quarta-feira, 28 de agosto de 2019

ARDE ANGOLA I -- Martinho Júnior

“O camaleão vai atrás da borboleta, permanece camuflado por muito tempo, para depois avançar lenta e gentilmente: primeiro coloca uma perna, depois outra. Por fim, quando menos se espera, ele lança o dardo de sua língua e a borboleta desaparece – a Inglaterra é o camaleão e eu sou a borboleta” – Rei Lobengula – http://pagina--um.blogspot.com/2010/10/globalizacao-o-camaleao-voraz-que.html


… De há mais de quinze anos que mantenho a tónica de necessidade de implementar os conceitos inerentes à lógica com sentido de vida, tendo todos os sentidos por dentro dos fenómenos que afectam África e sobretudo Angola, enquanto alvos dilectos das políticas elitistas e neoliberais-neocoloniais!
A barbárie que tem avançado sobre África e sobre Angola em nome do lucro e não em nome da vida, está a provocar o pior dos cenários:
… Depois A SECA E OS CENÁRIOS DA MISÉRIA E DA FOME… (https://www.youtube.com/watch?v=L3mFgN_sGXU).


Há dez anos publiquei no Página Um uma sequência de oportunas intervenções sobre a deriva em direcção ao abraço do controlo elitista de conceitos climático-ambientais e geoestratégicos que tinham tudo a ver com a interpretação numa lógica com sentido de vida e não com o lucro propiciado pelos “mercados” de contingência, muito menos o lucro derivado de interesses, processos e conveniências neoliberais…

Essa intenção se alguma vez acabasse por ser levada avante, visava determinar Angola ao conhecimento, ao controlo e à gestão da região central das grandes nascentes numa perspectiva de geoestratégia para um desenvolvimento sustentável e a gestação duma cultura de inteligência patriótica, mas é óbvio que inteligências dominantes têm constituído até hoje não só inultrapassáveis aliciantes que já levam três décadas desde o seu surgimento, mas também capazes de integrar meios que Angola está muito longe de possuir, ou mesmo de por si ter acesso… o que aumenta a dependência angolana, numa escala inimaginável, em relação aos expedientes elitistas anglo-saxónicos que abordam os fenómenos naturais em toda a região, incentivados pelo poder do “loby” dos minerais e sobretudo pelo cartel dos diamantes! (http://paginaglobal.blogspot.pt/2016/01/geoestrategia-para-um-desenvolvimento.html).

Na altura estive preocupado com a áurea de que rodearam Nelson Mandela após sua libertação, (   ) pois considerava que era o jovem Nelson Mandela que deveria ser a referência, não o “produto” que saía do ciclo de prisões que iniciou em Robben Island (https://paginaglobal.blogspot.com/2013/12/que-eternidade-para-mandela-i.htmlhttps://paginaglobal.blogspot.com/2013/12/que-eternidade-para-mandela-ii.html):

. “PEACE PARKS FOUNDATION” – O ENGODO DAS ELITES EM DIRECÇÃO A UMA PAZ CHEIA DE DESEQUILÍBRIOS;

. CUITO CUANAVALE – A PAZ DA GRANDE SOLIDÃO;

. A TERCEIRA FORNADA DA “PEACE PARKS FOUNDATION”.

Essa sequência, que já não se encontra disponível na Internet, mas consta nos meus arquivos, foi resultado dos poucos estudos que levei a cabo durante a minha efémera passagem entre 2002 e 2005 (de que tenho testemunhos) pelo Centro de Estudos Estratégicos de Angola (CEEA), onde fui membro fundador, com meu nome naturalmente banido em função de meu subtil (e também autoinfligido) afastamento…


De facto os estudos (que tenho em arquivo, podendo ser publicados a qualquer momento, ainda que com os dados da época em que foram feitos), eram em parte uma afronta em relação ao caminho aberto a conceitos elitistas que, verifiquei, o próprio CEEA indiciava começar a trilhar.

Torna-se assim compreensível o rumo que tomei ao afastar-me (na altura diplomaticamente evoquei razões de transporte pessoal), como compreensível o riscar do meu nome e pseudónimo das páginas do CEEA!

