É o negócio de uns, o belo emprego de outros, a política de todos, porque a guerra e o neoliberalismo em todas as suas versões – globalismo, nacionalismos e fascismo – são unha com carne, por definição indissociáveis.

Do comportamento da comunicação social de grande consumo não devemos, igualmente, espantar-nos. Gere-se pela lei do lucro, que é inimiga do interesse dos cidadãos; e como tudo o que seja violência, cultura bélica, jogos militares e, principalmente, a guerra são coisas que vendem, que garantem share, que massificam audiências, que arrebanham multidões, então que venham, quanto mais sangue humano a escorrer mais dinheiro em caixa. É a lei do mercado, a constituição planetária.

Além disso, como tem vindo a afinar-se o talento para fundir a comunicação social com a propaganda e entretenimento, criando um produto híbrido e venenoso a que o neologismo infotainment ainda está longe de corresponder, a transformação do cidadão comum em consumidor inerte da cultura de guerra tornou-se automática e em circuito fechado, com rotação acelerada pela dinâmica tecnológica. Por isso, o Estado de Israel, o mais eficaz laboratório de guerra existente, é conhecido como «a nação startup».

Acaba por não ser surpreendente, portanto, que o cidadão comum, aquele cuja multiplicação por milhares de milhões cria a «opinião pública», manifeste sintomas de nostalgia de guerra. O que torna o fenómeno ainda mais arrepiante.

A morte é muito fotogénica

A banalização da morte, desde os jogos para crianças e adolescentes até às imagens de guerra transmitidas nos noticiários televisivos de prime time, passando pela massiva cinematografia versando o assunto, distancia as pessoas da tragédia que representa a perda de um ser humano, familiariza-as com a violência, com o assassínio – tudo à distância de um clique, de um botão que se carrega, de um aceno com o telecomando, do bilhete de cinema, do aluguer de um filme, dos saldos de CD’s ou DVD’s, da escolha de um episódio em dezenas de canais de séries, da arte de manusear uma consola. Morte real ou a fingir? A reprodução através de imagens muitas vezes não é explícita, quanto mais realista for a versão ficcional mais eficaz é o entretenimento, mais entranhada fica a identificação com a violência.

Depois há também o culto do herói, solitário ou destacando-se do anonimato do grupo, a moda militar, a definição e tipificação do inimigo, a inadmissibilidade da crítica à «boa» aliança militar, a deturpação da realidade das guerras existentes, a glorificação da eficácia, das capacidades e performance das armas de extermínio, a compreensão perante o fim de tratados de desarmamento. A morte de seres humanos é sempre um dos objectivos principais da guerra, mas essa realidade está dissolvida na propaganda subliminar, na sensação transmitida de que o drama é sempre qualquer coisa de alheio, distante – e se os «maus» forem exterminados, tanto melhor.

Os poderes públicos não têm sequer o bom senso, ou mesmo a decência, de evitar a militarização de comemorações com as quais pretendem celebrar a paz.

O armistício que pôs fim a uma das maiores e mais cruéis chacinas mundiais está a ser celebrado na Europa, com epicentro em Paris, através de grandiosas paradas militares simbolizando, no fundo, a prontidão para voltar a fazer o mesmo.

Portugal, como não podia deixar de ser, seguiu a regra, excedeu-a mesmo convocando o maior desfile militar de sempre para assinalar o envio de uma geração de portugueses para o matadouro, como um imenso rebanho de gado. A República de hoje foi incapaz de amenizar, ao menos com desculpas às famílias dos mortos e estropiados, a ignomínia praticada pela República dos primeiros tempos ao agir como qualquer monarquia absoluta.

A República de hoje foi incapaz de assinalar o armistício com um acto cívico de reflexão sobre a decisão de condenar milhares de portugueses a uma morte certa para irem matar concidadãos alemães sem saberem ao certo por quê. Desta maneira foram martirizados milhões de jovens de vários continentes, para ajuste de contas entre imperadores capitalistas com desavenças de dominação e de acesso, como sempre, aos lucros. E assim se celebra o armistício, cem anos depois, com gigantescas e solenes exibições de aptidões castrenses, como quem passa a mensagem «estamos prontos para outra», mais tarde ou mais cedo as guerras são acontecimentos inevitáveis.

Um ambiente gerado deste modo é susceptível de proporcionar emoção, orgulhos, identificação, uma certa nostalgia da guerra entre as pessoas que não se apercebem do quanto são manipuladas, manobra que o discurso oficial alimenta com o cinismo do «serviço à pátria», uma receita que não conhece fronteiras e funciona em todas as «pátrias».

«Servir a Pátria»

Que «serviço à pátria» prestam, por exemplo, os militares portugueses no Afeganistão? Ou na República Centro Africana, mais de 40 anos depois de nos libertarmos da guerra colonial?

Neste país de África, os militares portugueses actuam, ao que se diz, sob a bandeira da União Europeia, pelos vistos uma «pátria alargada» cuja vocação militar se desconhecia, a não ser como entidade política subsidiária da NATO.

É difícil identificar os interesses portugueses pelos quais esse contingente guerreia em África, onde se trata, isso sim, de servir os contrabandistas de diamantes, urânio, madeiras preciosas, cavalheiros aparentados com as famílias da indústria da morte e outras ilustres corporações, todas elas escravocratas.

E que «serviço à pátria» prestaram os militares portugueses que foram envolvidos, sob comando norte-americano, nas colossais manobras de guerra agora realizadas na Noruega e outros espaços nórdicos, mas sempre com as miras assestadas à Rússia?

Estas interrogações não são comuns entre os comuns cidadãos. Talvez porque não lhes seja dado espaço para as idealizaram enquanto são entretidos com as heróicas façanhas dos «nossos aliados» chacinando sírios e líbios ou sérvios por atacado, levando a democracia e a liberdade até casa dos próprios à bomba, arrombando portas que não se lhes abram, não hesitando em recorrer a armas proibidas como são as munições de fósforo branco.

Para cidadãos despertos e atentos, as patranhas e mistificações que estão na origem de tais feitos gloriosos seriam fontes de revoltas, de indignação, de repúdio. Porém, isso não pode acontecer porque a maioria das pessoas do planeta estão, de facto, anestesiadas com a guerra que lhes servem a todas as horas, a sério, de faz de conta ou como actividade lúdica.

