domingo, 25 de novembro de 2018

Dia da Consciência Negra

"É difícil não nascer branco" - Lima Barreto (18881-1922) / Diário Íntimo 

    
O dia 13 de maio, escolhido pela historiografia oficial, como símbolo da liberdade, representa apenas o término de quase 400 anos de um longevo sistema escravocrata.

O Brasil, há 130 anos, foi o último país no Ocidente a abolir a escravidão. Em contraponto a esta data, na qual foi assinada a Lei Áurea (1888), o 20 de novembro - Dia da Consciência Negra - remete-nos  à morte da figura libertária de Zumbi dos Palmares (1655-1695).  Esta data encontrou maior receptividade pela população afrodescendente devido à luta deste líder em relação à escravidão. Zumbi liderou o famoso Quilombo dos Palmares (1630-1895) que se localizava na Serra da Barriga, atual região do estado de Alagoas.
 
Instituído, em âmbito nacional, mediante a lei nº 12.519 de 10 /11/ 2011, o dia 20 de novembro - data da morte de Zumbi - passou a ser uma efeméride graças à mobilização do Movimento Negro e da liderança do ativista gaúcho, poeta e professor Oliveira Silveira (1941-2009) - nascido em Rosário do Sul - que teve a iniciativa de propor o reconhecimento deste líder negro como símbolo de resistência  à escravidão. A semente germinou, em Porto Alegre, no Grupo Palmares (1971) fundado pelo próprio Oliveira.

A data da morte de Zumbi foi alvo de longa pesquisa do professor Oliveira que se utilizou de uma abalizada bibliografia, trazendo a público a importância de Zumbi  para a história do negro no Brasil., motivando o Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial (MNU) a realizar um congresso, em 1978, ainda no período da Ditadura Militar (1964-1985). Este Congresso  elegeu Zumbi como um ícone da luta contra a escravidão.

Na realidade a Abolição da Escravatura (1888) concedeu, juridicamente, a liberdade ao escravizado, mas não o passaporte da cidadania plena.  Infelizmente, essa população liberta se deparou com uma dura realidade marcada por fatores, como a pobreza, a falta de instrução, o preconceito e a invisibilidade social. É evidente que, neste contexto, a  sobrevivência do liberto ficou restrita a espaços, cujas características eram a baixa renda econômica e o esquecimento do poder público, a exemplo em Porto Alegre da Colônia Africana (Bairro Rio Branco), Ilhota (Cidade Baixa), Areal da Baronesa e Mont’Serrat. Considerados no passado territórios negros, estes locais foram o berço do samba de roda , das casas de religião de matriz africana (Nação), dos blocos, cordões , escolas de samba e a Liga da Canela Preta (futebol). A especulação imobiliária os descaracterizou, deslocando seus moradores para locais afastados da urbe, como Restinga Velha onde não havia a mínima infraestrutura.  Os interesses econômicos atropelaram a tradição africana que ali se fazia presente.

A conquista da cidadania plena exige, ainda, nos dias atuais, uma luta constante contra o preconceito, visando ao reconhecimento da contribuição da etnia negra na construção da Nação brasileira.  Marginalização e racismo são reflexos de um sistema escravocrata que estruturou de uma maneira dual a sociedade brasileira. A saída estratégica, da nossa elite conservadora e escravocrata, do século 19,  dá -se com Abolição de forma legal, porém sem alterar o sistema social do qual era apenas o espelho. A sociedade se adaptou, visando a preservar, sob a aparência jurídica de igualdade de todos perante a lei, a distinção social entre a casa grande e a senzala. 

A Abolição da Escravatura (1888), não seria um processo inconcluso, como afirmou o historiador Décio Freitas (1922- 2004), em seu livro Brasil Inconcluso (1986), se ao ato jurídico fossem acrescidas mudanças sociais efetivas: uma reforma agrária proposta pelo engenheiro e abolicionista André Rebouças (1838-1898)  e a implantação de um sistema educacional amplo e inclusivo. 

Desde a assinatura da Lei Áurea (1888), pela princesa Isabel (1846-1921), até os dias atuais, o caminho da inclusão social tem sido árduo devido ao racismo (velado ou assumido) e à intolerância às tradições africanas.  Em pleno século 21, a escravidão, em suas diversas formas, ainda nos espreita e reinventa-se por meio de mecanismos de exploração, subtraindo a liberdade e a dignidade do ser humano. 

O legado de séculos de escravidão é o baixo percentual de afrodescendentes que ocupam, de forma legítima, espaços de poder e de atuação junto à sociedade, tradicionalmente e de forma majoritária, ao longo da história do Brasil, são ocupados por brancos, como confirmam  os dados estatísticos do IBGE. O Brasil foi o último país no Ocidente a aboli-la.  O dia 20 de novembro é uma data que nos oportuniza uma reflexão acerca da nossa diversidade cultural, que é fruto  da contribuição multirracial, especialmente dos nossos irmãos africanos e seus descendentes.
                                  
* Pesquisador e coordenador do setor de pesquisa do Musecom

Imagens
1- Estátua de Zumbi (2008) em Salvador (BA)  / autoria da baiana Márcia Magno 
2 - Zumbi dos Palmares
3 - Oliveira Silveira : Líder do Movimento Negro no RS

1 comentário:

Carlos Roberto da Costa Leite disse...

O Quilombo dos Palmares ( 1630-1895) / 1695 é da data correta da sua destruição. O autor

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