A esta distância, o que eu mais temia está a realizar-se: hoje não só mais de 90.000 km2 do sudeste de Angola está em mãos do “lobby” dos minerais, por via do cartel dos diamantes e das correntes elitistas correspondentes (http://jornaldeangola.sapo.ao/sociedade/parques-nacionais-sao-geridos-por-americanos-e-sul-africanos) que prevalecem instrumentalizadas com a globalização neoliberal à feição do império da hegemonia unipolar, como também a minha luta sobre a necessidade de, na trilha da lógica com sentido de vida se poder iniciar uma geoestratégia para um desenvolvimento sustentável no espectro duma cultura de inteligência patriótica, continua a ser votada à indiferença, quando essa indiferença redunda em prejuízo impossível de contabilizar para Angola e para toda a região austral de África! (http://pagina--um.blogspot.com/2010/10/globalizacao-o-camaleao-voraz-que.html).


Neste momento chegou-se à cereja em cima do bolo elitista eem nome da paz, nas questões físico-geográfico-climáticas-ambientais: com as comunidades do sudeste e sul do país sem educação e entregues a si próprias na redundância de expedientes ancestrais (mas agora com mais densidade demográfica que antes e sujeitos a todo o tipo de pressões, inclusive a seca, a migração forçada, a miséria, a fome e os incêndios), o grande camaleão penetrou na imensa região à medida da progressão para norte dos desertos do Namibe e do Kalahári, apossando-se da paisagem ecoturística como manobra para se apossar do subsolo, garantindo a continuidade da indústria extractivista que elevou o Botswana a primeiro produtor mundial de diamantes-jóia, sob o olhar silencioso e cúmplice do National Geografic… (https://pt.wikipedia.org/wiki/Lista_de_pa%C3%ADses_por_produ%C3%A7%C3%A3o_de_diamante)... Mas sob as constantes críticas da Survival Internacional! (http://www.survivalbrasil.org/povos/bosquimanos)...


Enquanto o National Geografic se move facilmente transpondo fronteiras até agora virgens (https://nationalgeographic.sapo.pt/natureza/grandes-reportagens/1727-missao-para-salvar-o-delta-do-okavango-em-africa), o desprotegido Survival International (que tem chocado com os processos elitistas no Botswana por causa dos khoisan – https://www.survivalinternational.org/tribes/bushmen), tem dificuldades em acompanhar os ritmos que geraram o KAZA-TFCA… (https://www.kavangozambezi.org/index.php/en/). 

Na usura da água interior, entrou-se no clímax: fazer com que Angola arda acima de todos os demais, no momento em que o aquecimento global começa finalmente a ser um fenómeno cada vez mais reconhecido por todos e no momento em que as correntes elitistas dominam até nas questões físico-geográfico-climáticas-ambientais sobre todos os estados da África Austral!

Por isso considero meu dever repescar o que publiquei de há mais de quinze anos, por que tudo o que se está a fazer tenho consciência que não sendo em meu nome, em muito pouco resulta em benefício dos povos da África Austral nos termos duma geoestratégia para um desenvolvimento sustentável de que os estados estão a abdicar por que se tornaram substanvialmente vulneráveis aos engodos do “lobby” dos minerais e cartel dos diamantes!

Recordo a primeira dessas intervenções que foi publicada no Página Um Blogspot em Setembro de 2009, dando-lhe sequência com as outras duas (de Setembro e Novembro de 2009)…(https://www.peaceparks.org/about/our-journey/).


Ainda hoje é possível constatar a foto de Nelson Mandela com o Príncipe Bernhard of Lippe-Biesterfeld (co-fundador do Grupo Bilderberg –https://en.wikipedia.org/wiki/Prince_Bernhard_of_Lippe-Biesterfeld) e Anton Rupert (multimilionário sul-africano “reconvertido” do“apartheid”, que com os “Peace Parks” sabiamente deu uma outra sequência à trilha de Cecil John Rhodes e da British South Africa Company, sem logicamente abdicar das capacidades elitistas que prevalecem desde então, desde as sementes lamçadas no terreno da África Austral pela imperialmente britânica velha Universidade de Oxford – https://en.wikipedia.org/wiki/Anton_Rupert).

