Carlos Roberto Saraiva da Costa Leite* | Porto Alegre
O Carnaval, cuja origem
se perde na imensidão dos séculos, é uma das maiores festas populares do mundo.
No Brasil, aculturou-se, ao longo do tempo, e assumiu características genuínas,
tendo uma massiva contribuição musical da cultura negra. O desfile das escolas
de samba é considerado um dos maiores espetáculos “a céu aberto” do Planeta. As
raízes do Carnaval nos remetem à Antiguidade.
Originária do latim, a
expressão carnis levale, significa “retirar a carne”. O termo está
relacionado ao jejum que deveria ser feito na Quaresma, durante os quarenta
dias antes da Páscoa, visando ao controle dos prazeres mundanos. Este foi o
mecanismo, do qual a Igreja Católica se utilizou, para controlar a festa pagã.
A variação da data do Carnaval, em nosso calendário, tem ligação direta com a
Páscoa O Papa Gregório XIII, em 1582, transformou o calendário Juliano em
Gregoriano, no qual estabeleceu datas móveis quanto ao Carnaval.
Egito,
Mesopotâmia, Grécia e Roma
As raízes do
Carnaval podem ser encontradas, há mais de quatro mil anos antes de Cristo, no
antigo Egito, a exemplo do culto à Grande Mãe Ísis. Estas festas estavam
relacionadas aos rituais agrários de fertilidade que se realizavam no período
da colheita de grandes safras. Neles, era costume os participantes pintarem os
rostos, dançarem e beberem.
Segundo alguns
especialistas sobre o tema, na antiga Babilônia, duas festas podem também ter
sido a origem do Carnaval. Durante o período, em que ocorriam As Saceias, um
prisioneiro substituía a figura do rei, usando as vestes reais e alimentando-se
como um nobre, podendo, inclusive, relacionar-se sexualmente com as esposas
dele. Ao término do tempo festivo, o prisioneiro era chicoteado e, depois,
enforcado ou empalado.
Outro rito festivo,
na mesma região, ocorria num período que antecedia ao equinócio da primavera
quando se comemorava o ano novo. O ritual se realizava no templo em honra a
Marduk, um dos principais deuses mesopotâmicos. Nele, o rei perdia suas
indumentárias de poder e era castigado na frente da estátua de Marduk. Essa
humilhação, em público, servia para evidenciar a submissão do rei à
divindade. Após esse rito, o rei, novamente, assumia o seu trono.
O fator presente nas
duas festas, que nos remete ao Carnaval, é o caráter de subversão de
papeis sociais. Isto se dá com a condição temporária do prisioneiro ao assumir
o papel de rei. Já noutro momento, o objetivo é demonstrar a humilhação do rei
diante do deus É provável que a subversão dos papeis sociais no Carnaval, a
exemplo dos homens vestirem-se de mulher e vice-versa, pode ser originário
dessa tradição da Mesopotâmia.
A associação do
Carnaval à licenciosidade está ligada também às festas de origem greco-romana,
por volta do ano 520 a .C.,
como os bacanais dedicados ao deus do vinho Baco e as festas dionísiacas
que eram dedicadas ao deus grego Dionísio. Estas festas eram pautadas
pela embriaguez e pela entrega aos prazeres da carne.
Em Roma,
ocorriam as Saturnálias e as Lupercálias. A primeira se realizava no
solstício de inverno, em dezembro, em homenagem a Saturno. Já a segunda
ocorria, em fevereiro, mês dedicado às divindades infernais, mas também das
purificações. Estes festivais duravam vários dias com muita fartura, bebidas e
danças. Os papeis sociais também se invertiam, temporariamente, com os escravos
assumindo o lugar de seus senhores, e estes se colocando na condição de
subalternos.
O controle da
Igreja
Com o fortalecimento
do poder material e espiritual da Igreja, esta não via com “bons olhos” as
festas pagãs. A concepção cristã não aceitava que nas festividades pagãs
ocorresse a troca de papeis sociais entre os participantes, pois ao
invertê-los, refletia na relação entre Deus e o demônio, tratando-se de uma
abominável heresia.
Diante disso, a Igreja
Católica buscou uma forma de enquadrar e controlar as comemorações. A partir do
século VIII, ao instituir a Quaresma, tais festas passaram a ser realizadas nos
dias que antecediam a esse período religioso. A Igreja, desta forma, estipulou
um tempo para as pessoas cometerem seus excessos antes do período da penitência
devido aos pecados cometidos, visando ao reencontro do homem com Deus.
A Festa dos Loucos
na Europa
Durante o Carnaval,
na Idade Média, por volta do século XI, no período fértil para o plantio,
homens jovens se fantasiavam de mulheres e saíam às ruas e pelos campos durante
algumas noites. Afirmavam ser habitantes da fronteira do mundo dos vivos e dos mortos.
Invadindo os domicílios, com a permissão dos seus moradores, fartavam-se, com
comidas e bebidas, e trocavam carícias e beijos com jovens moradoras. O
Carnaval, no período medievo, era conhecido como “A Festa dos Loucos”.
