HOJE JÁ É TARDE DEMAIS
Martinho Júnior, Luanda
Em Angola, sem consciência
dialética dos fenómenos de relacionamento do homem com o ambiente nas suas
razões causais, inconsciência essa a que se está a sujeitar todo o continente
africano e por tabela o próprio país, as elites estão a obrigar a deserdar a
descendência angolana.
Os desequilíbrios que se estão a
acentuar, consequência da inconsciência e inaptidão humana, trarão pesadas
penalizações para as próximas gerações de angolanos e africanos, num momento em
que tudo deveria ser cientificado e nada votado ao improviso!
Este texto é sequência de “África,
da inércia à catástrofe”, publicado a 2 de Maio de 2019 (https://paginaglobal.blogspot.com/2019/05/africa-da-inercia-catastrofe-martinho.html)
1- Em Junho de 2012 publiquei em
dois textos “Visão 2050 para o mundo e a SADC”, que foram aproveitados
pelo Instituto Nacional de Inteligência e Segurança para integrar a edição de
que sou autor, “Apontamentos sobre África”.
Outros textos foram sendo
publicados por mim, antes e depois até esta data, alertando para a necessidade
de, perseguindo uma lógica com sentido de vida que desse continuidade às linhas
reitoras do movimento de libertação em África, se levasse a produzir uma
geoestratégia para um desenvolvimento sustentável em Angola (e no continente),
comprometida com uma cultura de inteligência patriótica e africana, capaz de
renascimento.
Recordo este extracto do primeiro
texto:
“O modelo de sociedade
capitalista e consumista herdado da Revolução Industrial e da recente Revolução
Tecnológica, pelas suas assimetrias, desequilíbrios e um esbanjamento cada vez
mais pernicioso de recursos, não serve para as gerações presentes e para as do
futuro, pelo que é necessário encontrarem-se outras soluções, que influenciarão
cada vez mais os conceitos que nortearão ao longo das próximas décadas a Visão
2050, bem como as transformações necessárias, algumas delas tendo já dado,
timidamente e apesar de tudo, os primeiros passos.
É fundamental que os recursos do
planeta não se esgotem, nem se tornem nocivos ao ambiente por acção do homem e
com isso que os equilíbrios ambientais não sejam colocados em causa; nesse
aspecto, em relação a muitos deles, há já uma corrida contra o tempo, enquanto
os desequilíbrios se tornam cada vez mais evidentes!
Quantas espécies animais e
vegetais não estão em risco, desapareceram ou estão em vias de extinção?
Porquê?” (https://paginaglobal.blogspot.com/2012/06/visao-2050-para-o-mundo-e-sadc-i.html).
No segundo texto considerava:
“Perante a incompatibilidade duma
planificação geoestratégica fundamentada numa lógica capitalista, África é o
continente mais vulnerável face às ingerências e manipulações que se mantêm,
ingerências e manipulações filtradas por via das elites quantas vezes
agenciadas pelos interesses da hegemonia, elites que procuram fugir aos novos
parâmetros nascentes, preocupadas em garantir o futuro de seus interesses
egoístas alinhados e das gerações que diretamente se lhes seguirão.
Plasma-se um mundo carregado de
contradições, em função do que escapa ao essencial que é a garantia de vida, ao
sentido da vida, sobretudo no que diz respeito à gestão da água e das florestas
tropicais do planeta, para responder à lógica do capital e do seu mercado, uma
lógica ao serviço das elites forjadas no lucro, na especulação, nas tensões,
nos desequilíbrios, nas assimetrias e nas guerras, as elites que contribuem
para o fomento do subdesenvolvimento e nada motivadas para a sustentabilidade
do desenvolvimento verde, completamente livre dos venenos com origem humana
estimulados desde a Revolução Industrial.” (https://paginaglobal.blogspot.com/2012/06/visao-2050-para-o-mundo-e-sadc-ii.html).
2- A 6 de Maio de 2019, a Plataforma
Intergovernamental de Política Científica sobre Biodiversidade e Serviços
Ecossistémicos (IPBES), organismo da Organização das Nações Unidas, publicou um
relatório científico que não deixa margem para dúvidas:
“Há oito milhões de espécies de
animais, plantas e insetos no planeta terra.
Um milhão está em risco de
desaparecer.
Há um número sem precedentes de
espécies em risco de extinção: um milhão.
O alerta é da Plataforma
Intergovernamental de Política Científica sobre Biodiversidade e Serviços
Ecossistémicos (IPBES), num estudo com 145 autores de 50 países.
Pelo menos 680 espécies com
coluna vertebral já foram extintas desde 1960 e muitas outras correm o risco de
desaparecer próximas décadas.
O impacto das alterações
climáticas e a procura insustentável do crescimento económico são apontados
como os principais responsáveis pelos danos exercidos pela civilização moderna
no mundo natural.
A essencial e interligada rede de
vida na terra está a ficar cada vez mais pequena, alertou um os corresponsáveis
pelo estudo divulgado esta segunda-feira, Josef Settele, citado pela Reuters.
