sábado, 24 de novembro de 2018

Portugal | A fulaninha não se mede?


Jorge Rocha* | opinião

Esta noite (22.11) ao regressarmos a casa, logo acendemos a televisão e procurámos o serviço noticioso da RTP para aferirmos se era ou não verdadeira a notícia disseminada pelas redes sociais em como Cristas andava a imputar ao governo de António Costa a responsabilidade pelo sucedido na estrada dos paralelepípedos de Borba.

Apostando na existência de algum pingo de lucidez na cabeça da esdrúxula senhora, eu previa que algum sectário da atual maioria parlamentar tivesse lançado uma irónica fake new, pondo-a a dizer aquilo que ninguém se atrevera a conjeturar até então. Algo muito semelhante a imputar a António Costa a culpabilidade pelos incêndios na Califórnia.

O Orelhas tirou-me, porém, a ilusão sobre essa réstia de discernimento nos neurónios da delambida. De facto ela atrevera-se a tal acusação, quando tem sido mais do que óbvia a responsabilidade dos donos das pedreiras e do executivo da Câmara de Borba no sucedido. Tem sido, aliás, indecorosa a atitude de uns, e de outros, a tentarem sacudir a água do capote, muito embora não se preveja trabalho muito esforçado do ministério público para encontrar os arguidos do crime de homicídio involuntário causado por negligência tão grave.

Tem sido ridícula a alegação dos donos das pedreiras a defenderem-se com o argumento de terem avisado quem deviam quanto à perigosidade daquela via rodoviária, como se não tivessem sido eles a explorar o negócio até ao limite do possível, deixando aquele trecho de estrada reduzido a uma espécie de ponte tendo, por frágil sustentação, a parede cujo desmoronamento era uma questão de aleatória oportunidade. Mais grave ainda a reação dos autarcas de Borba, que se sempre terão julgado acautelados da fatal lei de Murphy, como se ela não tivesse confirmado em múltiplas tragédias.

A autarquia de Borba, liderada por uma lista independente, que quis demonstrar a dispensabilidade dos partidos na gestão do interesse público, veio confirmar o que deveria ser óbvio: a gestão dos territórios, seja a nível nacional, seja local, é assunto demasiado sério para ser entregue ao voluntarismo de uns quantos amadores, que se julgam mais habilitados do que os concorrentes ligados a máquinas partidárias. A incompetência paga-se caro como se viu na forma descuidada como terão evitado analisar o risco evidente de uma tragédia anunciada...

Mário Centeno: um ministro que joga em dois tabuleiros


Ana Alexandra Gonçalves* | opinião

Ou responder a dois chefes que amiúde têm visões completamente diferentes um do outro. É assim que Mário Centeno, e outros antes dele, procede na qualidade de ministro das Finanças do governos do seu país e na qualidade de presidente do Eurogrupo. Ora, no caso em apreço a tal jogada em dois tabuleiros mostra-se ainda mais difícil tendo em consideração a tendência de governação, teoricamente mais à esquerda, coisa que pouco ou nada agrada a instituições altamente burocráticas e sentimentalmente próximas do neoliberalismo vigente.

Ora, Centeno é, deste modo, o verdadeiro mago deste Governo. E se Costa, primeiro-ministro, é mestre na venda de ilusões, o que dizer de Centeno? Talvez o à-vontade não seja exactamente o mesmo, mas os efeitos, ainda no domínio da ilusão, conseguem ir um pouco mais longe. Centeno, no sentido de agradar às instituições, cativa o que pode e o que não pode, como se vê no caso gritante da Saúde que depois de anos de desinvestimento, sofre um tratamento pouco ou nada melhor por parte do actual Executivo. Pagam os cidadãos com a degradação deste pilar do Estado Social. Outros sectores vão também conhecendo a degradação dos serviços enquanto Costa e Centeno sorriem, vendem ilusões e fingem poder agradar a dois mestres.

Contudo, chegará o dia em que as ilusões deixam de surtir efeito e em que se tornará visível a impossibilidade de se obedecer a dois chefes ou em jogar em dois tabuleiros. Em suma, chegará o dia em que será necessária fazer uma escolha e o dia em que essa escolha ficará visível para todos. Quase que adivinho que escolha será essa.
O facto, esse, é que é impossível cumprir as imposições externas e manter o Estado Social. Esse é o facto.

