Investigações na Polícia Federal,
julgamento de acusação de suspeição no Supremo Tribunal Federal (STF),
sindicância no Conselho Nacional do Ministério Público e a eventual abertura de
uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Senado.
O vazamento de mensagens privadas
atribuídas ao então juiz federal Sergio Moro e a procuradores da força-tarefa
da Operação Lava Jato influenciou processos em andamento e deu origem a uma
série de investigações, concentradas em dois eixos: a invasão dos celulares e
os supostos crimes ou desvios éticos cometidos por essas autoridades.
Um dos desdobramentos mais
esperados em torno da divulgação das mensagens trocadas no Telegram pelo site
The Intercept está ligado às acusações de suspeição de Moro feitas pela defesa
do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Caso o colegiado acolha o pedido,
todas as decisões tomadas por ele em processos contra Lula podem ser anuladas
pela Corte, inclusive a condenação no caso do tríplex do Guarujá.
Veja em que pé estão as quatro
linhas de investigação.
Ao longo da tramitação dos
processos judiciais contra o presidente Lula, sua defesa adotou a estratégia de
apresentar na Justiça uma série de pedidos de suspeição de magistrados
envolvidos com os casos, tendo Moro como alvo preferencial.
A ofensiva jurídica dos advogados
do petista sofreu diversas derrotas na primeira instância da Justiça Federal,
no Tribunal Regional Federal da 4ª Região e no Superior Tribunal de Justiça,
mas ganhou fôlego com o vazamento de mensagens entre Moro e Dallagnol.
O julgamento do habeas corpus de
Lula que pede a suspeição de Moro foi interrompido em dezembro após pedido de
vista do ministro Gilmar Mendes. Mas recentemente ele liberou seu voto e pediu
que o caso fosse pautado para o dia 25 de junho.
A Segunda Turma, que julga o
habeas corpus, é formada por Edson Fachin, relator dos casos da Lava Jato
iniciados em Curitiba, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Celso
de Mello.
Será a primeira vez que o pedido
dos advogados de Lula será apreciado no STF após a divulgação das mensagens
entre o então juiz de primeira instância da Lava Jato Moro e o procurador que
comanda a força-tarefa.
Segundo conversas divulgadas em
reportagens do site The Intercept, em dezembro de 2015 Moro recomendou a
Dallagnol, fora dos autos, uma possível testemunha a ser ouvida em processo
contra Lula. O então juiz também fez comentários sobre a atuação de
procuradores e sugeriu a mudança da ordem de fases da operação.
Para a defesa petista,
"houve uma atuação combinada entre os procuradores e o ex-juiz Sergio Moro
com o objetivo pré-estabelecido e com clara motivação política, de processar,
condenar e retirar a liberdade" de Lula.
O Código de Ética da Magistratura
determina que o magistrado deve manter "ao longo de todo o processo uma
distância equivalente das partes, e evita todo o tipo de comportamento que
possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito".
Já o artigo 254 do Código de
Processo Penal estabelece que o juiz "dar-se-á por suspeito" se, por
exemplo, "tiver aconselhado qualquer das partes". No artigo 564 do
código, pode ocorrer a nulidade de um processo em três casos, entre eles
"incompetência, suspeição ou suborno do juiz".
No último dia 13, o corregedor
nacional de Justiça, ministro Humberto Martins, do Conselho Nacional de Justiça
(CNJ), rejeitou a abertura de um processo administrativo solicitada pelo PDT
porque Moro já não tem mais vínculo com a magistratura.
2. Conselho Nacional do
Ministério Público
A divulgação das conversas também
originou uma investigação contra Deltan Dallagnol no Conselho Nacional do
Ministério Público (CNMP) sob suspeita de falta funcional.
Assinado por quatro conselheiros
do órgão, o pedido de investigação defende, sem fazer juízo de valor, a
apuração de eventual "violação dos princípios do juiz e do promotor
natural, da equidistância das partes e da vedação de atuação político-partidária".
O processo de reclamação
disciplinar foi aberto pelo corregedor nacional do Ministério Público Orlando
Rochadel Moreira no último dia 10,
a fim de apurar se houve desvio dos deveres funcionais
previstos na lei complementar nº 75/93.
"A ampla repercussão nacional
demanda atuação da Corregedoria Nacional. A imagem social do Ministério Público
deve ser resguardada e a sociedade deve ter a plena convicção de que os membros
do Ministério Público se pautam pela plena legalidade, mantendo a
imparcialidade e relações impessoais com os demais Poderes constituídos",
escreveu Moreira em sua decisão.
Ele aguarda agora a apresentação
da defesa dos membros do Ministério Público Federal ligados à força-tarefa da
Lava Jato, representados pelo coordenador do grupo, Deltan Dallagnol.
Em seguida, o corregedor do CNMP
analisará se é o caso de arquivamento ou de abertura de processo administrativo
disciplinar.
