quinta-feira, 20 de junho de 2019

Após fala de Sergio Moro no Senado, o que acontece agora em quatro pontos


Investigações na Polícia Federal, julgamento de acusação de suspeição no Supremo Tribunal Federal (STF), sindicância no Conselho Nacional do Ministério Público e a eventual abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Senado.

O vazamento de mensagens privadas atribuídas ao então juiz federal Sergio Moro e a procuradores da força-tarefa da Operação Lava Jato influenciou processos em andamento e deu origem a uma série de investigações, concentradas em dois eixos: a invasão dos celulares e os supostos crimes ou desvios éticos cometidos por essas autoridades.

Um dos desdobramentos mais esperados em torno da divulgação das mensagens trocadas no Telegram pelo site The Intercept está ligado às acusações de suspeição de Moro feitas pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Caso o colegiado acolha o pedido, todas as decisões tomadas por ele em processos contra Lula podem ser anuladas pela Corte, inclusive a condenação no caso do tríplex do Guarujá.

Veja em que pé estão as quatro linhas de investigação.

1. Supremo Tribunal Federal

Ao longo da tramitação dos processos judiciais contra o presidente Lula, sua defesa adotou a estratégia de apresentar na Justiça uma série de pedidos de suspeição de magistrados envolvidos com os casos, tendo Moro como alvo preferencial.

A ofensiva jurídica dos advogados do petista sofreu diversas derrotas na primeira instância da Justiça Federal, no Tribunal Regional Federal da 4ª Região e no Superior Tribunal de Justiça, mas ganhou fôlego com o vazamento de mensagens entre Moro e Dallagnol.

O julgamento do habeas corpus de Lula que pede a suspeição de Moro foi interrompido em dezembro após pedido de vista do ministro Gilmar Mendes. Mas recentemente ele liberou seu voto e pediu que o caso fosse pautado para o dia 25 de junho.

A Segunda Turma, que julga o habeas corpus, é formada por Edson Fachin, relator dos casos da Lava Jato iniciados em Curitiba, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Celso de Mello.

Será a primeira vez que o pedido dos advogados de Lula será apreciado no STF após a divulgação das mensagens entre o então juiz de primeira instância da Lava Jato Moro e o procurador que comanda a força-tarefa.

Segundo conversas divulgadas em reportagens do site The Intercept, em dezembro de 2015 Moro recomendou a Dallagnol, fora dos autos, uma possível testemunha a ser ouvida em processo contra Lula. O então juiz também fez comentários sobre a atuação de procuradores e sugeriu a mudança da ordem de fases da operação.

Para a defesa petista, "houve uma atuação combinada entre os procuradores e o ex-juiz Sergio Moro com o objetivo pré-estabelecido e com clara motivação política, de processar, condenar e retirar a liberdade" de Lula.

O Código de Ética da Magistratura determina que o magistrado deve manter "ao longo de todo o processo uma distância equivalente das partes, e evita todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito".

Já o artigo 254 do Código de Processo Penal estabelece que o juiz "dar-se-á por suspeito" se, por exemplo, "tiver aconselhado qualquer das partes". No artigo 564 do código, pode ocorrer a nulidade de um processo em três casos, entre eles "incompetência, suspeição ou suborno do juiz".

No último dia 13, o corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), rejeitou a abertura de um processo administrativo solicitada pelo PDT porque Moro já não tem mais vínculo com a magistratura.

2. Conselho Nacional do Ministério Público

A divulgação das conversas também originou uma investigação contra Deltan Dallagnol no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) sob suspeita de falta funcional.

Assinado por quatro conselheiros do órgão, o pedido de investigação defende, sem fazer juízo de valor, a apuração de eventual "violação dos princípios do juiz e do promotor natural, da equidistância das partes e da vedação de atuação político-partidária".

O processo de reclamação disciplinar foi aberto pelo corregedor nacional do Ministério Público Orlando Rochadel Moreira no último dia 10, a fim de apurar se houve desvio dos deveres funcionais previstos na lei complementar nº 75/93.

"A ampla repercussão nacional demanda atuação da Corregedoria Nacional. A imagem social do Ministério Público deve ser resguardada e a sociedade deve ter a plena convicção de que os membros do Ministério Público se pautam pela plena legalidade, mantendo a imparcialidade e relações impessoais com os demais Poderes constituídos", escreveu Moreira em sua decisão.

Ele aguarda agora a apresentação da defesa dos membros do Ministério Público Federal ligados à força-tarefa da Lava Jato, representados pelo coordenador do grupo, Deltan Dallagnol.

Em seguida, o corregedor do CNMP analisará se é o caso de arquivamento ou de abertura de processo administrativo disciplinar.

