Eugénio Costa Almeida* | opinião | Vivências
Há 134 anos, ou seja, no 1º dia
da Graça do Senhor e de Sua Alteza Real D. Luís I, do mês de Fevereiro de 1885,
estiveram presentes no lugar de Simulambuco – a poucos quilómetros do centro da
cidade de Cabinda e onde, tive o privilégio de lá estar em 2009 –, o comandante
da corveta “Rainha de Portugal”, Guilherme Brito Capello, como delegado do
Governo de Sua Majestade Fidelíssima, e notáveis de Cabinda (príncipes e mais
chefes e seus sucessores – artº 1º) para que nesse local, e após petição a
Portugal, de príncipes e barões do território de Cabinda, de 22 de Janeiro de
1885, se tivesse processado a assinatura de um acordo, dito Tratado1, de
protecção e salvaguarda deste território por parte de Portugal contra eventuais
possíveis ataques de potências estrangeiras.
Como se sabe, terá sido convocada
para hoje uma manifestação ma província de Cabinda para recordar esta data e
para criticar a presença – considerada por alguns cabindenses, e dentro da sua
legitimidade cívica, como estrangeira – angolana no território, após a
independência.
Para estas personalidades, o
exclave2 Cabinda goza de um estatuto de protectorado que não poderia ter
sido integrado na República independente de Angola, até porque – e isso é
verdade – a 3ª Comissão da ONU considerava Cabinda, a par de Angola, território
a ser autonomizado.
É certo que a Constituição
Portuguesa de 1933, que vigorou até 1975, separava, claramente, Cabinda de
Angola. Mas também é verdade que, em 1946, Cabinda deixa de ser um Intendência
dependendo diretamente do Governador-geral de Angola e passa a ser um Distrito
de Angola com nomeação de um governador de distrito, tendo sido o seu primeiro
governador o Intendente Raúl de Lima3; que pelo «Decreto n.º 40225 de 05 de
junho de 1955 que aprovava o Estatuto da Província de Angola, confirmava o
disposto no Decreto-lei 571/34 de 24 de fevereiro, que criava o Distrito
angolano de Cabinda, ao enumerar no seu art.º 50º, n.º 1 “o Distrito de
Cabinda, com sede em Cabinda”, de entre os 13 distritos de Angola»4 e
reafirmado pelo Decreto 453745, que estabeleceu a Lei Orgânica do Ultramar, a
Lei 2119, de 24 de Junho de 1963 (Diário do Governo n.º 274/1963, 1º
Suplemento, Série I de 1963-11-22, do Ministério do Ultramar), em que Cabinda surge como
1º círculo eleitoral (?) a eleger vogais para colégio leitoral legislativo que
nomeava os representantes da província no Conselho Ultramarino (Secção IV - Do
Conselho Legislativo; Subsecção I – Da competência e composição do
Conselho Legislativo, artºs. 24º nº 2, alínea d) e 26º, nº 4.)
Os defensores da independência do
exclave continuam a considerar que Portugal é potência administrativa do
território e que Cabinda deve ser independente, pelo que, na sua opinião, a
administração do território ou da província, por Angola é ilegal.
É um direito que assiste aos
naturais de Cabinda que assim o pensam. Só que em função das regras de
intangibilidade das fronteiras coloniais reconhecidas pela então OUA
(organização de Unidade Africana) e mais tarde ratificada pela sua sucessora
União Africana, e tendo por base os Decretos atrás referidos, não se pode
observar Cabinda como estando ilegalmente administrada como província e parte
integrante da República de Angola.
Mas também como sempre defendi,
quer em diferentes escritos, quer em diferentes colóquios que Cabinda, pela sua
condição especial de território descontínuo, ou exclave, deveria gozar de um
estatuto especial dentro da República. Uma das últimas vezes, apresentava como
exemplos os casos dos Açores e Madeira, em Portugal, e de Canárias, no Reino de
Espanha (por sinal, Madeira e Canárias, territórios africanos), ou seja,
desfrutar de uma ampla autonomia económica e política, ainda que contribuindo com uma parte do OGE nacional e estando sujeita às regras da diplomacia e
defesa nacionais.