Martinho Júnior - Luanda, 25 de Agosto de 2019

Imagens:
01- Primeira publicação de “Globalização – O camaleão voraz que espreita todas as fragilizadas borboletas de África”, no semanário ACTIAL nº 419, de 6 de Novembro de 2004; foi posteriormente publicado no Página Um Blogspot, a 24 de Outubro de 2010 – http://pagina--um.blogspot.com/2010/10/globalizacao-o-camaleao-voraz-que.html;
02- Incêndios florestais à escala global, com Angola no primeiro lugar dos incendiários – https://paginaglobal.blogspot.com/2019/08/incendios-florestais-angola-ultrapassa.html;
03- Os Peace Parks Foundation são, em nome da paz, uma implantação elitista que põe em causa toda a conservação na África austral, pela atracção ao lucro, ao invés da atracção à educação – https://www.peaceparks.org/about/our-journey/;
04- Uma cacimba na região afectada pela seca no sul de Angola – https://noticias.sapo.ao/sociedade/artigos/a-beira-da-crise-cunene-luta-pela-sobrevivencia;

05- Founding patrons Nelson Mandela, HRH Prince Bernhard of the Netherlands and Dr Anton Rupert ©Roy Beusker/NPL; Nelson Mandela, entre elitistas, (o Príncipe é um dos co-fundadores do Grupo Bilderberg), elitista é – https://www.peaceparks.org/about/our-journey/;

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“PEACE PARKS FOUNDATION” – O ENGODO DAS ELITES EM DIRECÇÃO A UMA PAZ CHEIA DE DESEQUILÍBRIOS

A longa batalha do Cuito Cuanavale, que ocorreu entre Julho de 1987 e 30 de Agosto de 1988, no ângulo sudeste de Angola e se expandiu a quase toda a fronteira sul, não pode ter resultado apenas numa vitória contra os últimos bastiões do colonialismo, do “apartheid” e daqueles que perfilhavam conceitos de tal maneira retrógrados que não tiveram sequer a vergonha de alinharem com os restos de fascismo na África Austral, alguns deles evocando até hoje os mais surrealistas argumentos.

A longa batalha do Cuito Cuanavale em função dos componentes do movimento de libertação em África, foi um firme garante para que hoje, honrando a história e as responsabilidades para com os povos da África Austral, se continuem a erguer as consciências de vanguarda a fim de, perante as evidências das politicas neoliberais, se ousar retirar aos projectos em curso a carga eminentemente elitista que pelo menos alguns deles possuem, mesmo que eles sejam forjados com o rótulo da “indústria da paz”, porque um dia, “na Namíbia, no Zimbabwe e na África do Sul esteve a continuação da nossa luta” e hoje não poderá haver integração sem a procura extensiva de equilíbrio entre todas as componentes humanas existentes nas áreas dos projectos e à volta delas.

As elites em África, mais as que foram forjadas na sequência da revolução industrial no âmbito do que eu tenho sinteticamente definido como“lobby” dos minerais, estão a ser obrigadas a abandonar a trilha das guerras de usura e rapina, por que o acesso ao petróleo enquanto fonte de energia que se esgotará um dia é hoje, quando o “pico de Hubbert” foi atingido, determinante e isso obriga ao emprego intensivo da maior parte do poderio militar “hegemónico” no imenso espaço do Médio Oriente, desde a Palestina às fronteiras da Índia.

Folga a África e por isso os mesmos que antes favoreciam as condutas de guerra, favorecem as condutas da paz, onde também esperam obter muitos lucros, apesar da crise, com os sentidos postos na parte mais suculenta do continente, Angola, a RDC e os Grandes Lagos.

As “indústrias da paz”, com as correntes que seguem a lógica da vida e do socialismo, ganhou hoje um novo significado e amplitude, abrangendo não mais e só os conceitos dos serviços que se prendem ao turismo das elites, mas também os amplos conceitos que envolvem a educação, a saúde, o turismo social e o conjunto das humanísticas, devem revolucionar as iniciativas em curso, até por que logo à partida favorecem a integração equilibrada e sustentável das iniciativas.