Apenas uma transformação drástica e à escala
mundial do sistema económico e financeiro poderia reverter a situação, mas não
é tarde demais, destaca Robert Watson, presidente da IPBES, organização que
colabora com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climática das Nações
Unidas” (https://paginaglobal.blogspot.com/2019/05/um-alerta-sem-precedentes-ha-um-milhao.html)
Já a 11 de Novembro de 2018, por
altura do 43º aniversário da independência de Angola, realçava eu, avisada e
antecipadamente, em “Zelar pelos nossos rios é zelar pela vida”:
“Angola, 43 anos depois da
independência de bandeira, continua encalhada numa visão colonial de
implantação infraestrutural, estrutural e de polos de
desenvolvimento, como se um Diogo Cão invisível abordasse hoje a costa, com
todas as velas pandas, vindo do norte pelo mar.
A partir do desencadear da
Operação Transparência, há a oportunidade e a possibilidade de começar a
alterar essas tendências que, advindo do passado, têm tantas implicações nas
assimetrias do país!
É evidente que essa questão
prende-se não só à gestação coerente da identidade nacional, mas também com a
gestação dos programas de desenvolvimento sustentável e amigo do ambiente, de
forma a garantir que os cursos de nossos rios, que tanto têm a ver com a vida
em todo o território angolano, estejam saudavelmente disponíveis em benefício
das futuras gerações e com horizontes a muito longo prazo, ao longo dos
próximos séculos!
Lutar de forma inteligente e
patriótica contra o subdesenvolvimento, passa pela formulação da GEOESTRATÉGIA
PARA UM DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL que faça a densa leitura antropológica
irradiando na e a partir da REGIÃO CENTRAL DAS GRANDES NASCENTES e sobre a
imensidão que há a descobrir na e com a ROSA DOS RIOS angolana!
De que se está à espera para dar
à ignição essa tão legítima quão vital aspiração?
Zelar pelos nossos rios, é zelar
pela vida, zelar acima de tudo, pela vida das futuras gerações!”
3- Apesar de alguma atenção de
alguns patriotas mais preocupados com o futuro de Angola, o que tenho vindo a
expor não tem merecido a devida preocupação (em termos de prioridade) da classe
dirigente do país, em parte absorvida no enfrentamento aos fenómenos corretes
da crise que é resultado de políticas de deriva capitalista neoliberal que se
foram consolidando de há 33 anos até hoje, em parte por que a exiguidade das
verbas disponíveis, nem para a instalação dum embrião, em jeito de círculo de
estudos, até agora deram, em parte ainda por que a superestrutura ideológica,
identificada com a social-democracia, não dá mesmo para mais!
Está-se assim “contra a
parede”, por que hoje para África e para Angola, face à mentalidade corrente e
levando em conta que a consciência continua a ser um singular acto de vanguarda
ainda sem repercussões de maior, na corrida contra o tempo, começaa haverá
noção que já é tarde demais!
O Ministério do Ambiente, por
exemplo, aparenta estar perdido em questões que se esvaem na preocupante gestão
do espaço KAZA-TFCA, mas incapaz de observar dos fenómenos dos factores
essenciais que ocorrem na e desde a região central das grandes nascentes, para
as regiões periféricas, não referenciando onde quer que seja o papel de “rosa-dos-rios” garante
da biodiversidade em todo o país, inclusive como matriz da água de rios como o
Cubango e o Cuando, afinal tão importantes para o Botswana (https://www.kavangozambezi.org/index.php/en/)...
A Ministra do Ambiente, aparenta
estar “perdida entre elefantes” por que isso diz respeito ao “mercado” criado
com o KZA-TFCA, conforme exemplo corrente: “Caça furtiva é a principal
ameaça ao elefante em Angola, diz Ministra” (https://africa21digital.com/2019/05/06/caca-furtiva-e-a-principal-ameaca-ao-elefante-em-angola-diz-ministra/).