Daí resultam inércia em vez de atenção crítica, alguma identificação no lugar de indignação, uma certa nostalgia substituindo o que poderia ser repúdio.

Enquanto, inertes ou revoltados, todos nos aproximamos uma vez mais do matadouro, conduzidos agora pelos marechais do mercado, por generais insensíveis e desumanizados, por políticos irresponsáveis, levianos e a soldo.

Foto: Soldado morto no campo de batalha de Verdun, durante a Grande Guerra (1914-1918). No «picador de carne» de Verdun - como foi chamado pelos que lá estiveram - morreram em combate três quartos de milhão de soldados.CréditosFonte: WWI poetry / Fonte: WWI Poetry

O que revelam as eleições dos EUA sobre o conflito interno


Thierry Meyssan*

As eleições dos EUA a meio-mandato foram interpretadas pelos grandes média em função da clivagem partidária Republicanos/Democratas. No entanto, prosseguindo a sua análise da evolução profunda do tecido social, Thierry Meyssan vê nelas o nítido recuo dos Puritanos face aos Luteranos e aos Católicos. O realinhamento político de Donald Trump está em vias de ser bem sucedido como, antes dele, foi o de Richard Nixon.

Durante as eleições intercalares dos EUA, os eleitores foram chamados a pronunciar-se para renovar, em bloco, a totalidade de membros da Câmara dos Representantes federal e um terço dos membros do Senado federal. Além disso, a nível local, eles votaram para 36 Governadores, providos de muitas outras funções locais, e responderam a 55 referendos.

Estas eleições são consideradas muito menos mobilizadoras do que as presidenciais. Os politólogos dos EUA não se interessam muito pela taxa de participação, na medida em que é possível participar apenas em algumas dessas eleições agrupadas e não em outras. 

Enquanto, desde o fim da Guerra Fria, a taxa de participação na eleição presidencial se situa entre 51 e 61% (com a excepção do voto para o segundo mandato de Bill Clinton, que não reuniu mais do que uma minoria de eleitores), a das eleições intercalares é da ordem de 36 a 41% ( à excepção da de 2018 que teria atingido 49%). Assim, do ponto de vista da participação cidadã, se as regras do jogo são democráticas, a prática não é o de forma nenhuma. Se houvesse um quórum [1], raros seriam os membros do Congresso a ser eleitos. Os Representantes e Senadores são habitualmente escolhidos apenas por menos de 20% da população.

Aqueles que analisam os resultados das eleições, tendo em vista prever as carreiras dos candidatos, salientam as clivagens partidárias. Desta vez, a Câmara dos Representantes será maioritariamente Democrata e o Senado de maioria Republicana. Esta contagem permite, por exemplo, antecipar a margem de manobra do Presidente em relação ao Congresso. No entanto, na minha opinião, não permite de nenhum modo compreender a evolução da sociedade norte-americana.

Durante a campanha presidencial de 2016, um ex-democrata, Donald Trump, apresentou-se à candidatura do Partido Republicano. Representava uma corrente política ausente da paisagem dos EUA desde a demissão de Richard Nixon: os “jacksonianos”. A priori, não tinha nenhuma chance de obter a investidura Republicana. Ora, ele eliminou, um por um, os seus 17 concorrentes, foi investido e ganhou a eleição face à preferida das sondagens, Hillary Clinton.

Os “jacksonianos” (do nome do Presidente Andew Jackson, 1829-1837) são defensores da democracia popular e das liberdades individuais, tanto face ao poder político como ao económico. Pelo contrário, a ideologia então dominante, tanto no Partido Democrata como no Partido Republicano, era a dos Puritanos : ordem moral e imperialismo.

Durante esta campanha, eu havia observado que a subida de importância de Donald Trump marcava a ressurgência de um conflito fundamental : de um lado, os sucessores dos «Pais Peregrinos» (do original “Pilgrim Fathers”- ndT) (os Puritanos que fundaram as colónias britânicas das Américas), e do outro, os sucessores dos imigrantes que se bateram pela independência do país [2].

A primeira componente histórica dos Estados Unidos (os Puritanos) entendia criar colónias com um estilo de vida «puro» (no sentido calvinista do termo) e prosseguir a política externa da Inglaterra. A segunda (os Anglicanos, os Luteranos e os Católicos) fugia da miséria, de que era vítima na Europa, e esperava triunfar pelo resultado do seu trabalho.

Estes dois grupos tinham encontrado um consenso em torno da sua Constituição. Os grandes proprietários fundiários que elaboraram a lei fundamental explicaram, longamente, querer reproduzir o sistema político da monarquia inglesa, mas sem criar aristocracia [3]. Enquanto os segundos, que acrescentaram o Bill of Rights (as 10 primeiras Emendas da Constituição), queriam prosseguir o seu «sonho americano» sem correr o risco de serem esmagados por uma qualquer «Razão de Estado».

No decurso dos últimos anos, os partidos Democrata e Republicano evoluíram para se tornarem os porta-vozes do pensamento puritano, defendendo a Ordem Moral e o Imperialismo. Os Bush são descendentes directos dos «Pais Peregrinos». Barack Obama compôs o seu primeiro gabinete apoiando-se, maciçamente, em membros da Pilgrim’s Society (o clube transatlântico presidido pela Rainha Elizabeth II). Hillary Clinton foi apoiada a 73% por «Judaico-Cristãos» [4] etc. Pelo contrário, Donald Trump representava, sozinho, a outra componente da história política dos EUA. Ele conseguiu em alguns meses tomar o contrôlo do Partido Republicano e levá-lo, pelo menos na aparência, a tomar as suas convicções.

No momento actual, cerca de um terço dos Norte-americanos polarizou-se violentamente entre os pró e os anti-Trump, enquanto os outros dois terços, muito mais moderados, mantêm-se à distância. Muitos observadores consideram que o país está agora tão dividido como o esteve na década de 1850, precisamente antes da guerra civil, dita «guerra da secessão». Contrariamente ao mito, o conflito não opunha um Sul esclavagista a um Norte abolicionista, uma vez que ambos os campos praticavam a escravatura (escravidão-br).