Entretanto a Comissão Europeia já veio avisar que a proposta de Orçamento de Estado para 2019 põe em risco as regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento. Avisos de um dos dos mestres.

*Ana Alexandra Gonçalves | Triunfo da Razão

Portugal | Há lodo fora do cais de Setúbal


João Ramos de Almeida* | opinião

Em homenagem à luta dos estivadores que, esta manhã, estiveram no porto de Setúbal a impedir que trabalhadores vindos de fora carregassem os carros da firma Autoeuropa para um navio fantasma e, assim, furassem a sua greve por condições dignas de trabalhocontra a precariedade e por um contrato colectivo.

Nesta luta, o Governo socialista esteve - até agora - mal.

O ministro da Economia Pedro Siza Vieira esteve mais preocupado que o sistema portuário nacional respondesse “às necessidades das empresas” - vulgo Autoeuropa - e manteve-se “em contacto com a empresa [Autoeuropa] no sentido de assegurar que as necessidades de escoamento da produção continuam a ser satisfeitas”. Esse era o problema que o Governo mais sentia!

Sobre as mais do que precárias condições de trabalho dos estivadores, a ministra do Mar, Ana Paula Vitorino, começou por dizer que não havia razão para a paralisação e depois - face à cobertura mediática - foi forçada a emendar a mão. Mas em vez de exercer o seu poder de Estado e pedir a intervenção da Autoridade para as Condições do Trabalho (no fundo, trata-se de uma questão eminentemente laboral saber se aquelas condições são legais), achou por bem intervir redundantemente. Pediu ao Instituto da Mobilidade e Transportes e Administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra (APSS) para que se entendam na contratação colectiva e pressionou os trabalhadores a acabar com a greve e a negociar. Algo que não tem funcionado muito bem e daí a greve. Ao mesmo tempo, o seu marido e ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, esvaziava o poder negocial da greve dos estivadores, ao colocar o corpo de intervenção da PSP a repor a "ordem pública" - ainda que com bons modos... -, deixando o autocarro com os fura-greves entrar no cais, para lucro da Autoeuropa e da Operestiva.

Imagens como estas são clássicas em muitos filmes. Podemos vê-las no filme de John Ford (1940), baseado na obra de John Steinbeck (1939), quando uma família fugida da grande depressão é conduzida a um campo de fruta por apanhar e vê-se envolvida num conflito, com guardas de varapaus e espingardas, a protegê-los dos outros trabalhadores em luta. Ou nos filmes que retratam a luta dos mineiros no Reino Unido nos anos 80. Em todos eles, as forças da ordem alinharam com a liberdade de contratação, e nunca para pugnar pela dignidade no trabalho.

Era impensável ver o mesmo quase um século depois e, ainda por cima, pela mão de políticos socialistas. Como se pode dizer que Marx está morto, na gaveta?

Aliás, não foi por acaso que, ouvido pela Antena 1, o representante da firma contratadora dos estivadores, Diogo Marecos (ver "11h00 estivadores de substituição ficam até tudo estar normalizado"), se mostrou satisfeito com a actuação da PSP, que repôs "a normalidade da situação", porque se tratava de um caso de... "emergência nacional" (sic!). Os carros da Autoeuropa não podiam esperar mais!

Vergonha.

[Actualização às 14h27: Citando de um post de Bruno Carvalho no Facebook:

"O António Mariano, presidente do SEAL - Sindicato dos Estivadores e da Actividade Logística, contou-me que recebeu a informação de que os fura-greves vão ganhar cerca de 500 euros pelo trabalho de embarcar os automóveis da Autoeuropa. É um bom princípio para a mesa de negociações. Se a empresa pode pagar 500 euros por um ou dois dias de trabalho, isso significa que os estivadores em luta podem negociar, para além da integração permanente, salários que rondem esse valor por dia?"] 

Setúbal | Trazer autocarros de trabalhadores em vez de vincular «eventuais». É esta a solução?


Em vez de perseguir a precariedade, o Governo e a Operestiva optaram por violar o direito à greve, recorrendo a não-estivadores para furar o protesto. A repressão desta manhã não resolve a questão.

