Os polícias angolanos que
assistiram, sem impedir, ao linchamento popular de dois assaltantes, sábado em
Luanda, actuaram com os padrões de segurança adequados para salvaguardar a sua
própria “integridade física”, segundo Mateus Rodrigues, porta-voz da Polícia
Nacional. Mas, afinal, que país é este? Poderemos, com rigor e propriedade,
dizer que Angola é um país, é um Estado de Direito? Não, não podemos!
Orlando Castro* | Folha 8 | opinião
Que país é este que mobiliza,
para além da Polícia, a Força Aérea e a Marinha de Guerra para muscular a
“Operação Transparência” e não consegue – mesmo sendo testemunha presencial –
impedir ou, pelo menos, tentar impedir um linchamento popular?
Que país é este que, no balanço
provisório da “Operação Transparência” faz alarde dos resultados conseguidos,
pavoneando-se por terem apreendido 34.480 quilates em diamantes e 121.783
pedras preciosas, 178 retroescavadoras, 30 máquinas de pás carregadoras, 40
buldózeres, 18 máquinas niveladoras, 11 tractores agrícolas, 346 viaturas
ligeiras e pesadas, 481 motorizadas e até – repare-se – 31 bicicletas e não
consegue – mesmo sendo testemunha presencial – impedir ou, pelo menos, tentar
impedir um linchamento popular?
O mesmo se aplica à “Operação
Resgate”, uma espécie de “lei marcial” para pôr o país em “estado de sítio”,
mas que não consegue – mesmo sendo a Polícia testemunha presencial – impedir
ou, pelo menos, tentar impedir um linchamento popular.
É uma vergonha, Presidente João
Lourenço. O “resgate” da Nação não se pode fazer à custa da vida e da dignidade
dos angolanos, sejam eles membros do Governo, zungueiras ou até mesmo
criminosos. Não estamos (sejamos ingénuos) na selva. Um Estado de Direito não
pode permitir linchamentos populares, ainda por cima testemunhados “in loco”,
ao vivo e a cores, por polícias e cujo comportamento é justificado pela
hierarquia da Polícia Nacional como forma de salvaguardar a sua própria
“integridade física”.
É uma vergonha, Presidente João
Lourenço. Somos todos angolanos. Sabemos que, também para si, há angolanos de
primeira e de segunda (talvez até de terceira). Mas permitir que a Polícia nada
tenha feito para neutralizar o ataque à kinguila e depois deixe correr o
linchamento dos atacantes, é igualmente um crime.
Mais uma vez (e já começam a ser
muitas), a esperança que João Lourenço nos mostrou parece esfumar-se na troca
de carrascos, como sempre muito fortes com os fracos e muito fraquinhos com os
fortes.
Somos ou não um Estado
democrático de direito, com pluralismo de expressão e de organização política,
com separação e equilíbrio de poderes dos órgãos de soberania, (…) e do
respeito e garantia dos direitos e liberdades fundamentais do ser humano?
A República de Angola promove e
defende os direitos e liberdades fundamentais do Homem, quer como indivíduo
quer como membro de grupos sociais organizados, e assegura o respeito e a
garantia da sua efectivação pelos poderes legislativo, executivo e judicial,
seus órgãos e instituições, bem como por todas as pessoas singulares e
colectivas?
Faz sentido, perante o que nos
vai acontecendo, dizer que a todos é assegurado o acesso ao direito e aos
tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não
podendo a justiça ser denegada por insuficiência dos meios económicos? Ou que
todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao
patrocínio judiciário?
A Polícia Nacional é, ou não, uma
instituição nacional policial, permanente, regular e apartidária, organizada na
base da hierarquia e da disciplina, incumbida da protecção e asseguramento
policial do País, no estrito respeito pela Constituição e pelas leis, bem como
pelas convenções internacionais de que Angola seja parte?
Que país é este onde agentes da
Polícia matam cidadãos indefesos (alegados criminosos já neutralizados e
zungueiras, por exemplo) e, perante um linchamento popular, se limitam a
assistir ao desenrolar dos crimes, como se fôssemos (se calhar somos) um país
onde vigora a lei do olho por olho, dente por dente?
Como estadista de elevada
craveira, segundo os seus acólitos que fazem do elogio assassino e sistemático
uma forme da vida, João Lourenço vai paulatinamente seguindo, embora deforma
mais maquilhada, aquela que foi a emblemática política colonial imortalizada no
poema Monangambé de António Jacinto,
Por deficiência congénita e
ancestral, os angolanos são de uma forma geral um povo sereno e de brandos
costumes que, quase sempre, defende a tese de que mais vale um prato de fuba hoje
do que um bife depois de… morreram.
Há, contudo, alguns sinais de
sentido contrário que João Lourenço não vê e os seus colaboradores escondem. A
dita “justiça” popular, ou mais exactamente a lei da selva, é uma bola de fogo
que a todos pode queimar. Diz o Povo que se a Polícia não prende os criminosos…
alguém tem de os matar. Outros acrescentam que bandido bom é bandido morto.
Será que os dirigentes da Polícia
Nacional e o mais alto magistrado da Nação acreditam que é possível apagar um
incêndio com gasolina? Acreditarão que as populações, quais brigadas populares,
podem fazer justiça pelas suas próprias mãos? Não saberão que não adianta pedir
ajuda ao leão para combater o mabeco, porque depois de matar o mabeco o leão
vai nos comer?
É certo que em Angola aumenta o
número dos que pensam que a criminalidade só se revolve a tiro. O rastilho
mantém-se de tal forma aceso que não é despiciendo pensar-se que isso
corresponde mesmo a uma estratégia do regime. Nada melhor para manter o poder
cleptocrático vivo do que ter o cenário de ”guerra” pronto a entrar em combate.
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