terça-feira, 26 de março de 2019

Mudar de perguntas


Manuel Carvalho da Silva | Jornal de Notícias | opinião

A discussão acerca das consequências para o emprego e o trabalho decorrentes das inovações tecnológicas tem ocupado bastante espaço em múltiplos órgãos da Comunicação Social.

É positivo que se discutam os cenários possíveis mas não podem afirmar-se certezas sobre o que não é certo. O futuro não está escrito. O que vier a ser resultará de decisões dos seres humanos, descentralizadas ou centralizadas, muitas vezes tomadas em função da pressão dos grandes poderes económicos e financeiros. Uma parte dessas decisões será assumida como consumidores, outra parte, porventura mais importante, será tomada enquanto cidadãos integrantes de comunidades políticas.

O problema é que o espaço tem sido quase todo ocupado por perguntas e respostas muito taxativas que tendem a excluir outras com mais sentido e relevância. Vejamos algumas dessas perguntas ruidosas: quantos postos de trabalho vão ser destruídos pelos robots e a inteligência artificial? Quantos novos postos vão ser criados? O que tem de ser ensinado às crianças para que se adaptem às novas máquinas? O que devem fazer os adultos para não se tornarem obsoletos e passíveis de substituição por máquinas?



São interrogações óbvias, mas não são boas perguntas, porque as consequências das novas tecnologias no emprego e no trabalho são muito incertas. Não há capacidade para prever com exatidão, nem de forma probabilista, as suas consequências, os seus benefícios, os seus custos, os seus perigos. Não sabemos que tecnologias já existentes serão adotadas e quais delas serão excluídas. Não sabemos a que ritmo serão adotadas as que o forem. Não sabemos quais as que se vão confirmar ou infirmar. Não sabemos se haverá investimento suficiente no futuro próximo para aplicar em máquinas a substituir humanos, na proporção anunciada. Não sabemos que novos bens e serviços serão inventados e levados ao mercado. Estes desconhecimentos aconselham todos os que participam neste debate a serem menos taxativos.

O digital, a robotização e a inteligência artificial estão aí, acelerando e trazendo novas mudanças, mas os debates predominantes têm três traços bem claros: (i) substituição de trabalho humano para aumentar e concentrar lucros; (ii) dar determinismo à máquina para subjugar o trabalho humano, as relações laborais e as formações; (iii) disseminar a produção da inovação e do conhecimento, garantindo aos grandes grupos o controlo e o lucro da sua aplicação.

Perante isto, há que buscar as boas perguntas que interessam a todos nós enquanto cidadãos. Aceitamos o determinismo tecnológico como argumento para levianamente substituir pessoas por máquinas nos seus postos de trabalho? Ou preferimos usar as máquinas para fazer o que de há de indesejável no trabalho humano, libertando-nos para o que é criativo, aprazível, tem sentido e propicia felicidade? Queremos trabalhar para as máquinas e para resolver os problemas que elas próprias criam? Ou queremos que as máquinas trabalhem para nós de forma segura? Queremos formar indivíduos com as competências que as máquinas requerem, ou criar máquinas capazes de expandir as nossas capacidades?

Reconheçamos que existem perguntas piores e melhores e que é preciso integrar no debate questões que remetem para os fins que queremos prosseguir. Não nos devemos adaptar a tecnologias cujas finalidades não são interrogadas. Mas estas opções não resolvem um outro grande problema: existem novas possibilidades tecnológicas e não temos a certeza de quais são as que devem ser exploradas e as que devem ser excluídas. Pode ser difícil, mas é possível reduzir essa incerteza, construindo decisões políticas informadas. O problema é que hoje, na maior parte dos casos, nem sequer se tenta esse objetivo. Na investigação e nas inovações tem de existir um esforço de antecipação dos impactos sociais, ambientais e outros. E uma decisão política informada acerca da sua adoção. Não se pode continuar com a prática de primeiro experimentar e depois logo se vê.

É nossa responsabilidade fazer com que o princípio da precaução prevaleça também no plano da aplicação das tecnologias e seus impactos, no emprego e no trabalho.

* Investigador e professor universitário

Na imagem: Manuel Carvalho da Silva

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