Manuel Carvalho da Silva | Jornal de Notícias | opinião
A discussão acerca das
consequências para o emprego e o trabalho decorrentes das inovações
tecnológicas tem ocupado bastante espaço em múltiplos órgãos da Comunicação
Social.
É positivo que se discutam os
cenários possíveis mas não podem afirmar-se certezas sobre o que não é certo. O
futuro não está escrito. O que vier a ser resultará de decisões dos seres
humanos, descentralizadas ou centralizadas, muitas vezes tomadas em função da
pressão dos grandes poderes económicos e financeiros. Uma parte dessas decisões
será assumida como consumidores, outra parte, porventura mais importante, será
tomada enquanto cidadãos integrantes de comunidades políticas.
O problema é que o espaço tem
sido quase todo ocupado por perguntas e respostas muito taxativas que tendem a
excluir outras com mais sentido e relevância. Vejamos algumas dessas perguntas
ruidosas: quantos postos de trabalho vão ser destruídos pelos robots e a
inteligência artificial? Quantos novos postos vão ser criados? O que tem de ser
ensinado às crianças para que se adaptem às novas máquinas? O que devem fazer
os adultos para não se tornarem obsoletos e passíveis de substituição por
máquinas?
São interrogações óbvias, mas não
são boas perguntas, porque as consequências das novas tecnologias no emprego e
no trabalho são muito incertas. Não há capacidade para prever com exatidão, nem
de forma probabilista, as suas consequências, os seus benefícios, os seus
custos, os seus perigos. Não sabemos que tecnologias já existentes serão
adotadas e quais delas serão excluídas. Não sabemos a que ritmo serão adotadas
as que o forem. Não sabemos quais as que se vão confirmar ou infirmar. Não
sabemos se haverá investimento suficiente no futuro próximo para aplicar em
máquinas a substituir humanos, na proporção anunciada. Não sabemos que novos
bens e serviços serão inventados e levados ao mercado. Estes desconhecimentos
aconselham todos os que participam neste debate a serem menos taxativos.
O digital, a robotização e a
inteligência artificial estão aí, acelerando e trazendo novas mudanças, mas os
debates predominantes têm três traços bem claros: (i) substituição de trabalho
humano para aumentar e concentrar lucros; (ii) dar determinismo à máquina para
subjugar o trabalho humano, as relações laborais e as formações; (iii)
disseminar a produção da inovação e do conhecimento, garantindo aos grandes
grupos o controlo e o lucro da sua aplicação.
Perante isto, há que buscar as
boas perguntas que interessam a todos nós enquanto cidadãos. Aceitamos o
determinismo tecnológico como argumento para levianamente substituir pessoas
por máquinas nos seus postos de trabalho? Ou preferimos usar as máquinas para
fazer o que de há de indesejável no trabalho humano, libertando-nos para o que
é criativo, aprazível, tem sentido e propicia felicidade? Queremos trabalhar
para as máquinas e para resolver os problemas que elas próprias criam? Ou
queremos que as máquinas trabalhem para nós de forma segura? Queremos formar
indivíduos com as competências que as máquinas requerem, ou criar máquinas
capazes de expandir as nossas capacidades?
Reconheçamos que existem
perguntas piores e melhores e que é preciso integrar no debate questões que
remetem para os fins que queremos prosseguir. Não nos devemos adaptar a
tecnologias cujas finalidades não são interrogadas. Mas estas opções não
resolvem um outro grande problema: existem novas possibilidades tecnológicas e
não temos a certeza de quais são as que devem ser exploradas e as que devem ser
excluídas. Pode ser difícil, mas é possível reduzir essa incerteza, construindo
decisões políticas informadas. O problema é que hoje, na maior parte dos casos,
nem sequer se tenta esse objetivo. Na investigação e nas inovações tem de
existir um esforço de antecipação dos impactos sociais, ambientais e outros. E
uma decisão política informada acerca da sua adoção. Não se pode continuar com
a prática de primeiro experimentar e depois logo se vê.
É nossa responsabilidade fazer
com que o princípio da precaução prevaleça também no plano da aplicação das
tecnologias e seus impactos, no emprego e no trabalho.
* Investigador e professor
universitário
Na imagem: Manuel Carvalho da Silva
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