Para o caso dos projectos africanos, a integração das comunidades é fundamental, não nos termos de fornecimento de mão-de-obra, não nos termos de “produto cultural típico ou exótico”, mas participando em pé de igualdade nas iniciativas, tirando também proveito delas.

O município de Cuito Cuanavale, por exemplo, terá uma quota participativa nos parques nacionais que estão dentro de sua área territorial, ou o envolvem?

Um desses projectos carentes de reformulação ostenta o rótulo aliciante de “Peace Parks Foundation” que em África teve a sua origem nos inícios da última década do século XX.

“A 27 de Maio de 1990, Anton Ruppert, Presidente do WWF da África do Sul (na altura chamado de Fundação da Natureza da África do Sul), teve um encontro em Maputo com o Presidente Joaquim Chissano de Moçambique, para discutir a possibilidade de se estabelecer uma ligação permanente entre algumas das áreas protegidas no sul de Moçambique e as adjacentes contrapartidas na África do Sul, Suazilândia e Zimbabwe.

O conceito de áreas de cooperação transfronteiriças protegidas, através do estabelecimento de parques de paz, tinha já sido aceite internacionalmente.

A União da Conservação do Mundo (IUCN) tinha já de há muito promovido o seu estabelecimento por causa dos seus muitos benefícios associados”…

(…)

Em resultado da iniciativa de Ruppert, a WWF da África do Sul foi encarregue de realizar um estudo, que deveria ser submetido ao governo de Moçambique em Setembro de 1991 (Tinley & van Riet, 1991).

O relatório foi discutido no Conselho de Ministros de Moçambique, que recomendou o seu aprofundamento de forma a abarcar por completo as questões de ordem política, sócio-económica e ecológica no detalhe de viabilidade.

O governo de Moçambique requisitou o Instituto para o Ambiente Global (GEF) do Banco Mundial, a fim de garantir assistência para o projecto, o que foi concedido.

A primeira missão teve contacto com o terreno em 1991 e em Junho de 1996, o Banco Mundial elaborou a sua recomendação num relatório intitulado Áreas Piloto de Conservação Transfronteiriça e Projecto de Execução Institucional (Banco Mundial – 1996)”.

A partir daí foram sendo definidos “pragmaticamente” os conceitos de base dos “Trans Frontier Conservation Areas” (“Áreas de Conservação Trans Fronteiriças”), ou simplesmente os “Parques da Paz”, que apelam:

- À oportunidade para que as áreas protegidas se tornam de uso de recursos múltiplos pelas comunidades, tendo em conta que as populações nessas fronteiras têm muitas afinidades sócio-culturais.

- À oportunidade para, em cada um dos Parques da Paz, se conjugarem os esforços de dois ou mais estados, no sentido de se organizarem áreas ambientais de grande vastidão, protegendo-as e tornando-as adequadas fundamentalmente à prossecução do turismo ambiental.

Só dois anos depois da eleição de Nelson Mandela, de acordo com o “site” do “Peace Park Foundation” se começou a desenvolver rápida e significativamente a indústria com base no turismo ambiental, com muito poucos benefícios contudo para Moçambique, (com quem a África do Sul faz longa fronteira), o que motivou Anton Rupert a solicitar um novo encontro com o Presidente Chissano a 27 de Maio de 1996, encontro esse que permitiu o início do processo de arranque envolvendo a África do Sul, Moçambique e Zimbabwe, estendendo-se de seguida ao Lesoto, Suazilândia, Namíbia e Botswana.

A “Fundação dos Parques da Paz” acabou por arrancar a 1 de Fevereiro de 1997, com um orçamento equivalente a 230.000 USD provenientes da “Rupert Nature Foundation”, pelo que a SADC em 1999 estabeleceu um Protocolo sobre a Conservação da Vida Selvagem, definindo as“Áreas de Conservação Trans Fronteiriça” como “áreas compostas por regiões ecológicas que abrangem as fronteiras de dois ou mais países, integrando uma ou mais zonas protegidas, assim como zonas de recursos múltiplos”.

