Passados três meses, López
Obrador goza de níveis confortáveis de popularidade. Investida contra a máfia
da gasolina e a implementação de novos programas sociais marcam até agora sua
gestão.
Passados os primeiros 100 dias do
mandato presidencial, Andrés Manuel López Obrador tem o México praticamente a
seus pés: ele e seu projeto nacionalista de esquerda Quarta Transformação
contam com o apoio 67% da população, indica o instituto de pesquisa de opinião
Consulta Mitofsky.
Em geral, três meses é o prazo de
misericórdia durante o qual os chefes de Estado costumam receber boas cotações
da opinião pública. A essa altura, no entanto, os antecessores de Obrador já
haviam deixado suas marcas. O conservador Felipe Calderón (2006-2012) declarou
guerra ao narcotráfico; Enrique Peña Nieto (2012-2018), do Partido
Revolucionário Institucional (PRI), alcançou, juntamente com a oposição,
reformas constitucionais como a abertura do setor petrolífero e uma reforma do
ensino.
López Obrador, por sua vez,
brilha sobretudo na comunicação, comenta a jornalista Ivonne Melgar. "Ele
é eloquente e tem um aparato de propaganda potente, que faz uso das redes
sociais. López Obrador desvaloriza tudo o que aconteceu no México nos últimos
30 anos, e essa visão preto-ou-branco funciona com a base eleitoral dele."
Em sua coletiva de imprensa
matinal, o presidente determina a ordem do dia. Quando o leitor abre o jornal e
lê a análise da véspera, López Obrador já estabeleceu novos pontos de destaque.
Uma temática sucede a outra: o afluxo de migrantes na ilha Yucatán é suplantado
por um debate sobre os abrigos para mulheres, seguido pela nova configuração do
Supremo Tribunal.
O que fica para o povo são
quesitos simbólicos, como o fim da aposentadoria dos ex-presidentes ou
programas sociais – bolsas de estudo para estagiários, seguro social a
empregados domésticos ou a aposentadoria mínima universal de cerca de 60 euros
a partir dos 68 anos deixam a base aplacada.
Muitos também admiram o vigor com
que o chefe de Estado investe contra a máfia da gasolina, o que lhe custou a
primeira ameaça de morte. Para combater a organização que controla mais de um
terço da produção da Pemex, demitiu funcionários corruptos e colocou as
instalações da petrolífera estatal sob proteção militar, poupando, alega, até
2,5 bilhões de dólares.
O que passa praticamente ao largo
da opinião pública, entretanto, é que agora o petróleo não é mais transportado
em gasodutos através do México, mas sim em caminhões-tanques, causando gargalos
de abastecimento no início de 2019, e que esses contratos são distribuídos
diretamente, em vez de por edital.
É justamente isso que deixa os
especialistas apreensivos. Um estudo da ONG México Evalúa mostrou que do novo
orçamento foram cortados 31 programas sociais para grupos étnicos ameaçados,
sendo substituídos por 20 outros diretamente subordinados a López Obrador, dos
quais 19 funcionam sem regras definidas, compondo-se basicamente de subsídios
diretos.
"Isso serve à prosperidade
ou simplesmente cria uma nova clientela política?", pergunta a diretora da
ONG, Edna Jaime, no jornal El Financiero. O Centro Mexicano de Direito
Ambiental (Cemda), por sua vez, lamenta os cortes orçamentários de 32% no
Ministério do Meio Ambiente.
Homicídios e violência seguem na
ordem do dia do combate à máfia das drogas. Desde a posse do novo presidente,
foram assassinados cinco jornalistas. Pouco se vê da prometida política de
segurança, critica Catalina Pérez Correa, do think tank mexicano
Cide.
A recém-criada Guarda Nacional
para combater a criminalidade realmente não está subordinada aos militares,
como originalmente planejado, "mas ainda assim o comando cabe às Forças
Armadas, que seguem monitorando as comunicações e podem investigar os crimes",
aponta Pérez Correa. "Isso é dar carta branca para um Exército que há
cinco anos deixou de prestar conta pelos civis que assassinou."
Ela também assinala retrocessos
em relação ao Estado de direito: "nem os candidatos ao a ser preenchido
posto no Supremo Tribunal, nem o novo procurador geral são independentes, e sim
próximos a López Obrador". Desse modo, a luta que a sociedade civil há
anos trava por mais transparência e independência constitucional está perdida,
no momento, e o presidente declarou guerra à sociedade civil.
A jornalista Melgar detecta uma
estratégia política por traz do controle da Justiça: "Num sistema tão
corrupto como o do México, na verdade quase todo mundo é passível de chantagem.
Assim, a impunidade serve como incentivo para políticos e empresários se
submeterem à vontade do presidente."
Em relação à dinâmica econômica,
se, por um lado, segundo as enquetes, há muitos os mexicanos não se mostravam
tão confiantes, por outro os empresários e agências de classificação de risco
estão bastante céticos. Dos 4% de crescimento prometidos pelo presidente
Obrador, menos de 2% são realistas, segundo as instituições bancárias.
"Eu vejo, acima de tudo,
insegurança e nervosismo", diz Gabriela Siller, economista-chefe do grupo
financeiro Banco Base. Por um lado isso de deve à falta de clareza sobre como
se desenvolverá o protecionismo do principal parceiro comercial do México, os
Estados Unidos, mas também ao próprio presidente.
"Ele quer construir
refinarias, embora isso faça bem menos sentido econômico do que investir em
produção e exploração, onde a margem de lucro é maior", critica Siller.
"Não está claro de que se compõe o modelo econômico dele, e por isso os
investidores se retraem."
O economista Luis Rubio atribui a
motivos psicológicos o fato de diferirem tanto as avaliações do eleitorado e
dos economistas. "Um laço quase religioso liga os eleitores ao presidente,
enquanto os especialistas tentam interpretar o irracional de forma
racional", escreve no jornal Reforma.
Por um certo tempo será possível
manipular as expectativas sociais, por exemplo, inventando bodes expiatórios,
"mas no fim das contas o que conta é se o padrão de vida vai
melhorar", ressalva Rubio. "Subvenções podem mascarar isso durante um
tempo, mas no longo prazo elas não são solução, pois para tal simplesmente não
há dinheiro suficiente."
Sandra Weiss (av) | Deutsche
Welle
Imagem: Mexicanos ovacionam Lòpez Obrador
durante visita a refinaria
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