O tempo de mobilização humana e
científica não elitista está já a ser “queimado” e a reorganização do
estado no quadro duma geoestratégia para um desenvolvimento sustentável é uma
quimera pelo que de facto não há ainda o que quer que seja respondendo
minimamente e em termos de prevenção aos fenómenos do aquecimento global, muito
menos como uma geoestratégia para um desenvolvimento sustentável a muito longo
prazo (“Geoestratégia para um desenvolvimento sustentável” – https://paginaglobal.blogspot.com/2016/01/geoestrategia-para-um-desenvolvimento.html):
- Não se controla nem se gere a
região central das grandes nascentes de forma a garantir-se sua preservação,
longevidade e adequação de medidas garantes de vida a muito longo prazo;
- Não se previne
concomitantemente a expansão dos desertos a sul (Kalahári e Namibe) e acaba-se
por fazer o papel de bombeiro a apagar os fogos que são consequência da falta de
previsão e conhecimento das razões causais dos fenómenos que se vêm avolumando;
- Não se fazem estudos amplos
sobre as águas que escorrem nas direcções sudoeste, sul e sudeste, desde a
matriz da “rosa-dos-rios” na região central das grandes nascentes, sabendo-se
que bacias como a do Cunene, do Cuvelai, do Cubango e do Cuando, vão perdendo
água a partir do seu médio curso e são alvo da expansão dos desertos do Namibe
e do Kalahári;
- Não se fazem concomitantemente
estudos de impacto ambiental sobre as barragens programadas na Huila e no
Cunene, assim como seus sistemas de transvases, tendo em conta que as águas
subterrâneas dirigem-se para o norte da Namíbia e por isso a improvisação pode
levar a consequências no norte daquele país irmão;
- Não se promove a criação de
Parques Naturais e florestas na região costeira, particularmente nas e ao redor
das grandes cidades que ampliaram a desertificação, estão carentes de oxigénio
e sofrem com problemas infraestruturais, estruturais, sanitários e de prevenção
de toda a ordem;
- Não se inventaria as espécies
vegetais e animais, de forma avaliar o grau de risco que enfrentam, salvo
algumas acções dispersas que respondem às atracções turísticas integradas nos
Parques Naturais do sudeste,ou a campanhas vindas exclusivamente do exterior
como a do National Geografic sobre o Cubango (ao abrigo dos interesses do
cartel dos diamantes);
- Não se está a adoptar lógica
com sentido de vida, permitindo que os impactos do capitalismo neoliberal
persistam em muitas franjas da sociedade, moldando a mentalidade média e o
comportamento dos angolanos e dos africanos, que até a sua antropologia, em função
da sua proveniência dos ambientes rurais, podem deixar de reconhecer;
- Não se definem adequadamente o
que são áreas de ocupação, pólos de desenvolvimento e áreas de intervenção, com
todas as assimetrias que isso continua a implicar;
- Não se arranca com uma cultura
de inteligência integrada e patriótica, pelo que se anda ao sabor do
conhecimento que surge de fora, ou dum conhecimento improvisado, ao invés de
captar os que a nível nacional pretendem dar vigor a projectos científicos
amplos integrando e articulando universidades e institutos superiores, capazes
de suportarem as iniciativas aglutinadoras em direcção e suporte do
desenvolvimento sustentável!
É evidente que deste modo não
haverá arranque no que tenho qualificado como necessidade duma cultura de
inteligência em Angola (“Para uma cultura de inteligência em Angola” – https://paginaglobal.blogspot.com/2017/11/para-uma-cultura-de-inteligencia-em.html),
quando ela torna-se imprescindível para a gestão da vida no país, para a
gestação duma base de dados que enquadre o conhecimento científico angolano e
para que essa base de dados estimule as garantias de vida para os herdeiros
angolanos das futuras gerações!
4- No Cunene dão-se os primeiros
passos para a construção de pelo menos duas barragens de contenção de águas da
bacia subterrânea do Cuvelai, aparentemente sem se avaliarem as amplas
repercussões ambientais desse tipo de empreendimentos, sabendo-se que é essa
bacia que, escorrendo para sul, alimenta a água do Lago Etosha no norte da
Namíbia, inscrito num dos principais Parques Naturais do país (“Ministro
anuncia medidas de combate à seca no Cunene” – http://jornaldeangola.sapo.ao/politica/ministro-anuncia-medidas-de-combate-a-seca-no-cunene).
A situação que os angolanos já
estão a viver, corresponde todavia a graves penalizações para as futuras
gerações, que estão a ser deserdadas de qualidade de vida, de espaço vital, de
capacidade antropológica de resistência e de felicidade, por que assim sendo,
face às aceleradas transformações climático-ambientais em curso por todo o
globo, por tabela a nível regional e nacional e não havendo capacidade sofrível
de prevenção e mobilização, hoje já é tarde demais!
Constatem com a última visita do
Presidente da República ao sudoeste do país (Namibe e Cunene), como Angola,
apesar das barragens e sistemas de transvases anunciadas, já está “a
correr atrás do prejuízo”: “Presidente angolano anuncia reforço do combate
à seca no Cunene” –https://africa21digital.com/2019/05/05/presidente-angolano-anuncia-reforco-do-combate-a-seca-no-cunene/
Martinho Júnior - Luanda, 7 de Maio de 2019
Fotografias tiradas pelo meu
filho Abílio Pedro Viegas, técnico ao serviço do Município da Cahama:
1- Água para um “chimpaca” vital
na área da Cahama, alimentada a partir dum furo com electrobomba, gerador
diesel e canalização instalados pelo meu descendente;
2- Vista geral da “chimpaca”;
3- O Abílio junto ao furo;
4- Instalação para água potável
na pequena localidade de Huia (“água potável para todos”), na área municipal da
Cahama (o meu filho é um dos técnicos que providencia a manutenção do sistema);
5- Imagem de gado em transumância
e em busca duma “chimpaca” com água; visíveis os desgastes.
Notas:
A reportagem fotográfica do meu
filho Abílio Pedro Viegas, técnico multifunções ao serviço do Município da
Cahama, atinge as 119 fotos.
Para ele, autêntico soldado da
paz no Cunene, uma das Províncias angolanas do sul mais atingidas pela
progressão do deserto do Namibe para dentro do território nacional, a luta
continua integrando os esforços da linha da frente contra um dos flagelos que
já está irreversivelmente a atingir Angola, em função do aquecimento global.
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