O que marca fundamentalmente a iniciativa dos “Peace Parks Foundation”,  é o encontrar-se como seus promotores alguns elementos e instituições que fazem parte das elites capitalistas globais, dos que estiveram com o colonialismo, o “apartheid”, a gestação dos “bantustões” e têm imensas responsabilidades na barbárie de sangue que vai ainda hoje ocorrendo em África e muito em particular na vasta região onde se tem mantido a “Guerra Mundial Africana” e suas sequelas.

Esses elementos que fazem parte da oligarquia que tem sido decisiva no desconcerto do Mundo, tiveram que ver um dia com a visão geoestratégica de organizações do tipo dos “freedom fighters” africanos, entre elas a RENAMO em Moçambique e a UNITA em Angola, bastando para tal levar em consideração as áreas onde, enquanto houve vigência do “apartheid”, elas se mantiveram geo estrategicamente implantadas:

- A RENAMO teve o seu “núcleo duro” acampado na área do Parque Nacional da Gorongosa, “partindo” Moçambique em dois e podendo fustigar o Zimbabwe.

- A UNITA teve o seu “núcleo duro” nas áreas do sudeste angolano, nas “reservas parciais” de Luiana e Mavinga, “cotadas públicas” de Mukusso, Luiana, Luengue e Mavinga, assim como no “parque regional” do Cuelei, de onde exploravam os trajectos dos rios para chegar à decisiva região central das grandes nascentes no planalto do Bié, um autêntico nó de águas de onde, seguindo de perto o curso dos rios, se pode atingir qualquer ponto de Angola.

Em relação à implantação da RENAMO, por exemplo, veja-se o que Jaime Nogueira Pinto escreveu a páginas 219 de “Jogos Africanos”:

“Treinados na Rodésia e armados e assistidos pelo CIO e pelas forças especiais, os guerrilheiros da RENAMO têm o seu QG no sopé da Gorongosa e a sua homeland na província de Manica, a oeste, encravada entre Sofala e o Zimbabw.

Este complexo logístico-militar, na periferia do maciço da Gorongosa, cerca de 50 quilómetros a norte do curso do rio Pungué e no coração das montanhas de Sofala, foi montado pela RNM, com o apoio dos SAS (Special Air Service) rodesianos, a partir de 1979.

Com os seus picos a mais de 2000 metros de altitude, a Gorongosa é uma zona de florestas, colinas e vales, cortada por numerosos cursos de água, bem coberta pela vegetação de qualquer observação aérea.

E de difícil acesso.

Às vezes o topo do planalto emerge algumas centenas d metros acima das nuvens, assumindo uma aura mágica e mística aos olhos dos habitantes da região.

E aos de qualquer mortal”.

Os Estados Unidos redescobriram o conceito de “áreas sem governação” durante a administração republicana de George Bush, conforme eu tive o cuidado de referir antes:

“Theresa Whelan, a Subsecretária da Defesa para África da dupla administração republicana terminal de George Bush II, com uma notável avaliação post moderna (que diferença trouxe este género), sentenciou sobre os riscos das áreas sem governação, de que Angola é fértil a partir aliás do próprio exemplo de Savimbi e de sua trajectória.

As áreas sem governação em África são-no mesmo que não hajam armas na mão – se a Conferência de Berlim arquitectou as fronteiras sem respeitar os factores de ordem sócio-cultural (o que torna tão complexas as relações na maior parte das fronteiras africanas, contraditoriamente aos fulcros políticos principais das jovens nações), a democracia qual válvula de escape, permite que nas periferias, para o bem e para o mal se desenvolvam os métodos e processos convenientes a pelo menos uma parte das grandes manipulações”. (2)

Não é por acaso que o conglomerado de interesses que rodam à volta da “Anglo American” e da “De Beers”, dos Rotchchield, dos Rockefeller, dos Openheimer, tão evidentes nos incentivos à “guerra dos diamantes de sangue”, guardam a “chave” de Mavinga para a identificação e futura exploração de “kimberlites”, bem dentro da antiga “área sem governação reservada à UNITA” no sudeste angolano, uma área outrora sob cobertura permanente das “South Africa Defence Forces”, uma área cuja “defesa” acabou por levar à batalha decisiva do Cuito Cuanavale.