Na realidade, tinha a ver com a política económica e opunha um Sul agrícola e católico a um Norte industrial e protestante. No decorrer desta guerra, os dois campos tentaram recrutar os escravos para os seus exércitos. O Norte conseguiu libertá-los rapidamente, enquanto o Sul esperou, para tal, pelo selar da sua aliança com Londres. Historiadores mostraram que, de um ponto de vista cultural, este conflito prolongava nos Estados Unidos a guerra civil inglesa, dita a «Grande Rebelião» (que opôs Lord Cromwell e Carlos I). No entanto, ao contrário da Inglaterra, onde os puritanos acabaram por perder, quem venceu nos EUA foram os seus descendentes .

Foi este conflito que ameaçou ressurgir sob Richard Nixon e que se espalha hoje em dia às claras. Não é, aliás, indiferente que o melhor historiador sobre este assunto [5] seja Kevin Phillips, o antigo estratega eleitoral que ajudou Nixon a conquistar a Casa Branca. Nixon reabilitou os eleitores do Sul, reconheceu a China Popular e pôs fim à guerra do Vietname (iniciada pelos Democratas). Ele entrou em conflito com o “establishment” de Washington que o forçou à demissão (escândalo do Watergate).

Pode-se, é claro, ler os resultados das eleições intercalares de 2018 segundo a clivagem Republicanos / Democratas e concluir por um ligeiro êxito do Partido Democrata. Mas deve-se, sobretudo, lê-los segundo a clivagem Luteranos / Calvinistas.

Neste caso, deve-se observar que não só o Presidente Trump participou intensivamente nesta campanha, como igualmente o seu antecessor Obama. O objectivo era, quer apoiar o realinhamento cultural operado por Donald Trump, quer ganhar a maioria do Congresso afim de o destituir, fosse sob que pretexto fosse. O resultado é claro: o “impeachment” é impossível e Donald Trump dispõe do apoio de uma maioria de Governadores tornando a sua reeleição possível.

Os novos eleitos Democratas são jovens, partidários de Bernie Sanders, muito hostis ao “establisment” do seu Partido, nomeadamente a Hillary Clinton. Mas, acima de tudo, entre os candidatos Republicanos, TODOS aqueles que o Presidente Trump foi apoiar no terreno foram eleitos. Aqueles que recusaram a sua ajuda foram batidos.

Os perdedores destas eleições —no primeiro nível dos quais estão a imprensa e Barack Obama— não falharam porque são Republicanos ou Democratas, mas, sim porque são Puritanos. Contrariamente aos comentários dos média (mídia-br) dominantes, deve-se constatar que os Estados Unidos já não estão em vias de se auto-destruir, mas, antes de se reformar. Se esse processo continuar, os média terão que abandonar a sua retórica de ordem moral, e o país deverá regressar duradouramente a uma política de hegemonia, mas não mais imperialista. Em última análise, os Estados Unidos poderão recuperar o seu consenso constitucional.

Thierry Meyssan | Voltaire.net.org | Tradução Alva

*Intelectual francês, presidente-fundador da Rede Voltaire e da conferência Axis for Peace. As suas análises sobre política externa publicam-se na imprensa árabe, latino-americana e russa. Última obra em francês: Sous nos yeux. Du 11-Septembre à Donald Trump. Outra obras : L’Effroyable imposture: Tome 2, Manipulations et désinformations (ed. JP Bertrand, 2007). Última obra publicada em Castelhano (espanhol): La gran impostura II. Manipulación y desinformación en los medios de comunicación(Monte Ávila Editores, 2008).

Notas:
 [1] O quorum é o número mínimo de participantes exigido para que uma eleição seja válida. Aqueles países que têm um, para as eleições por sufrágio universal, fixam-no geralmente pela metade do universo eleitoral.
[2] “Os Estados Unidos vão reformar-se, ou dilacerar-se?”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 26 de Outubro de 2016.
[3] How Democratic Is the American Constitution ?, Robert A. Dahl, Yale University Press, 2002.
[4] Por «judaico-cristãos», entendo as pessoas que baseiam a sua vida, ao mesmo tempo, na fé das escrituras judaicas (Antigo Testamento) e nas escrituras cristãs (Novo Testamento) sem levar em conta as contradições existentes entre elas.
[5] The Cousins’ Wars, Kevin Philipps, Basic Books, 1999.

A crucificação de Julian Assange


Chris Hedges [*]

O santuário de Julian Assange na Embaixada do Equador em Londres foi transformado numa pequena câmara de horrores. Ele foi em grande medida desligado de comunicações com o mundo exterior durante os últimos sete meses. Sua cidadania equatoriana, que lhe fora concedida ao pedir asilo, está em vias de ser revogada. Sua saúde está debilitada. Os cuidados médicos de que precisa estão a ser negados. Seus esforços por reparação legal têm sido invalidados por leis da mordaça (gag rules), incluindo ordens equatorianas de que ele não pode tornar públicas suas condições no interior da embaixada que combate pela revogação da sua cidadania equatoriana.

O primeiro-ministro australiano Scott Morrison recusou-se a interceder em favor de Assange, um cidadão australiano, apesar de o novo governo no Equador, liderado por Lenin Moreno – o qual considera Assange como um "problema herdado" e um obstáculo para melhores relações com Washington – estar a tornar insuportável a vida do fundador da WikiLeaks na embaixada. Quase diariamente, a embaixada está a impor condições mais duras a Assange, incluindo fazer-lhe pagar suas contas médicas, impor-lhe regras misteriosas sobre como ele deve cuidar do seu gato e exigir-lhe que cumpra uma variedade de serviços de limpeza degradantes.

Os equatorianos, relutantes em expulsar Assange depois de lhe concederem asilo político e de lhe concederem cidadania, pretendem tornar a sua existência tão desagradável que ele concordará em abandonar a embaixada para ser preso pelos britânicos e extraditado para os Estados Unidos. O antigo presidente do Equador, Rafael Correa, cujo governo concedeu asilo político ao editor da WikiLeaks, descreve as actuais condições de vida de Assange como "tortura".

Sua mãe, Christine Assange, disse num apelo recente em vídeo , que "Apesar de Julian ser um jornalista que ganhou numerosos prémios, muito amado e respeitado por corajosamente revelar graves crimes e corrupção em alto nível no interesse público, ele agora está sozinho, doente, em sofrimento – silenciado em confinamento solitário, desligado de todo contacto e a ser torturado no centro de Londres. A jaula moderna dos presos políticos não é mais a Torre de Londres. É a Embaixada do Equador".

