sexta-feira, 24 de maio de 2019

Londres | May sucumbe ao caos do Brexit


O processo de saída do Reino Unido da UE se provou ser um desafio político muito maior do que parecia, dividindo população e classe política. A PM se perdeu em meio a isso. E não lhe restou saída, senão a própria

Barbara Wesel, Bruxelas (Bélgica)| Opera Mundi | opinião

Quem observou Theresa May nos últimos meses ficou especialmente surpreso com seu poder de resistência sem limites. Nenhuma humilhação na Câmara dos Comuns ou demissão de ministro parecia impressioná-la. Como um "João-bobo" político, ela era vista novamente na próxima reunião no Parlamento ou na cúpula do Brexit, em Bruxelas. Por vezes, ela até perdeu a voz devido ao grande stress. E até mesmo seus opositores tiveram pena dela por causa de seu trabalho difícil. Mas, agora, chegou o fim para a primeira-ministra que parecia, como um gato, ter sete vidas.

No final, na verdade, parece que seu próprio partido está retirando-a do cargo. Durante a semana, todos os críticos afirmaram que esta sexta-feira (24/05) seria a última data em que ela poderia partir com dignidade. Já que, na próxima segunda-feira, assim que os resultados devastadores esperados para os conservadores nas eleições europeias estivessem disponíveis, ela acabaria sendo derrubada por caciques do partido.


O previsível desastre nas eleições europeias é uma das razões da ira dos conservadores contra a líder do seu partido. Dependendo do seu espectro político, os apoiantes do Brexit culpam-na por ter participado deste martírio, já que o Reino Unido já deveria estar fora do bloco europeu desde 29 de março. E os moderados estão zangados porque eles não tinham procurado anteriormente uma solução não partidária para a disputa do Brexit e tinham sempre cedido aos adeptos da linha dura até que um compromisso já não fosse mais possível.

Além disso, não houve uma campanha eleitoral adequada para as eleições europeias, e os conservadores deixaram Nigel Farage e seu recém-formado partido durante o Brexit no terreno político sem oferecer qualquer resistência. O resultado foi uma raiva em todas as frentes políticas.

O que finalmente aumentou a ira para proporções incomensuráveis foi a tentativa de May de aprovar no Parlamento, no último momento, mais uma vez um acordo modificado para o Brexit. Ela acrescentou algumas concessões à legislação de saída da UE para garantir votos suficientes da oposição feita pelo Partido Trabalhista. O elemento-chave era a permanência temporária na união aduaneira e a promessa de um segundo referendo.

Foi nesta altura que os próprios membros do gabinete de Theresa May finalmente arrebentaram a corda. O ministro do Interior, Sajid Javid, se queixou que isto era muito mais do que tinha sido acordado na reunião conjunta de terça-feira. Como protesto, a líder da bancada Andrea Leadsom finalmente renunciou na quarta-feira à noite. Ela não queria ajudar a aprovar esta lei na Câmara dos Comuns, dizia a declaração. Depois disso, ela se jogou, como uma dúzia de seus colegas, diretamente na luta pela sucessão de May em Downing Street.

Enquanto a chefe de governo ainda defendia a votação do Brexit na Câmara dos Comuns perante bancos meio vazios, a chamada "conexão da pizza" dos defensores do Brexit já estava se reunindo nas salas dos fundos para catapultar a primeira-ministra para fora do cargo o mais rápido possível.

Luta pela sucessão

Com a decisão de May de deixar o cargo de líder do Partido Conservador em 7 de junho e, consequentemente, perder o cargo de primeira-ministra do Reino Unido, ela abre caminho para a luta por sua sucessão. Os candidatos são propostos pelos cerca de 120 mil membros do Partido Conservador, dos quais os dois primeiros colocados devem, sem seguida, tentar angariar o apoio dos deputados conservadores na Câmara dos Comuns.

A decisão final sobre a questão de quem se tornará inicialmente líder do partido e, assim, adquirirá também o direito ao cargo de primeiro-ministro, é tomada pelos membros da legenda. De acordo com pesquisas, o ex-ministro do Exterior Boris Johnson tem atualmente as melhores chances, porque é popular entre os conservadores da base.

Na Câmara dos Comuns, por outro lado, ele tem numerosos inimigos, muitos dos quais conhecem muito bem as suas fraquezas. Os conservadores moderados também temem que ele possa desencadear um Brexit duro - ou seja, uma ruptura drástica e sem acordo com a UE. No entanto, ele parece estar à frente, por ser considerado o nome que teria mais chances de se impor perante o Partido Trabalhista.

Enquanto a disputa pela sucessão continua, Theresa May permanece no cargo. De qualquer forma, como primeira-ministra, ela ainda será responsável pela visita de Donald Trump e pela reunião dos chefes de governo e Estado europeus no aniversário do Dia D, na Normandia, no início de junho. Além disso, o sistema britânico não prevê um período transitório sem um chefe de governo designado: se um deixar o cargo, o próximo deve estar pronto para ocupá-lo.

A sua própria teimosia, os erros de cálculo na implementação do Brexit e a falta de intuição política acabaram por provocar a queda de Theresa May. O deputado conservador Ian Duncan Smith afirma que May teria colocado o sofá na frente da porta e se entrincheirado em Downing Street.

A primeira-ministra tinha tentado diversas manobras, feito vários ziguezagues - e se arruinado por todos os lados. Primeiro, ela traiu os defensores da UE perante os apoiadores do Brexit e estabeleceu um corte duro nas relações com a UE. Porém, ela não conseguiu cumprir as condições deles como a questão do controle aduaneiro entre as duas Irlandas. No final, a situação era tal que o seu pedido de ajuda ao Partido Trabalhista só recebeu um encolher de ombros. Quem faria acordos com uma primeira-ministra que só ficaria durante dias no cargo?

Nos últimos meses, May deve ter prometido mil vezes realizar o Brexit. No final, ela não foi capaz de fazer isso porque a situação estava perdida e porque, na verdade, ela não tinha qualquer apoio em nenhum lugar. E, além disso, May não deixa nenhum legado político. O seu sucessor deverá, de alguma forma, encontrar uma solução para a profunda divisão que o Brexit criou entre a população e na classe política. O Brexit provou ser um puro veneno político, muito para além de qualquer expectativa.

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