Dallagnol já responde a outro
procedimento, autorizado pelo plenário do órgão, por causa de uma entrevista na
qual afirmou que o Supremo Tribunal Federal passa a mensagem de leniência a
favor da corrupção em algumas de suas decisões. Ainda não houve decisão de
mérito sobre este caso.
3. Polícia Federal
A Polícia Federal abriu quatro
inquéritos no Paraná, no Rio, em São Paulo e no Distrito Federal em torno da
invasão de celulares de autoridades e ao posterior vazamento dessas
informações, segundo a imprensa brasileira. Uma das investigações foi aberta
antes das reportagens do site The Intercept a pedido de Moro, após identificar
que a segurança de seu aparelho telefônico havia sido violada.
O portal de notícias G1 afirmou
que a apuração identificou que a possível origem dos ataques virtuais foi o
celular do ex-procurador-geral da República, Rodrigo Janot - e que o hacker
teria chegado aos grupos de conversa da Lava Jato após invadir o Telegram
instalado no aparelho dele.
Em reportagem, o jornal Folha de
S.Paulo disse que as investigações da PF identificaram por ora que o único
telefone celular que teve dados capturados por hackers foi o de Deltan
Dallagnol. Procurados pela BBC News Brasil, o Ministério Público Federal no
Paraná e a Polícia Federal não informaram se ele entregou o celular para
análise dos investigadores.
A autoria dos ataques ainda não
foi identificada. Em audiência no Senado, Moro afirmou, sem apresentar provas,
que a invasão virtual foi orquestrada por uma organização criminosa.
O hoje ministro também cobrou o
endurecimento das penas previstas para esse tipo de crime, proposta defendida
pelo PSL, partido do presidente Jair Bolsonaro.
4. Comissão Parlamentar de
Inquérito
O braço político dos
desdobramentos da divulgação de conversas entre Moro e Dallagnol perdeu força
por ora depois que o hoje ministro anunciou que iria espontaneamente ao Senado
prestar esclarecimentos sobre as mensagens vazadas.
O senador Angelo Coronel
(PSD-BA), que propôs a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para
investigar o caso, deu início à coleta de assinaturas de colegas para a
apuração, mas decidiu engavetá-la enquanto aguarda a divulgação de mais
conversas entre o então juiz federal e procuradores da Lava Jato.
"Continuamos na busca por
esclarecimentos. Não quero e nem farei pré-julgamento, mas é importante, já que
ele diz que não há nada de errado, que as partes forneçam acesso às conversas
para sabermos a verdade", escreveu Angelo Coronel. Ele cobrou em audiência
no Senado que Moro autorize que o Telegram conceda acesso às suas mensagens
arquivadas nos servidores da empresa russa responsável pelo aplicativo.
Na ocasião, o ministro afirmou
que parou de usar o Telegram em 2017, "naquela época em que se noticiaram
invasões nas eleições americanas", e que não é possível ter acesso às
mensagens porque elas não ficam armazenadas na nuvem. A informação foi
contestada por Coronel.
Segundo o Telegram, as conversas
ficam armazenadas em seus servidores, à exceção dos "chats secretos".
Estes usam a chamada criptografia de ponta a ponta, em que apenas o emissor e o
destinatário podem ler as mensagens.
O que dizem Moro e procuradores
Desde o início da divulgação das
conversas privadas, tanto o hoje ministro Sergio Moro quanto a força-tarefa da
Operação Lava Jato negam qualquer ilegalidade na condução das investigações e
dos processos e colocam em xeque a veracidade das informações publicadas pelo
site The Intercept.
Em nota, Moro "não reconhece
a autenticidade de supostas mensagens obtidas por meios criminosos, que podem
ter sido editadas e manipuladas e que teriam sido transmitidas há dois ou três
anos". De todo modo, ele afirma que "sempre se pautou pela aplicação
correta da lei a casos de corrupção e lavagem de dinheiro".
Ele também cobrou "que o
suposto material, obtido de maneira criminosa, seja apresentado a autoridade
independente para que sua integridade seja certificada".
No Senado, Moro disse não ter
apego ao cargo de ministro e que deixaria o posto caso alguma irregularidade
seja encontrada em seus diálogos com Dallagnol.
Os comunicados assinados pelo
Ministério Público Federal no Paraná giram em torno de pontos semelhantes.
"Sem a comprovação de sua origem, autenticidade e contexto, a exposição
parcelada e contínua de supostos trechos de conversas atendem a uma agenda político-partidária,
em prejuízo do alegado interesse informativo e com a intenção de manipular a
opinião pública."
"A atuação da força-tarefa é
revestida de legalidade, técnica e impessoalidade", afirma o órgão.
"Os procuradores da força-tarefa manifestaram aqui preocupação com
possíveis mensagens fraudulentas ou retiradas do devido contexto."
Ainda segundo o MPF, "a
exposição pública de informações obtidas por atividades cibernéticas criminosas
ainda estimula ataques similares, a extorsão de vítimas, e o ambiente de
internet, como a 'dark web', em que são praticados outros graves crimes".
BBC Brasil | Foto: Reuters
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