"Aqui estão os factos", prossegue ela. "Julian tem estado detido há cerca de oito anos sem acusação. Exactamente. Sem acusação. Durante os últimos seis anos, o governo do Reino Unido recusou o seu pedido de acesso a necessidades básicas de saúde, ar fresco, exercício, luz do sol para obter vitamina D e acesso a cuidados dentários e médicos adequados. Em consequência, sua saúde deteriorou-se gravemente. Os médicos que o examinaram advertiram que as condições da sua detenção ameaçam a sua vida. Um assassinato lento e cruel está a ter lugar diante dos nossos olhos na embaixada em Londres".

"Em 2016, após uma investigação profunda, as Nações Unidas determinaram que os direitos legais e humanos de Julian haviam sido violados em múltiplas ocasiões", disse ela. "Ele tem estado detido ilegalmente desde 2010. E a ONU ordenou a sua imediata libertação, passagem segura e compensação. O governo do Reino Unido recusou-se a cumprir a decisão da ONU. O governo dos EUA tornou a prisão de Julian uma prioridade. Eles querem contornar uma protecção dos EUA de jornalistas sob a Primeira Emenda acusando-o de espionagem. Eles não se detêm diante de nada para consegui-lo".

"Em consequência do assalto estado-unidense ao Equador, agora o seu asilo está sob ameaça imediata", disse ela. "A pressão dos EUA sobre o novo presidente do Equador resultou em Julian ser colocado num confinamento estrito e severo durante os últimos sete meses, privado de qualquer contacto com sua família e amigos. Só os seus advogados podiam vê-lo. Duas semanas atrás, as coisas pioraram substancialmente. O antigo presidente do Equador, Rafael Correa, que correctamente concedeu asilo político a Julian diante das ameaças dos EUA contra a sua vida e liberdade, advertiu publicamente, quando o vice-presidente Mike Pence visitou recentemente o Equador , que estava a ser feito um acordo para entregar Julian aos EUA. Ele declarou que como os custos políticos de expulsar Julian da sua embaixada eram demasiado altos, o plano era destruí-lo mentalmente. Um novo e impossível protocolo desumano foi implementado na embaixada para torturá-lo a tal ponto que ele quebrasse fosse forçado a abandoná-la".

Assange foi outrora festejado e cortejado por algumas das maiores organizações de media do mundo, incluindo The New York Times e The Guardian, pela informação que ele possuía. Mas uma vez que este tesouro de documentação material dos crimes de guerra dos EUA, grande parte proporcionada por Chelsea Manning , foi publicado por estes media ele foi posto de lado e demonizado. Um documento escapado do Pentágono, preparado pelo Cyber Counterintelligence Assessments Branch e datado de 08/Março/2008, revelou uma campanha de propaganda negra para desacreditar a WikiLeaks e Assange. O documento dizia que a campanha de enlameamento deveria procurar destruir o "sentimento de confiança" que é o "centro de gravidade" da WikiLeaks e enegrecer a reputação de Assange. Isto em grande medida funcionou. Assange é especialmente caluniado por publicar 70 mil emails hackeados pertencentes ao Democratic National Committee (DNC) e a altos responsáveis do Partido Democrata. Os democratas e o antigo director do FBI, James Comey, disseram que os emails foram copiados das contas de John Podesta, presidente da campanha da candidata democrata Hillary Clinton, por hackers do governo russo. Comey disse que as mensagens provavelmente foram entregues à WikiLeaks por um intermediário. Assange disse que os emails não foram providenciados por "actores estatais".

O Partido Democrata – procurando atribuir a culpa pela sua derrota eleitoral à "interferência" russa ao invés da grotesca desigualdade de rendimento, à traição da classe trabalhadora, à perda de liberdades civis, à desindustrialização e ao golpe de estado corporativo que o partido ajudou a orquestrar – ataca Assange como um traidor, embora ele não seja um cidadão americano. Nem tão pouco seja um espião. Ele não está impedido por qualquer lei que eu esteja consciente de manter segredos do governo dos EUA. ele não cometeu um crime. Agora, narrativas em jornais que outrora publicaram materiais da WikiLeaks centram-se no seu comportamento alegadamente desmazelado – o que não é evidente durante visitas que lhe fiz – e como ele é, nas palavras de The Guardian, um "hóspede não bem vindo" na embaixada. A questão vital dos direitos de um editor e de uma imprensa livre são ignorados com sarcasmo e com assassinato de carácter.

Em 2012 foi concedido asilo a Assange na embaixada para evitar extradição para a Suécia a fim de responder a perguntas acerca de alegações de ofensa sexual que foram finalmente abandonadas. Assange temia que uma vez na custódia da Suécia seria extraditado para os Estados Unidos. O governo britânico disse que, embora já não quisesse interrogar na Suécia, se Assange deixasse a Embaixada seria preso por romper suas condições de fiança.

A WikiLeaks e Assange fizeram mais para revelar as maquinações sombrias e os crimes do Império Americano do que qualquer outra organização de notícias. Assange, além de revelar atrocidades e crimes cometidos pelos militares dos Estados Unidos nas suas guerras infindáveis e revelar os meandros internos da campanha Clinton, tornou públicas as ferramentas de hacking utilizadas pela CIA e pela Agência de Segurança Nacional, seus programas de vigilância e sua interferência em eleições estrangeiras, incluindo as eleições francesas. Ele revelou a conspiraçãocontra o líder do Partido Trabalhista britânico, Jeremy Corby, de membros do Parlamento pertencentes ao Labour. E a WikiLeaks trabalhou rapidamente para salvar Edward Snowden , que revelou a vigilância maciça do público americano por parte do governo, de extradição para os Estados Unidos ao ajudá-lo a fugir de Hong Kong para Moscovo. A fuga de Snowden também revelou, de forma ameaçadora, que Assange estava numa "lista de alvos a serem caçados".

O que está a acontecer a Assange deveria aterrorizar a imprensa. Ainda assim, as suas provações são recebidas com indiferença e sorriso zombeteiro. Uma vez retirado da embaixada, ele será colocado em tribunal nos Estados pelo que publicou. Isto estabelecerá um precedente legal novo e perigoso que a administração Trump e futuras administrações utilizarão contra outros editores, incluindo aqueles que são parte da gentalha que tenta linchar Assange. O silêncio acerca do tratamento de Assange é não só uma traição a ele como também uma traição à própria liberdade de imprensa. Pagaremos muito caro por esta cumplicidade.