Dallagnol já responde a outro procedimento, autorizado pelo plenário do órgão, por causa de uma entrevista na qual afirmou que o Supremo Tribunal Federal passa a mensagem de leniência a favor da corrupção em algumas de suas decisões. Ainda não houve decisão de mérito sobre este caso.

3. Polícia Federal

A Polícia Federal abriu quatro inquéritos no Paraná, no Rio, em São Paulo e no Distrito Federal em torno da invasão de celulares de autoridades e ao posterior vazamento dessas informações, segundo a imprensa brasileira. Uma das investigações foi aberta antes das reportagens do site The Intercept a pedido de Moro, após identificar que a segurança de seu aparelho telefônico havia sido violada.

O portal de notícias G1 afirmou que a apuração identificou que a possível origem dos ataques virtuais foi o celular do ex-procurador-geral da República, Rodrigo Janot - e que o hacker teria chegado aos grupos de conversa da Lava Jato após invadir o Telegram instalado no aparelho dele.

Em reportagem, o jornal Folha de S.Paulo disse que as investigações da PF identificaram por ora que o único telefone celular que teve dados capturados por hackers foi o de Deltan Dallagnol. Procurados pela BBC News Brasil, o Ministério Público Federal no Paraná e a Polícia Federal não informaram se ele entregou o celular para análise dos investigadores.

A autoria dos ataques ainda não foi identificada. Em audiência no Senado, Moro afirmou, sem apresentar provas, que a invasão virtual foi orquestrada por uma organização criminosa.

O hoje ministro também cobrou o endurecimento das penas previstas para esse tipo de crime, proposta defendida pelo PSL, partido do presidente Jair Bolsonaro.

4. Comissão Parlamentar de Inquérito

O braço político dos desdobramentos da divulgação de conversas entre Moro e Dallagnol perdeu força por ora depois que o hoje ministro anunciou que iria espontaneamente ao Senado prestar esclarecimentos sobre as mensagens vazadas.

O senador Angelo Coronel (PSD-BA), que propôs a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar o caso, deu início à coleta de assinaturas de colegas para a apuração, mas decidiu engavetá-la enquanto aguarda a divulgação de mais conversas entre o então juiz federal e procuradores da Lava Jato.

"Continuamos na busca por esclarecimentos. Não quero e nem farei pré-julgamento, mas é importante, já que ele diz que não há nada de errado, que as partes forneçam acesso às conversas para sabermos a verdade", escreveu Angelo Coronel. Ele cobrou em audiência no Senado que Moro autorize que o Telegram conceda acesso às suas mensagens arquivadas nos servidores da empresa russa responsável pelo aplicativo.

Na ocasião, o ministro afirmou que parou de usar o Telegram em 2017, "naquela época em que se noticiaram invasões nas eleições americanas", e que não é possível ter acesso às mensagens porque elas não ficam armazenadas na nuvem. A informação foi contestada por Coronel.

Segundo o Telegram, as conversas ficam armazenadas em seus servidores, à exceção dos "chats secretos". Estes usam a chamada criptografia de ponta a ponta, em que apenas o emissor e o destinatário podem ler as mensagens.

O que dizem Moro e procuradores

Desde o início da divulgação das conversas privadas, tanto o hoje ministro Sergio Moro quanto a força-tarefa da Operação Lava Jato negam qualquer ilegalidade na condução das investigações e dos processos e colocam em xeque a veracidade das informações publicadas pelo site The Intercept.

Em nota, Moro "não reconhece a autenticidade de supostas mensagens obtidas por meios criminosos, que podem ter sido editadas e manipuladas e que teriam sido transmitidas há dois ou três anos". De todo modo, ele afirma que "sempre se pautou pela aplicação correta da lei a casos de corrupção e lavagem de dinheiro".

Ele também cobrou "que o suposto material, obtido de maneira criminosa, seja apresentado a autoridade independente para que sua integridade seja certificada".

No Senado, Moro disse não ter apego ao cargo de ministro e que deixaria o posto caso alguma irregularidade seja encontrada em seus diálogos com Dallagnol.

Os comunicados assinados pelo Ministério Público Federal no Paraná giram em torno de pontos semelhantes. "Sem a comprovação de sua origem, autenticidade e contexto, a exposição parcelada e contínua de supostos trechos de conversas atendem a uma agenda político-partidária, em prejuízo do alegado interesse informativo e com a intenção de manipular a opinião pública."

"A atuação da força-tarefa é revestida de legalidade, técnica e impessoalidade", afirma o órgão. "Os procuradores da força-tarefa manifestaram aqui preocupação com possíveis mensagens fraudulentas ou retiradas do devido contexto."

Ainda segundo o MPF, "a exposição pública de informações obtidas por atividades cibernéticas criminosas ainda estimula ataques similares, a extorsão de vítimas, e o ambiente de internet, como a 'dark web', em que são praticados outros graves crimes".

BBC Brasil | Foto: Reuters

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