A primeira grande fornada dos “Peace Parks Foundation” em “áreas sem governação”, “transfronteiriças”, foi estabelecida entre as fronteiras da África do Sul, da parte sul quer da Namíbia quer do Botswana, bem como das regiões sudoeste de Moçambique e algumas regiões abrangendo as fronteiras da Suazilândia e do Lesoto:

- | Ai – | Ais / Richtersveld Transfrontier Park (noroeste da África do Sul e sudoeste da Namíbia).

- Kgalagadi Transfrontier Park (norte da África do Sul sudoeste do Botswana).

- Limpopo / Shashe Transfrontier Park (leste do Botswana, norte da África do Sul e sul do Zimbabwe).

- Great Limpopo Transfrontier Park (sudoeste de Moçambique, sul do Zimbabwe e nordeste da África do Sul).

- Lubombo Transfrontier Park (sul de Moçambique, leste da Suazilândia e leste da África do Sul).

- Maloti – Drakensberg Transfrontier Conservation & Development Área (leste do Lesoto e área contígua na África do Sul).

Essa fornada marca o compasso inicial do “lobby” dos minerais e do cartel dos diamantes, enquanto exploraram essencialmente a África do Sul, sua “originária praça-forte”, desde os tempos de Cecil John Rhodes.

Uma segunda fornada foi depois produzida mais a norte, tendo como fulcro principal uma região que envolve as “áreas sem governação”,“transfronteiriças” de cinco países: sudeste de Angola, Namíbia (faixa do Caprivi), sul e sudoeste da Zâmbia, norte do Zimbabwe e norte do Botswana.

Entre os Transfrontiar Parks periféricos dessa segunda fornada destacam-se:

- O Iona – Skeleton Coast, entre o sudoeste angolano e o noroeste namibiano (periférico oeste em relação à concentração central).

-  O Malawi – Zâmbia, um dos periféricos leste do sistema central.

- O Niassa – Selous, entre o norte de Moçambique e o sul da Tanzânia, outro dos periféricos a leste.

- O Mnazi Bay – Quirimbas Conservation and Marine Area (periférico leste entre o nordeste de Moçambique e o sudeste da Tanzânia).

Os grandes parques centrais da segunda fornada são:

- O Liuwa Plain – Mussuma (fronteiras leste de Angola e Oeste da Zâmbia).

- Kavango – Zambezi (no nó de fronteiras abrangendo a faixa de Caprivi, o sudeste de Angola, o sul da Zâmbia, assim como o norte do Botswana e do Zimbabwe).

- Lower Zambezi – Mana Pools , entre o sul da Zâmbia e o norte do Zimbabwe e imediatamente a oeste de Moçambique (à latitude da Província de Tete).

Esse riquíssimo conglomerado central de Parques Nacionais no imenso espaço dos componentes da SADC, tem como “pivot” o Botswana (onde se encontram as instalações principais da SADC), onde os “lobby” dos minerais e o cartel se tornaram omnipresentes em data recente, o que deixa prever a sua “catapulta pacífica” de ocupação de “áreas sem governação” através da “Peace Parks” na direcção de Angola e da RDC.

Para a prossecução desse conglomerado Angola, que em função da situação que viveu de guerra está atrasada em relação às iniciativas estruturantes levadas a cabo pelos outros países junto à sua latitude sudeste, incorporará todos os espaços já acima mencionados e pertencentes ao sudeste angolano em plena região do Cuando Cubango, outrora área da UNITA e das “SADF”, que tem o eixo de Cuito Cuanavale – Mavinga bem no centro.

O bastante homogéneo conglomerado central de “Transfrontier Parks” da segunda fornada de iniciativas, está bem no centro de todo o espaço formado pelos países componentes da SADC, o que reforça a sua geo estratégia, visando por um lado consolidar o esforço bem no centro da SADC, por outro preparar a terceira fornada com os olhos postos na bacia do grande Congo, nos Kivus e nos Grandes Lagos.