Mesmo que os russos tivessem providenciado os emails de Podesta a Assange, ele deveria tê-los publicado. Eu teria. Eles revelavam prática da máquina política de Clinton que ela e a liderança democrata desejaria esconder. Nas duas décadas em que trabalhei além-mar como correspondente estrangeiro recebi rotineiramente documentos roubados por organizações e governos. Minha única preocupação era se os documentos eram forjados ou genuínos. Se fossem genuínos, eu os publicava. Enbtre aqueles que me entregavam material incluíam-se os rebeldes da frente Farabundo Marti de Libertação Nacional (FMLN), o exército salvadorenho, o qual certa vez deu-me documentos da FMLN manchados de sangue encontrados depois de uma emboscada; o governo sandinista da Nicarágua; o serviço de inteligência israelense, o Mossad; o Federal Bureau of Investigation; a Central Intelligence Agency; o grupo rebelde Kurdistan Workers' Party (PKK); a Organização de Libertação da Palestina (OLP); o serviço de inteligência francês Direction Générale de la Sécurité Extérieure, ou DGSE; e o governo sérvio de Slobodan Milosevic, o qual mais tarde processado como criminoso de guerra.

Aprendemos com os emails publicados pela WikiLeaks que a Fundação Clinton recebeu milhões de dólares da Arábia Saudita e do Qatar, dois dos maiores financiadores do Estado Islâmico. Como secretária de Estado, Hillary Clinton reembolsou seus doadores ao aprovar US$80 mil milhões em vendas de armas para a Arábia Saudita, permitindo àquele reino executar uma guerra devastadora no Iémen que desencadeou uma crise humanitária, incluindo escassez generalizada de alimentos e uma epidemia de cólera, resultando em 60 mil mortes. Apendemos que foram pagos US$675 mil à Clinton para falar à Goldman Sachs, uma quantia tão maciça que só pode ser descrita como um suborno. Aprendemos que a Clinton disse a elites financeiras nas suas conversas lucrativas que pretendia "comércio aberto e fronteiras abertas" e que acreditava serem os executivos da Wall Street os mais bem posicionados para administrarem a economia, uma declaração que contradizia directamente suas promessas de campanha. Aprendemos que a campanha de Clinton trabalhava para influenciar as primárias republicanas a fim de assegurar que Donald Trump fosse o republicado nomeado. Aprendemos que Clinton obteve informação antecipada sobre perguntas no debate das primárias. Aprendemos, porque 1700 dos 33 mil emails provinham de Hillary Clinton, que ela foi a arquitecta primária da guerra na Líbia. Aprendemos que ela acreditava que o derrube de Moammar Gadhafi daria brilho às suas credenciais como candidata presidencial. A guerra que ela procurava deixou a Líbia no caos, dada a ascensão ao poder de jihadistas radicais naquilo que é agora um estado fracassado, desencadeou um êxodo maciço de migrantes para a Europa, dada a captura de stocks de armas líbios por milícias perigosas e radicais islâmicos por toda a região, isto resultou em 40 mil mortes. Deveria toda esta informação ter permanecido escondida do público americano? Você pode dizer que sim, mas nesse caso não pode considerar-se jornalista.

"Eles estão preparar o meu filho para que lhes dê uma desculpa para entregá-lo aos EUA, onde ele enfrentaria um julgamento-espectáculo", alertou Christine Assange. "Nos últimos oito anos, ele não teve um processo legal adequado. Tem sido injusto a cada passo com muita perversão da justiça. Não há razão para considerar que isso mudaria no futuro. O grande júri da WikiLeaks nos EUA, produzindo o mandado de extradição, foi mantido em segredo por quatro promotores, mas sem defesa e sem julgamento. O tratado de extradição Reino Unido-EUA permite que o Reino Unido extradite Julian para os EUA sem um processo básico apropriado. Uma vez nos EUA, a Lei de Autorização de Defesa Nacional permite a detenção por tempo indefinido sem julgamento. Julian poderia muito bem ser detido na Baía de Guantánamo e torturado, sentenciado a 45 anos em uma prisão de segurança máxima ou enfrentar a pena de morte. Meu filho está em perigo crítico por causa de uma brutal perseguição política por parte dos tiranos no poder cujos crimes e corrupção ele expôs corajosamente quando era editor-chefe da WikiLeaks".

Assange está por conta própria. Cada dia torna-se mais difícil para ele. Isto acontece deliberadamente. Cabe a nós protestar. Somos a sua última esperança e a última esperança, temo, de uma imprensa livre.

"Precisamos erguer o nosso protesto contra esta brutalidade ensurdecedora", disse a sua mãe. "Conclamo todos vocês jornalistas a erguerem-se agora porque ele é vbsso colega vocês serão os próximos. Conclamo todos vocês políticos que dizem ter entrado na política para servir o povo a levantarem-se agora. Conclamo todos vocês activistas que defendem direitos humanos, refugiados, o ambiente e são contra a guerra a erguerem-se agora porque a WikiLeaks serviu as causas que vocês defendem e Julian está agora a sofrer por isso ao vosso lado. Conclamo todos os cidadãos que valorizam a liberdade, a democracia e um processo legal justo a porem de lado suas diferenças políticas e unirem-se, levantando-se agora. A maior parte de nós não tem a coragem dos nossos denunciantes ou de jornalistas como Julian Assange que os publicou, de modo a que possamos estar informados e advertidos acerca dos abusos do poder". 

12/Novembro/2018

[*] Jornalista

O original encontra-se em www.truthdig.com/articles/crucifying-julian-assange/ 

Este artigo encontra-se em https://resistir.info/

Portugal | Mais salário, menos exploração


Sempre que há uma perspectiva de aumento dos salários, nomeadamente do SMN, lá vem o coro dos que vivem à custa da exploração do trabalho e não olham a meios para intensificar a acumulação de capital.

Tiago Cunha | AbrilAbril | opinião

A política de recuperação de rendimentos e a reposição e conquista de direitos possibilitaram, não só uma redução da pobreza, como uma inversão na parte da riqueza que vai para quem trabalha e trabalhou.

Travou-se a tendência de apropriação crescente da riqueza por parte do capital, mas ainda assim, a percentagem das remunerações no Produto Interno Bruto (PIB) está longe da verificada no início da crise estrutural de 2007, ao mesmo tempo que esta subida está mais influenciada pelo aumento do emprego, que por via de uma subida generalizada dos salários.


