domingo, 20 de janeiro de 2019

Portugal | Capacidades destruídas e novos problemas


Manuel Carvalho da Silva* | Jornal de Notícias | opinião

Na passada quarta-feira, intervindo como convidado num almoço da Associação 25 de Abril, o primeiro-ministro, António Costa, afirmou como "importante precaução" para o futuro a necessidade de se "continuar" a garantir "equilíbrio" entre as respostas aos problemas com que os portugueses se deparam, a redução da dívida e dos seus encargos e o assegurar de "contas certas".

Este objetivo político pressupõe que durante a atual legislatura esse equilíbrio foi garantido, questão a merecer uma atenta análise para se observar se foram justos, e os mais favoráveis para o país, os termos em que foi assegurado. Por outro lado, é hoje evidente que o cenário económico que se perspetiva no plano internacional pode colocar o país perante problemas novos, nomeadamente: redução do crescimento (no quadro da guerra comercial de Trump) em alguns dos principais mercados das exportações portuguesas, impactos negativos vindos do Brexit e o aumento das taxas de juro. No plano nacional tornaram-se prementes grandes investimentos nas áreas da saúde, da habitação, das mobilidades, do ensino e da justiça, bem como na recuperação geral das capacidades do Estado. Nestas áreas já não chegam pequenos acertos como o Governo fez (e bem) nesta legislatura. Vai ser preciso optar entre garantir direitos fundamentais aos portugueses, ou sermos simpáticos para com as imposições europeias e agradarmos aos mercados.

António Costa disse que, na saúde, o Governo "repôs todos os cortes" que tinham sido feitos no setor, provavelmente a pensar só no número total de trabalhadores e contando que serão cumpridas as promessas de recrutamento entretanto anunciadas. Há que dizer que os obstáculos a vencer de forma alguma se esgotam aí. Nos últimos oito anos os problemas agravaram-se muito e surgiram novos: o setor público foi desestruturado e os privados ganharam posições, há degradação e falta de equipamentos porque não houve o investimento necessário, os profissionais da saúde foram maltratados e escorraçados, desfizeram-se e enfraqueceram-se equipas multidisciplinares imprescindíveis, a população envelheceu exigindo agora mais e novas valências nos serviços, e os avanços científicos e técnicos trouxeram a necessidade de outros investimentos que nos permitem viver mais tempo e com melhor saúde.

O setor da habitação oferece um outro exemplo eloquente de como a resolução dos desequilíbrios causados pelo abandono de vários domínios da política social não se consegue fazer com políticas de pequenos acertos. Sobre este tema crucial, o Observatório sobre Crises e Alternativas promove, no próximo dia 22, em Lisboa, na Fundação Calouste Gulbenkian, um oportuno debate 1 .

O hiato entre os rendimentos das pessoas e os preços de aquisição, ou de rendas das casas, é um obstáculo que se agudiza a cada dia que passa. Ele agrava os problemas da mobilidade nas áreas metropolitanas, expulsa os pobres que ainda restavam no centro das grandes cidades e as classes médias para as periferias, limita as aspirações dos jovens em vários planos. Tornaram-se insuportáveis, para milhares de famílias, os custos da habitação de um estudante nas principais cidades do país, quando é imperioso muitos mais jovens acederem ao Ensino Superior.

As políticas de incentivos e isenções fiscais para os proprietários, recentemente anunciadas para estimular o mercado de arrendamento, não resolvem o problema. A manutenção de todos os outros incentivos de atração do capital financeiro estrangeiro para o imobiliário através de programas como o Regime de Autorização de Residência para Atividade de Investimento (vistos dourados), só acentua a crise habitacional. Na habitação o Governo tem uma escolha crucial a fazer: promover um mercado imobiliário internacional especulativo ou optar por uma política de provisão de habitação para os habitantes das grandes cidades, ao mesmo tempo que trata de outros problemas do setor, associados ao reordenamento do território.

A recuperação de capacidades destruídas e a resposta a novos problemas entretanto surgidos exigem políticas de alcance estratégico - não chegam pequenos acertos.

1 https://ces.uc.pt/eventos/habi- tacao-em-portugal

*Investigador e professor universitário

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