É certo que para isso devermos
ter de alterar a nossa Constituição para permitir que Cabinda obtenha esse
estatuto.
Até lá, é altura do bem senso dos
representantes de Luanda, na província, se manifeste e evitem criar conflitos,
deter ou colocar sob apertada vigilância aqueles que por via da voz clamam por
aquilo que, na sua opinião, são justas reivindicações.
As últimas detenções, por causa
desta manifestação prevista para hoje, em vez de “calar” as vozes
intervencionistas, só poderão aumentar o desconforto e a negação da presença
dos representantes de Luanda no Exclave.
Vale a pena, parar e pensarem.
Vale a pena, se recordarem das palavras do Presidente João Lourenço, na sua
primeira visita ao Exclave. ´É que certos actos, mesmo que considerados
legítimos em termos administrativo, acabam por tornar Cabinda num espinhoso
para administração geral e para a imagem de Angola no exterior…
NOTAS:
1 Só se deve chamar de
Tratado quando as partes que o assinam representam estados, o que não era o
caso: havia um Estado, Reino de Portugal, e um grupo de cidadãos (príncipes e
mais chefes) que representavam uma região, mas não um Estado, ao contrário do
Tratado de Chinfuma em que as partes reconhecem estar a representar o Reino de
N’Goyo (antigo território do Reino do Congo, administrado por uma das filhas de
Manicongo). Daí que considerar que o que foi assinado, apesar de estar titulado
como Tratado, talvez para as partes externas, fosse um Acordo e não um Tratado.
2 Há uma diferença entre
Enclave, habitualmente usado para qualificar Cabinda – e até há pouco tempo,
também o usava – e Exclave, que é o que caracteriza, realmente, Cabinda. Um
Enclave corresponde a parte de um território de um Estado encravado dentro de outro
Estado diferente (por exemplo, Lesoto, dentro da África do Sul); um Exclave, é
quando um território de um Estado está encravado por dois outros Estado
diferentes; o caso de Cabinda que tem a República do Congo e a RD Congo como
fronteiras (ou o território russo de Kaliningrado que está entre a Polónia e a
Lituânia).
3 Cf. BEMBE, Miguel César
Domingos (2014). Partilha do Poder no Enclave Angolano de Cabinda: Modelo
e Processo, pág. 44; Tese de Doutoramento, Lisboa, UL-ISCSP, disponível
em: https://www.repository.utl.pt/bitstream/10400.5/7146/1/Tese%20Integral%20de%20Doutoramento%20-%20VERSAO%20DEFINITIVA%2002JUN2014%20-%20%5BISCSP-UL%20Miguel%20Bembe%5D.pdf
4 BASTOS, Maj Inf Paulo
Afonso Junjuvili (2017). ENTRE A AUSENCIA DE PAZ E DE CONFLITO: PERSPECTIVAS
SECURITARIAS SOBRE O ENCLAVE DE CABINDA, pág. 28, Pedrouços,Instituto de Altos
Estudos Militares, Departamento de Estudos Pós-graduados; disponível em: https://comum.rcaap.pt/bitstream/10400.26/21385/1/TII%20F10%2006_AP.pdf
5 Decreto 45374; disponível
em: https://dre.pt/web/guest/pesquisa/-/search/611508/details/maximized?sort=whenSearchable&sortOrder=ASC&q=Constitui%C3%A7%C3%A3o+da+Rep%C3%BAblica+Portuguesa&print_preview=print-preview&perPage=100
*Investigador do Centro de
Estudos Internacionais do ISCTE-IUL(CEI-IUL) e investigação para Pós-Doutorado
pela Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Agostinho Neto**
** Todos os textos por mim
escritos só me responsabilizam a mim e não às entidades a que estou agregado
Em vivenciaspressnews |
Fevereiro 4, 2019 às 12:33
Sem comentários:
Enviar um comentário