Numa altura em que o governo minoritário do PS se prepara para apresentar a sua proposta de Salário Mínimo Nacional (SMN) para 2019, surgem os «avisos» do patronato (que há uns meses indiciava que ia surpreender com um valor acima dos 600€1, sol de pouca dura2) e de um sem número de economistas rendidos aos encantamentos do capital, nada preocupados com as dificuldades económicas que são vividas por milhares de famílias, mas muito preocupados com os «perigos» que uma subida do SMN pode causar. Uns enfatizam mesmo, não escondendo o insulto, que «subir o salário mínimo vai ser mau para os pobres»3. Sempre que há uma perspectiva de aumento dos salários, nomeadamente do SMN, lá vem o coro dos que vivem à custa da exploração do trabalho e que não olham a meios para intensificar a acumulação de capital.

Entre os «alertas» que nos deixam, vem à cabeça a situação dos sectores tradicionais, intensivos em mão-de-obra mal paga. Querem fazer crer que o aumento do SMN traria consequências para a competitividade das empresas, agitando o espantalho de falências e desemprego.

Fazem «estudos», medem impactos e concluem que bom, mesmo muito bom, era o salário ser fixado directamente entre quem vende e quem compra a força de trabalho, que não devia haver SMN e muito menos contratação colectiva, em suma, que o mercado devia funcionar sem entraves ou outras imposições que não sejam as dos detentores dos meios de produção.

Tendo em conta a evolução recente do SMN, positiva mas limitada, se nos colocarmos na perspectiva dos assalariados, seria de esperar uma hecatombe de proporções bíblicas nos ditos sectores tradicionais. A notícia vinda a público com o sugestivo título «como os têxteis e o calçado vendem mais com menos»4, expõe de forma lapidar a natureza do conflito em torno do aumento dos salários e, em particular, do SMN, que continua a ser a referência nestas indústrias.

No têxtil e vestuário a facturação por trabalhador aumentou 50% em nove anos, sendo que o SMN cresceu 24%, ou seja, mais de metade do acréscimo nos ganhos que cada trabalhador produziu foram direitinhos para o bolso do patrão em forma de mais-valia. E o texto tem a virtude de explicar que este «case study» se deve quer a aumentos da intensidade do trabalho (curiosamente apelidada de «produtividade física induzida») quer ao aumento de produtividade resultante da inovação: «há mais valor/hora porque há inovação, design, serviço para vender em cada peça, e há, também, mais produtividade física induzida pela tecnologia, modernização de equipamento e ambiente organizacional das empresas»5.

Já no calçado é referido que o rácio «volume de negócios por trabalhador» mais do que duplicou desde 1994, que houve uma quebra do número de trabalhadores mas um aumento significativo do número de pares produzido pelos assalariados que continuam no sector – mais 550 pares de sapatos, num total de 2.400/ano por trabalhador, exportados a um preço médio de 23€. Feitas as contas (2.400*23/14) cada trabalhador cria 3955€ por mês, já contando com o subsídio de férias e de natal e, mesmo assumindo que há uma «redução» no preço praticado na produção para o mercado nacional e a utilização/depreciação dos meios de produção empregues no processo, está bem de ver que a subida do SMN para os 650€ em Janeiro de 2019 é tudo menos incomportável.

No SMN, como na luta em cada empresa pela subida dos salários, o que está em causa é o confronto de classe e a tentativa de uns em aumentar a exploração e a luta dos trabalhadores na procura de melhores condições de vida, a qual vai continuar nos locais de trabalho e no plano mais geral onde urge dar força aos partidos que assumem o trabalho com direitos como condição indispensável do desenvolvimento.

5. O texto não informa sobre o aumento dos custos fixos, que é um dado fundamental para aferir da evolução da taxa de lucro nestes sectores.

Foto: Manifestacao convocada pela CGTP-IN por melhores salários. Foto de arquivo.CréditosInácio Rosa / Lusa

Portugal | Ninguém pára os bancos


Vítor Santos | Jornal de Notícias | opinião

Os cenários mais apocalípticos já apontam a nova crise financeira no espaço de dois anos, mas a pujança do edifício bancário indica-nos, pelo menos em Portugal, um horizonte em sentido oposto.

Os bancos estão de volta aos lucros fabulosos. Só nos primeiros nove meses do ano, triplicaram os ganhos para 1,5 mil milhões de euros, isto antes de serem conhecidos os resultados do Novo Banco, a instituição financeira mais transversal à sociedade portuguesa, se pensarmos que é financiada por todos os contribuintes nacionais - a comprová-lo está o facto de o Orçamento do Estado de 2019 reservar uma injeção de 400 milhões de euros a este filho do BES. Ou seja, nem todos somos clientes, mas, ainda que de forma indireta, somos todos investidores.

De volta aos dias dourados, importa perceber quem está a alavancar o biorritmo bancário. A resposta é simples: os portugueses, porque os lucros da atividade doméstica multiplicaram-se cinco vezes, representando dois terços do bolo total. Traduzido em euros, são mil milhões. Coisa muita, portanto. Cruzando estes números com o facto de o crédito ao consumo ter atingido o valor mais alto dos últimos 14 anos, a surpresa nem é grande. Depois de pagarmos o buraco dos bancos durante a crise, estamos, agora, a sustentar o seu crescimento, o que também não teria mal nenhum se o Banco de Portugal não tivesse feito uma série de alertas sobre o tema, procurando colocar travão na euforia.

Mas ninguém pára os bancos, sobretudo nas políticas agressivas de sedução ao consumo, que são, depois do que vivemos nos anos da troika, pura, mas compreensível, irresponsabilidade. Compreensível porque, no fim de contas, o negócio bancário acaba por andar ali pela fronteira do "win-win": quando há lucros, é fantástico e são distribuídos pelos acionistas; quando não há, é uma tragédia e os prejuízos são distribuídos pelos contribuintes.

*Editor-executivo do JN

Portugal | Bruno é um doente. Os dos galões e dos colarinhos brancos são uns ‘merdas’

O Curto de hoje abre com Bruno, da árvore da boa madeira, o carvalho. Bruno ex-presidente do Sporting, que se diz não ser boa rês sem avaliar que o homem é um doente. Vimos ao longo dos cinco anos que presidiu ao Sporting que passava de grandes euforias para grandes depressões. Numa duplicidade de personalidades e de um espírito megalómano ímpar. Bruno precisa de se tratar e manter permanentemente as suas boas qualidades. Que as tem.