Em vez de promover uma solução para o conflito, o Governo esteve durante vários dias a planear em conjunto com as empresas portuárias a violação da greve dos «eventuais» do Porto de Setúbal, que resultou na acção desta manhã.

A colocação dos meios do Estado ao serviço de uma operação de substituição de trabalhadores, expressa na utilização dos 30 trabalhadores alheios ao Porto de Setúbal, vai permitir à Autoeuropa retirar cerca de 2000 automóveis para a Alemanha. Porém, a fábrica de Palmela irá continuar a produzir, bem como as muitas empresas da região, sendo óbvio que a solução do Governo não é viável.

«Alguém acha que a Autoeuropa, que produz centenas de carros por dia, vai continuar a escoar os seus carros com uma camioneta escoltada pela polícia? É esta a solução?», questionou hoje o deputado José Soeiro (BE), que salientou ainda que a resolução da situação tem de passar pela negociação de um contrato colectivo de trabalho.

Por sua vez, o deputado Bruno Dias (PCP) afirmou que «a solução para este problema, neste momento, é contratar estes trabalhadores com vínculos efectivos. Não é arranjar pessoas de fora para fazerem o trabalho deles. Se estes trabalhadores fazem falta ao porto e à economia nacional, têm de ter vínculos efectivos, com direitos e com estabilidade».

«Quando os trabalhadores se mobilizaram, se uniram, e disseram que exigem contratos efectivos, porque são uma necessidade permanente, estão cá todos os dias e fazem falta todos os dias, o que temos a dizer é que nem devíamos ter chegado a este ponto», reiterou Bruno Dias.

Recordamos que o Porto de Lisboa já passou por uma situação semelhante e que, após muitos meses de luta e de paragem do porto, com tudo o que isso implica, a única solução possível foi ir ao encontro às reivindicações justas dos trabalhadores. De momento, o Sindicato dos Estivadores e da Actividade Logisítica (SEAL) pede a abertura de negociações nesse sentido.

Operestiva recorreu a trabalhadores inexperientes

Está confirmado que a Operestiva, a mesma empresa que diz não ter meios para regularizar os vínculos precários que afectam 90% da força do Porto de Setúbal, recorreu a trabalhadores sem experiência de forma a furar a greve.

Pela forma como trabalham, está claro que os trabalhadores chamados hoje a carregar o navio não são estivadores, o que é ilegal, estando o grupo de 30 pessoas a demorar muito mais que os quatro minutos que normalmente leva um estivador a carregar um automóvel para dentro do navio.

Apesar das informações que apontavam que eram estivadores espanhóis, a Operestiva contratou trabalhadores portugueses para a ocasião, através dos anúncios que colocou. Os homens contratados especificamente para esta tarefa terão recebido 500 euros por três dias de trabalho e uma breve formação dada pela empresa para a tarefa, o que levanta questões sérias de segurança.

Governo envolvido no plano para furar a greve

Depois das suspeitas do envolvimento do Ministério do Mar nas acções de coacção em outros portos nacionais (Lisboa e Aveiro), a Autoeuropa confirmou ontem que recebeu a garantia do Governo e do operador logístico Operestiva de que iria entrar um navio no Porto de Setúbal para carregar os automóveis.

Enquanto a Administração do Porto de Setúbal e Sesimbra (APSS) omitiu a chegada do navio dos registos e a Operestiva tratou de recrutar fura-greves para a ocasião, o que consiste numa violação da lei e dos direitos dos trabalhadores, o Governo tratou de assegurar um forte contigente policial para a entrada.

Segundo o JN, a vinda dos trabalhadores alheios ao porto foi comunicada ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, que fiscaliza a entrada de pessoas nos portos, há pelo menos dois dias.​ Esta janela temporal contradiz as declarações da ministra do Mar, que estava a colaborar com os operadores portuários mas não para solucionar a precariedade.

AbrilAbril | Foto Seal

Portugal | “Governo deverá cancelar de imediato a concessão à empresa turca”


O Sindicato dos Capitães, Oficiais Pilotos, Comissários e Engenheiros da Marinha Mercante (CGTP-IN) exige ao Governo o cancelamento imediato da concessão ao grupo turco Yildirim no Porto de Setúbal.

