Manuel Carvalho da Silva* | Jornal
de Notícias | opinião
Na passada quarta-feira,
intervindo como convidado num almoço da Associação 25 de Abril, o
primeiro-ministro, António Costa, afirmou como "importante precaução"
para o futuro a necessidade de se "continuar" a garantir
"equilíbrio" entre as respostas aos problemas com que os portugueses
se deparam, a redução da dívida e dos seus encargos e o assegurar de
"contas certas".
Este objetivo político pressupõe
que durante a atual legislatura esse equilíbrio foi garantido, questão a
merecer uma atenta análise para se observar se foram justos, e os mais
favoráveis para o país, os termos em que foi assegurado. Por outro lado, é hoje
evidente que o cenário económico que se perspetiva no plano internacional pode
colocar o país perante problemas novos, nomeadamente: redução do crescimento
(no quadro da guerra comercial de Trump) em alguns dos principais mercados das
exportações portuguesas, impactos negativos vindos do Brexit e o aumento das
taxas de juro. No plano nacional tornaram-se prementes grandes investimentos
nas áreas da saúde, da habitação, das mobilidades, do ensino e da justiça, bem
como na recuperação geral das capacidades do Estado. Nestas áreas já não chegam
pequenos acertos como o Governo fez (e bem) nesta legislatura. Vai ser preciso
optar entre garantir direitos fundamentais aos portugueses, ou sermos
simpáticos para com as imposições europeias e agradarmos aos mercados.
António Costa disse que, na
saúde, o Governo "repôs todos os cortes" que tinham sido feitos no
setor, provavelmente a pensar só no número total de trabalhadores e contando
que serão cumpridas as promessas de recrutamento entretanto anunciadas. Há que
dizer que os obstáculos a vencer de forma alguma se esgotam aí. Nos últimos
oito anos os problemas agravaram-se muito e surgiram novos: o setor público foi
desestruturado e os privados ganharam posições, há degradação e falta de
equipamentos porque não houve o investimento necessário, os profissionais da
saúde foram maltratados e escorraçados, desfizeram-se e enfraqueceram-se
equipas multidisciplinares imprescindíveis, a população envelheceu exigindo
agora mais e novas valências nos serviços, e os avanços científicos e técnicos
trouxeram a necessidade de outros investimentos que nos permitem viver mais
tempo e com melhor saúde.
O setor da habitação oferece um
outro exemplo eloquente de como a resolução dos desequilíbrios causados pelo
abandono de vários domínios da política social não se consegue fazer com
políticas de pequenos acertos. Sobre este tema crucial, o Observatório sobre
Crises e Alternativas promove, no próximo dia 22, em Lisboa, na Fundação
Calouste Gulbenkian, um oportuno debate 1 .
O hiato entre os rendimentos das
pessoas e os preços de aquisição, ou de rendas das casas, é um obstáculo que se
agudiza a cada dia que passa. Ele agrava os problemas da mobilidade nas áreas
metropolitanas, expulsa os pobres que ainda restavam no centro das grandes cidades
e as classes médias para as periferias, limita as aspirações dos jovens em
vários planos. Tornaram-se insuportáveis, para milhares de famílias, os custos
da habitação de um estudante nas principais cidades do país, quando é imperioso
muitos mais jovens acederem ao Ensino Superior.
As políticas de incentivos e
isenções fiscais para os proprietários, recentemente anunciadas para estimular
o mercado de arrendamento, não resolvem o problema. A manutenção de todos os
outros incentivos de atração do capital financeiro estrangeiro para o
imobiliário através de programas como o Regime de Autorização de Residência
para Atividade de Investimento (vistos dourados), só acentua a crise
habitacional. Na habitação o Governo tem uma escolha crucial a fazer: promover
um mercado imobiliário internacional especulativo ou optar por uma política de
provisão de habitação para os habitantes das grandes cidades, ao mesmo tempo
que trata de outros problemas do setor, associados ao reordenamento do
território.
A recuperação de capacidades
destruídas e a resposta a novos problemas entretanto surgidos exigem políticas
de alcance estratégico - não chegam pequenos acertos.
1 https://ces.uc.pt/eventos/habi-
tacao-em-portugal
*Investigador e professor
universitário
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