É desse Bruno Carvalho que trata a abertura do trabalho de Pedro Candeias no Expresso Curto de hoje. 

Sobre as máfias das claques... Estão repletas de elementos da criminalidade e da violência, de ganges. Acabem com aquilo.

Depois vai mais além e a mais temas. Voa por algumas das partes do mundo e encalha no Brexit que já cansa. Quase todos sabemos das “pancadas” adstritas aos ingleses e aos seus governos. Com o cházinho que a rainha portuguesa para lá levou e criou hábito e com aquela gentlemania são uns sacripantas de elevada escala. Dizer mais para quê? Está tudo dito. Estão ricos? Pois. Com o que saquearam por todo o mundo. Exatamente por isso julgaram que a UE e os povos dos países da modernidade podiam significar as tetas das vacas em que mamaram ao longo de séculos. E não. Vai daí ao Brexit foi um caminho que veio sendo feito pé ante pé até chegar à correria de uma atleta da direita e de fundo chamada Teresa May. Vão-se. O “clube” está grande demais e assim estará enquanto não respeitar princípios básicos da real e factual democracia no espírito dos que a criaram.

Fiquem com esta: “Sobre o desaparecimento das armas sei zero e do encobrimento zero”. Quem o disse foi Francisca van Dunem, ministra da justiça. Mais em baixo saiba em FRASES a quem o disse esta ministra e vá ler, se puder. Para já o que se pergunta é para que está lá a ministra… se não sabe nada sobre o que muito interessa. É que deparamos sempre com os que “não sabem nada”. Dá para entender que vai tudo ficar em “águas de bacalhau” e que o encobrimento do caso Tancos pertence aos sacanas que se arrogam e conhecemos como responsáveis militares, governativos e da justiça que estão a deixar passar o tempo até o pagode se cansar e deixar ficar por esclarecer e responsabilizar os envolvidos no “mistério de Tancos”. O Jango da Prelada já diz: “Aqueles dos galões, dos colarinhos brancos e das corrupções e roubos” são uns ‘merdas’ que permanente sustentamos. Estupidamente ainda há os que os vitoriam”. Dito, por quem sabe, com pronuncia tripeira.

O dia tem algum sol aqui pelo Porto. E nuvens. Não chove e o vento é ameno. Noite fria mas dia agradável. Assim acabamos pela parte do PG. Tem sumo. Beba-o e passe bem. (CT | PG)

Bom dia este é o seu Expresso Curto

Eu, Bruno

Pedro Candeias | Expresso

Comecei o Curto com uma pesquisa elementar no Google com a chave “claques + guarda pretoriana” que devolveu milhares de resultados em menos de meio segundo: “A Ideologia das Claques” do Público, “Guarda Pretoriana e Grupos de Pressão” do Diário de Notícias, “O Mundo Oculto das Claques” da Sábado, e por aí fora. Acredito que não será diferente consigo.

A metáfora do presidente-imperador e do seu restrito exército é uma imagem poderosa, e a sua representação mais famosa é a chegada musculada de Pinto da Costa ao Tribunal de Gondomar, protegido pela lealdade pelos SuperDragões – que tem de ser alimentada, como se sabe, a bem da saúde.

Está nos livros: o delirante e perverso imperador Calígulafoi brutalmente assassinado pela Guarda Pretoriana; posteriormente, Galba, Caracala ou Cómodo também foram mortos pelos tais soldados de elite semper fidelis.

A moral da história é que a fidelidade tem um preço, coisa que Bruno de Carvalho percebeu no domingo quando lhe bateram à porta e o levaram para o posto da GNR de Alcochete. É lá que tem estado e tem dormido, entre vaivéns ao Tribunal do Barreiro, porque o Ministério Público o indiciou de 56 crimes.

Ora, para chegar até aqui o MP usou o testemunho de três elementos da pretoriana Juve Leo. Nuno Torres, Guilherme de Sousa e Filipe Alegria, dizem a Sábado e o Correio da Manhã na edição desta quinta-feira, juntaram-se então a Bruno Jacinto, o ex-Oficial de Ligação aos Adeptos, numa linha de raciocínio simples: se Alcochete aconteceu, foi porque BdC quis que acontecesse.

Historicamente, a traição não é uma novidade, mas não deixa de ser simbólico que o homem que garantia controlar o nervo das claques acabe detido porque os seus homens o implicaram.

E agora?

Agora, são 08h30 e dentro de hora e meia sairá a medida de coação imputada a Bruno de Carvalho e também a Mustafá. Vão para casa? Ficam detidos? Ontem, quarta-feira, no meio do frenesim dos apoiantes #LeaisaBruno e das televisões e dos polícias rodeando o advogado José Preto e da greve dos funcionários judiciais, o antigo presidente e o líder da claque foram interrogados pelo juiz - e ficou tudo adiado para esta manhã.

E este é um dos lados.

O outro lado, o dos 23 arguidos iniciais, é ainda mais complicado, pois envolve prazos e formas diferentes de olhar para lei. O juíz Carlos Delca enganou-se ao dar o OK à especial complexidade do caso pedida pelo MP sem avisar os advogados. O processo tem, neste momento, saídas ambíguas: ou sai rapidamente a acusação rapidamente ou os 23 podem rapidamente sair por expirar o tempo legal para uma prisão preventiva. O Hugo Franco e o Rui Gustavo explicam isto melhor.

Bom, e invadir Alcochete foi terrorismo? A Lei 52 de 2003 do Código Penal considera terrorista o ato de intimidar “certas pessoas, grupos de pessoas ou a população em geral, mediante crime contra a vida, a integridade física ou a liberdade das pessoas”. Há quem ache isto claro, há quem ache isto ambíguo; eu fico na mesma. E já rodaram juristas na TV a defender um lado e o outro neste caso. Deixo dois pontos de vista, de Figueiredo DIas e de Rui Pereira, numa discussão que irá prosseguir em direto.

Só que o problema não está nas consequências, mas na origem. Porque as claques de futebol devem existir se trouxerem cor, folclore, horas intermináveis de viagem no meio da malta para trás do sol posto para ver um jogo de futebol. E não podem varrer estações de serviço, invadir as academia de Alcochete, do Seixal, do Vitória de Guimarães ou o centro de estágios dos árbitrosespancar Adrianoameaçar Paulo Assunção com uma pistola no joelho, ou atropelar mortalmente um adepto.