Numa missiva dirigida ao primeiro-ministro, à ministra do Mar e à presidente da Administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra (APSS), a estrutura sindical exige, «pelo superior interesse nacional», o cancelamento «imediato da concessão à empresa turca, que afronta deliberadamente os princípios normativos laborais».

As operações portuárias no Porto de Setúbal devem ser asseguradas «directamente» pela APSS, sublinha o sindicato.

Os trabalhadores «eventuais» da Operestiva, detida pelo grupo Yildirim, mantêm o Porto de Setúbal paralisado, exigindo a sua vinculação. A excepção foi conseguida precisamente com o apoio do Governo, que colocou as forças policiais no Porto de Setúbal para garantir a entrada de trabalhadores que foram substituir os estivadores em protesto no carregamento de um navio com veículos produzidos na Autoeuropa.

Em vez de promover uma solução para o conflito, o Governo esteve durante vários dias a planear em conjunto com as empresas portuárias a violação da greve dos «eventuais» do Porto de Setúbal, que resultou na acção desta quinta-feira.

A colocação dos meios do Estado ao serviço de uma operação de substituição de trabalhadores, expressa na utilização dos 30 trabalhadores alheios ao Porto de Setúbal, vai permitir à Autoeuropa retirar cerca de 2000 automóveis para a Alemanha. Porém, a fábrica de Palmela irá continuar a produzir no futuro, bem como as muitas empresas da região, sendo óbvio que a solução do Governo não é viável.


Foto: Manifestação dos estivadores de Setúbal contra a precariedade/Rui Minderico-Lusa

Portugal | O apelo eleitoral da CIP


Poderia julgar-se que o grande patronato não tem muitas razões para se queixar. Mas isso seria ignorar o que lhe está a massa do sangue: não ceder nem um cêntimo nem um direito aos trabalhadores. Estão incomodados com a actual situação. E, dadas as fraquezas de PSD e CDS, só vêm uma solução: maioria eleitoral para o PS. Fica esclarecido.

Agostinho Lopes* | opinião

A entrevista de António Saraiva é um manifesto do grande capital português e, no campo das possibilidades (ou das impossibilidades do PSD e CDS), um apelo eleitoral para uma maioria absoluta do PS.

Em mais uma das incontáveis entrevistas do presidente da CIP (Diário de Notícias, 11/11/2018) assistimos a uma declaração notável, entre numerosas aspirações, chantagens, falsificações, manipulações, mentiras «trazendo à mistura» algumas verdades, e muita treta.

Mas avulta uma que deve ser registada. A CIP, pela voz de António Saraiva (AS), aspira muito pragmaticamente a que o PS tenha a maioria absoluta. O registo para memória: «O Governo e o PS, pela percepção que, na minha opinião, os portugueses têm da estabilidade política, da bondade de algumas das medidas que o Governo, gerindo percepções, lhes transmitiu, tem condições para melhorar. Não sei se obtendo a maioria absoluta ou ficando perto dela. Se assim for, liberta-se ou de um ou de dois pesos. Talvez o País ganhe com isso».

Comecemos por saudar a dúvida que assalta AS na hora da conclusão! É ajustado o advérbio! E depois alertemos o grande capital, o grande patronato: o voto certo é no PS! Nada de desperdiçar votos em ruins defuntos, como o PSD e o CDS (ou mesmo nascituros mal paridos, como o novel de Santana)! Mesmo defendendo «a iniciativa privada, a dignidade dos empresários tal como nós defendemos…» foi chão (para já) que deu uvas. O «PSD entrou numa deriva de liderança (…)» e etc.. «A oposição parlamentar à direita [é verdade, há uma oposição parlamentar à esquerda!] tirando uma ou outra boa medida que tem apresentado, tem sido ausente»! Coitada da Cristas do CDS. Tanto esforço e berreiro e, afinal, nada na opinião avalizada de AS. Nem uma referenciazita ao CDS. Vamos lá todos votar no PS…

Diz mais AS: «Se o Governo estivesse mais liberto do peso da esquerda [esta obsessão!] o País ganharia». É verdade que o país de AS – o país do grande capital – ganhava. É verdade que o Governo não é de esquerda. É um Governo do PS amarrado a políticas estruturalmente de direita: legislação laboral, submissão à União Europeia e amarração ao capital monopolista (ver como se despachou um secretário de Estado da Energia que afrontava a EDP e companhia, tal como aconteceu no Governo PSD/CDS de Passos e Portas).