A partir do século
XIII, os nobres franceses promoviam festas onde era obrigatório o uso de
máscaras e roupas luxuosas. É provável que este seja o início da difusão das
primeiras festas à fantasia, que se popularizaram entre as altas classes em toda Europa , chegando
até os nossos dias.
No período renascentista,
nas cidades italianas, surgiu a Commedia dell'arte. Tratava-se de
teatros improvisados, cuja popularidade alcançou o século XVIII. No teatro
italiano nasceram as figuras do pierrô, arlequim e a Colombina, representando
um triângulo amoroso, que se popularizou pelo mundo. Em Florença, canções eram
compostas para acompanhar os desfiles, que contavam também com carros
decorados, os trionfi. Nas cidades de Roma e Veneza, os
participantes usavam a bauta, uma capa com um capuz negro, encobrindo
ombros e cabeça, além de chapéus de três pontas e uma máscara branca.
Após o Concílio de
Trento (1545-1563), mudou-se, em 1582, o calendário Juliano para Gregoriano e a
festa passou a ter caráter oficial para os cristãos. Assim, o Carnaval passou a
ser reconhecido como festa popular, que foi vivenciando uma série de
modificações e adaptações culturais até a atualidade.
O Carnaval no Brasil
A história do
Carnaval brasileiro se iniciou no período colonial. Há quem considere que a
chegada da Família Real no Brasil, em 1808, assumiu um caráter festivo,
associando-a a uma manifestação de caráter carnavalesco. O Entrudo foi uma das
primeiras manifestações carnavalescas da qual os escravizados também
participavam. De origem açoriana, era uma brincadeira, na qual os foliões
lançavam entre si limões de cheiro, água das seringas e até farinha. Diante do
aumento populacional, o que era simples diversão tornou-se causa de desavenças
e ferimentos entre os foliões, sendo proibido pela polícia. Aos poucos, no
final do século XIX, foram surgindo os cordões , ranchos, os bailes de salão,
os corsos e, finalmente, no século XX, as escolas de samba.
Pioneira no Brasil,
a escola de samba “Deixa Falar” foi fundada, em 12 de agosto de 1928, pelo
sambista carioca Ismael Silva (1905-1978) e outros amigos. No ano de
1932, o prefeito Pedro Ernesto Batista organizou o primeiro desfile
oficial de escolas de samba na Praça Onze de Junho. Este local foi o berço
do samba, onde se reuniam memoráveis sambistas na casa da baiana tia Ciata, na “Pequena
África” carioca, a exemplo de Donga, Sinhô e João da Baiana. Ali surgiu o
primeiro samba gravado “Pelo Telefone” (1916), cuja composição foi realizada por
Ernesto dos Santos (Donga) e pelo jornalista Mauro de Almeida.
No primeiro desfile oficial do Rio de
Janeiro, a Estação Primeira de Mangueira foi a grande vencedora do
Carnaval carioca com o enredo “Sorrindo e na Floresta”. A partir de então, ao
longo dos anos, este desfile foi se transformando num dos maiores espetáculos a
céu aberto do mundo, considerado pelo inesquecível carnavalesco Joãosinho
Trinta a maior ópera popular.
Os afoxés, frevos e maracatus passaram a
fazer parte da tradição cultural do nosso Carnaval, comprovando a nossa
diversidade cultural. A cada ano, o Carnaval toma conta de norte a sul do
Brasil com sua alegria contagiante, mantendo a tradição dos nossos ancestrais e
um imaginário cultural que desafia os séculos e qualquer forma de preconceito..
Recordando o
verso da marcha-rancho, de 1899, que imortalizou Chiquinha Gonzaga (1847-1935), “Ó
Abre Alas / Que eu quero passar”, vamos festejar a vida e a liberdade de ser
quem somos.. !
*Pesquisador
e coordenador do setor de imprensa do Musecom
Bibliografia
Dill, Aidê Campello. História e
fotografia. Porto Alegre : Martins Livreiro, 2009.
FERREIRA, Felipe. Inventando
Carnavais Rio de Janeiro : UFRJ, 2005.
HIRAM, Araújo. Carnaval, seis
milênios de história. Rio de Janeiro: Gryphus, 2003.
MARCONDES, Marcos Antônio.
Enciclopédia da música brasileira / erudita, folclórica e popular. Arte
Editora / Itaú Cultural , 1998.
MEDEIRO, Alexandre (Org). Coração
do Morro: histórias da Mangueira. RJ : Casa das Artes da Mangueira, 2001.
PINTO, Tales dos Santos. "História
do carnaval e suas origens"; Brasil Escola. Disponível em a
href="http://brasilescola.uol.com.br/carnaval/historia-do-carnaval.htm%3E">http://brasilescola.uol.com.br/carnaval/historia-do-carnaval.htm>
Acesso: 03 de marco de 2019, às 12:48.
Imagens
1 - Entrudo / Carnaval carioca
2 - Casal mestre-sala e
porta-bandeira / Mangueira
3 - A compositora Chiguinha
Gonzaga (1847-1935),
4 - Carnaval: A festa dos loucos
Do autor, em Página Global
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