Isto resume tudo. Devia ter começado o Curto por aqui.

OUTRAS NOTÍCIAS

Sobre coisas que talvez nunca deviam ter começado: o Brexit, que nasce de um referendo radicalmente antieuropeísta mas que, aos poucos, parece ir perdendo as suas arestas e ângulos para se acomodar redondinho nas pretensões da UE. É o próprio negociador de serviço, Michel Barnier, quem o disse ao revelar a hipótese de “um prolongamento limitado no tempo do período de transição” e a criação de uma Área Aduaneira Comum que inclua todo o Reino Unido. Foi isto que Theresa May fechou com a UE e foi mais ou menos isto que Theresa May fechou com os seus colegas de Governo numa reunião que demorou mais, muito mais do que o previsto. “Estes documentos são o resultado de milhares de horas de negociações. Acredito que este acordo é o melhor que podia ser alcançado”, disse May. Só que até à primavera de março, falta o inverno - e o inverno vem aí e é um parlamento hostil.

Joaquin “El Chapo” Guzman, um dos tipos mais hostis do planeta, diz que afinal o mau era outro e não ele. Nas alegações iniciais, o seu advogado Jeffrey Lichtman garantiu que Guzman era, afinal, pobre – embora a sua defesa custe 5 milhões de dólares – e que quem devia estar preso era Ismael “El Mayo” Zambada. Segundo Lichtman, “El Mayo” corrompeu dois presidentes do México com milhões de dólares, mas os procuradores de Nova Iorque pediram ao júri para ignorar estas declarações.O Daily Beast está a acompanhar este julgamento frenético e o texto de quarta-feira termina com uma pergunta à beauty queen Emma Coronel, mulher de Guzman. “Acha que o seu marido está mais bonito?” “Siempre”. Um comic relief subtil como no cinema de Scorcese.

As 15 fotografias da Associated Press parecem retiradas de um filme de êxodo; a 16ª traz-nos de volta à realidade e é um vídeo onde estão tropas ajoelhados a ouvir James Mattis, o secretário da Defesa de Trump. Explicando, os primeiros migrantes da extensa caravana estão a chegar à fronteira do México com os EUA e é possível que a história se complique a partir de agora.

E agora, esta: a FOX News defendeu a posição da CNN no processo que esta última vai mover contra a Casa Branca por ter retirado as credenciais do jornalista Jim Acosta na sequência daquele bate-boca deprimente pós-eleições intercalares. “As credenciais não deviam ser uma arma política”, declarou a FOX, num daqueles momentos proverbiais em que os extremos se tocam.

As manchetes dos jornais

Correio da Manhã: “Arrependidos entregam Bruno” em manchete, com o subtítulo “MP pede prisão preventiva” e os pós-títulos “ex-presidente dos leões nega ter instigado crimes contra jogadores” e “procuradora teme fuga e diz que [BdC] é um homem violento”.
Jornal de Notícias: “TAP admite mau serviço na ponte aérea e reforça aviões” e, claro, “Bruno nega tudo”.
Público: “Propostas de lei da videovigilância violam regulamento europeu” e os “protestos dos estivadores no Porto de Setúbal [que] estão a desviar navios para Leixões”
Jornal I: “Governo atira progressão dos professores para 2021”
Negócios: “Grandes empresas vão ter depósitos mais protegidos”
Jornal Económico: “Fisco Investiga 256 portugueses por utilização de offshores”
A Bola: “A longa espera - Bruno de Carvalho foi detido no domingo e só hoje conhece as medidas de coação”
Record: “Bruno acusado”
O Jogo: “MP temia fuga iminente de Bruno”

FRASES

“Sobre o desaparecimento das armas sei zero e do encobrimento zero” Francisca van Dunem, ministra da justiça

“Se entrarmos em campo com a ideia de que um ponto chega, ficamos logo mais perto da derrota”, Pizzi, jogador da seleção nacional, sobre o jogo contra a Itália

“Comecem a pensar na verosimilhança da vossa base de apoio político” Marcelo Rebelo de Sousa em recados a Rui Rio e a António Costa

“Correu bem. Penso que agora não há nenhuma dúvida Julgamento? De certeza que não” Júlio Loureiro, acusado de múltiplos crimes no caso e-toupeira, à saída da audiência na fase de instrução. Na sexta-feira, Paulo Gonçalves, antigo assessor jurídico do Benfica, será ouvido

O QUE ANDO A LER

Não me vou alongar muito, porque apenas li 116 páginas de um livro de 516 - e este é apenas o primeiro volume. O título simples “Os Romanov”, de Simon Sebag Montefiore, diz muito e o texto na contracapa oferece o contexto necessário: “Foram a mais bem-sucedida dinastia dos tempos modernos. Como foi possível uma família transformar um reino débil e arruinado, devido à guerra civil, no maior império do mundo?” A resposta que para já tenho para lhe dar é: através da força, coragem, violência, mais violência e sexo.

Neste ⅕ folheado, já contei mais assassinatos, empalamentos, mutilações, invasões, envenenamentos, traições, violações, exílios, fundamentalismos religiosos, rezas de cinco a seis horas, anões e impostores do que em qualquer outra obra que tenha lido antes - e vou apenas no segundo czar.

Alexei de seu nome, era um tipo corpulento, destemido e particularmente caprichoso na forma como governava, bem, exercia a sua autoridade, mandando matar por gozo, humilhando os correligionários com bofetadas e insultos apenas porque podia.

O mais interessante, neste livro de Simon Sebag Montefiore, é a descrição das requintadas intrigas palacianas e, também, o contraste entre os dois mundos: o da austeridade de homens que temiam deus dentro de muros e as pândegas e orgias diurnas das gentes de moscovo que tinham como passatempo nacional o consumo de álcool.

Eventualmente, a maioria dos czares acabaram traídos pelos seus. E isto faz lembrar alguma coisa.

Bom, por hoje é tudo, acompanhe as melhores histórias de desporto na Tribuna Expresso (que hoje promete), siga a atualidade política e internacional no site do Expresso, e para música e espetáculos variados temos a Blitz e o Vida Extra. Às 18h, como todos os dias, há Expresso Diário.

Até à próxima.

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