«Verdades» para esconder uma mentira. Porque o País dos trabalhadores e do povo português, perderia! Como todos os governos já passados do PS, de maioria absoluta, ou «perto dela», ou aliado à direita em várias modalidades, sempre demonstraram: o desastre total, nas ruins consequências para os portugueses e na abertura das portas do (des)governo do País ao PSD e CDS.

Uma aspiração de AS: a «greve» dos patrões. «Lamentavelmente, os patrões não fazem guerra [?], não fazem greves». De facto é uma chatice, mas a Constituição da República, pelo artigo 57.º, não permite o lock-out! De facto mantém-se uma «greve» ao investimento privado (e ao público também, da parte dos governos PSD/CDS e do actual PS!). A evolução do investimento privado no período 2016-2019 é reduzida, sem atingir sequer os valores de 2006-2008, e baixa mesmo a sua participação na formação bruta de capital fixo, de 90% em 2016 para 87% (previsível) em 2019. Isto apesar das muitas dezenas de milhões de euros de apoios e incentivos públicos em benefícios fiscais e fundos comunitários.

Mas percebe-se, os lucros são «escassos» para os dividendos, obrigando mesmo algumas das grandes empresas cotadas em Bolsa a endividar-se para os fazer engordar. Isto é, nem investem nem se desendividam (aliás, fazem o contrário), pagam dividendos. Mas disto não fala AS, porque o ajudava a perceber por que não aumenta a produtividade da economia portuguesa.

«Aquilo que é justo não tem cor nem ideologia». Uma notável descoberta de AS. E dá exemplos: «a reversão das leis laborais» Isto é: se for conforme pretende a esquerda, é injusta, é vermelha e ideológica. Se for como o grande patronato pede e os governos do PSD/CDS e PS fizeram, é justa, é incolor e não ideológica! Por exemplo «os adicionais do IMI» são injustos, vermelhos e ideológicos. A descida do IRC, como fizeram os governos do PSD/CDS de Santana e Portas, e de Passos e Portas, é justa, incolor e não ideológica! Como foi justa, incolor e não ideológica «a enorme subida de impostos» de Vítor Gaspar, do governo que se sabe. Isto é, do IRS, da carga fiscal sobre os trabalhadores, porque o IRC desceu… E plantar batatas, será justo, incolor e não ideológico? Então…

Para AS a ideologia é que estraga tudo! O que acontece é «colocar determinados critérios ideológicos na condução do País» pelos «pesos e pressões que os parceiros parlamentares exercem». Calcule-se que tais parceiros «insistem» em «aspectos ideológicos que o tempo já se encarregou de demonstrar que estão errados, (…) ao maldizerem a iniciativa privada, ao continuarem a perseguir a figura do empresário que é sempre um facínora, é sempre um bandido. Há aqui cargas ideológicas sem as quais viveríamos bem».

Já se tinha percebido a vesguice ideológica de AS: subir impostos sobre o capital é ideológico, subir impostos sobre o trabalho não é ideológico; não poder despedir é ideológico, poder despedir não é ideológico; subir o salário mínimo nacional (SMN) na Assembleia da República é ideológico, subir o SMN na Concertação Social não é ideológico, e etc.. Mas aquelas «cargas ideológicas» de AS não resultam de uma imaginação delirante. São a assunção de mentira insultuosa no seu combate e da CIP em defesa do grande capital, dos interesses do grande patronato. São as «cargas ideológicas» de AS na presente luta de classes em Portugal.

Não são novidade. Fazem parte do arsenal cavernícola do anticomunismo que, na oportunidade dos tempos que correm, saem da fossa. São uma cópia dos pronunciamentos de outros ideólogos ao serviço dos mesmos, como o Moedas, os Raposos, os Tavares, o Barreto e a Bonifácio, e de outros tantos.

Um esclarecimento sobre a extinção do PEC prevista no OE 2019, à volta do qual AS quis armar ao pingarelho. Diz AS: «Nós entidades patronais, de há três anos a esta parte temos solicitado em acordos de concertação social a eliminação do pagamento especial por conta». E agora «vejo pela cidade cartazes do Partido Comunista a dizer: conseguimos a eliminação do PEC», o PCP a dizer que «O pai desta boa medida fui eu».

De facto, nunca foi a eliminação do PEC uma grande bandeira da CIP. Não é um problema das grandes empresas. Sobretudo quando olhamos para as bandeiras que AS (como Ferraz da Costa e outros) transportam há muito na CIP: a cassete da liberalização da legislação laboral, ou a reclamação de mais fundos comunitários, ou da redução do IRC para o grande capital. A CIP sempre esteve mais especializada na redução da carga fiscal das grandes empresas e grupos monopolistas. Ainda na lista das 34 medidas para o OE 2018, onde se incluem 9 medidas fiscais, a CIP «esqueceu-se» da eliminação do PEC! Como se «esqueceu», no programa de acção que a actual direcção aprovou para o triénio 2017/2019. Ou quando apresentou, em 2015, onze propostas para o governo a sair das eleições desse ano.

Ora, desde a criação do PEC pelo primeiro governo PS/Guterres, em 1998, e o «aperfeiçoamento» em 2003 pela ministra Manuela Ferreira Leite, do governo PSD/CDS de Durão e Portas, até hoje, nunca o PCP se esqueceu de combater a sua existência e procurar reduzir os seus impactos nas pequenas empresas. E se o PEC acabar em 2019, é porque o PCP assim o impôs nesta legislatura. Ao fazê-lo, valoriza e conclui a longa intervenção e luta de muitas associações de micro, pequenos e médios empresários, onde avulta o papel da CPPME, que jamais desistiram de acabar com as injustiças do PEC.

Finalizemos com outra coisa notável na longa entrevista de AS. Esqueceu-se nas duas páginas do DN que ocupou, de falar da energia. E esta!? Como diria o Pessa! De facto, a intervenção da CIP relativamente ao problema dos custos da energia (electricidade, gás natural, gasóleo) sempre foi minimalista. Um dos maiores estrangulamentos estruturais da economia nacional e da competitividade das suas empresas, nomeadamente industriais e exportadoras, onde os custos operacionais da energia superam muitas vezes os custos laborais, sempre foi tratada com pinças. Nunca se viu, por exemplo, grande activismo da CIP contra alterações legislativas da cogeração que afectavam, e muito, alguns sectores industriais.

Reduziu-se quase sempre a uma abordagem pelo lado da carga fiscal que onera a energia, e que é um problema real. Compreende-se. Assim, apenas se reclama a redução da receita pública via redução dos impostos sobre a energia. E não se toca nos (super)lucros (nas ditas «rendas excessivas») da EDP, Galp e companhia. Isto terá alguma coisa a ver com as contribuições generosas dessas empresas para com a CIP?

Repare-se na «delicadeza» com que a CIP aborda o problema nas propostas apresentadas para o OE2019. Na proposta «reduzir os custos de contexto», escreve-se: «Reforçar a competitividade das empresas, garantindo-lhes condições análogas às suas congéneres europeias, no campo energético». Como? Não explicam. Para o OE de 2018, foram mais prolixos, mas nem por isso mais concretos. Sendo que, em quatro enunciados vagos, se descobre o segredo da abelha: «A CIP considera importante que se tomem medidas tendentes a uma maior equidade na redução das rendas energéticas, mas sem ignorar os direitos contratuais das partes.» Ou seja, sem pôr em causa os contratos que garantem à EDP e outras, as tais «rendas excessivas». Então como? Não explicam.

Não é novidade. Já sabíamos que o único contrato para a CIP que se pode romper, é o contrato laboral. Talvez para AS a ruptura dos contratos da EDP seja ideológica e a ruptura dos contratos laborais não ideológica. Mas não se esqueçam outros contratos, sempre susceptíveis de alteração, para os representados da CIP: os contratos das pequenas empresas com os monopólios a quem fornecem ou a quem compram bens e serviços (por exemplo, na energia, na banca, na grande distribuição).

De facto, a entrevista de AS não é uma entrevista. É um manifesto do grande capital português. E é também, no campo das possibilidades (ou melhor, das impossibilidades do PSD e CDS), pragmaticamente, um apelo eleitoral para uma maioria absoluta do PS. Percebemos.


Fonte: https://www.abrilabril.pt/nacional/o-apelo-eleitoral-da-cip

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