A terceira fornada está pois em embrião e abrangerá para além dos “Transfrontier Parks” do norte de Angola, do oeste da RDC e sul do Congo (este fora da SADC), os emblemáticos Parques do leste da RDC e oeste do Uganda, Ruanda e Burundi (países esses também fora da SADC).

As expectativas do fim da barbárie de sangue, abrirão para as oligarquias que tutelam os processos de globalização inerentes à hegemonia, a oportunidade maior a esse “fecho” no âmbito da SADC, um fecho que poderá levar à integração na região do Uganda, do Ruanda e do Burundi, senão mesmo do Quénia.

As elites que promovem os conceitos e a geo estratégia dos “Peace Parks Foundation” na África Austral sabem bem que se está num momento intermédio, realizadaque foi a primeira fornada e estando em curso a segunda, de que a incorporação do sudeste de Angola se torna o“clímax”.

A terceira fornada será logicamente realizada quando a ausência de tiros se consolidar em todo o território da sacrificada RDC, bem como na região dos Grandes Lagos, um projecto de enorme envergadura que terá na bacia do grande Congo o fulcro, (daí a ênfase que tenho dado às iniciativas sincronizadas da USAID e do AFRICOM em Angola e na RDC).

É evidente que a manipulação por parte dos poderes que se prendem à hegemonia, em relação à evolução da RDC / Grandes Lagos, levará à sincronização das iniciativas: imediatamente após a ausência de tiros, aparecerá a “Peace Parks Foundation”…

Se os democratas com a administração de Bill Clinton foram os impulsionadores de “freedom fighters” como Museveni e Paul Kagame, com implicações directas e indirectas nos sucessivos holocaustos que vieram a ocorrer na RDC – Grandes Lagos, são agora com a administração de Barack Obama os impulsionadores da paz que se projecta na era post Bush para a África Central e parte norte da SADC, a partir da “praça forte” em que se está a constituir o Botswana.

A “Peace Parks Foundation” é nesse aspecto, uma sua autêntica “mola impulsionadora de contenciosos de paz nas fronteiras”, ou não tivessem sido as fronteiras percursos incontornáveis para as guerras que tão bem souberam tirar, as elites político-económicas-financeiras democratas, proveito, nos espaços periféricos de praticamente toda a África sub Sahariana, onde os estados não possuíam capacidade de controlo e de exercício de soberania, onde era mais fácil a rapina, onde se tornavam mais baratas que nunca as explorações das mais variadas matérias primas (entre elas os “diamantes de sangue” de Savimbi), onde perderam a vida nessa voragem milhões de seres humanos e se causaram prejuízos enormes ao meio ambiente.

Conforme sintetiza bem Nelson Mandela entre seus pares elitistas profundamente implicados na história contemporânea do continente e aglutinando as capacidades científicas de investigação na natureza, antes promotores de guerras e hoje “avidamente convertidos” às potencialidades dos post conflitos em África:

“Não conheço algum movimento político, alguma filosofia, alguma ideologia, que não esteja de acordo com o conceito dos Parques da Paz, conforme hoje vemos fruir.

É um conceito que pode ser abraçado por todos.

Num mundo ferido por conflitos e divisão, a paz é uma das pedras angulares do futuro.

Os Parques da Paz são um bloco em construção nesse processo, não só na nossa região, mas potencialmente em todo o mundo”.

Assim será se o conceito se tornar extensivamente integrador e não for apanágio exclusivo das elites onde Nelson Mandela tão bem se soube enquadrar reformulando o “circo Rowland” (co-optando muitos dos rivais que sobreviveram a Timy Rowland e assumindo a “crista da onda”à qual emprestou seu prestígio e auréola), com todos os sentidos voltados para os benefícios de alguns e longe de garantirem os benefícios para todos.

Por mim tenho sérias reservas, quando além de verificar não terem sido contemplados os decisivos aspectos históricos que evidenciam Cuito Cuanavale enquanto vitória do movimento de libertação numa região central da geografia do SADC, tão mal se estar ainda a equacionar as questões que se prendem por exemplo à sobrevivência sociocultural dos khoisan, conforme evidências que nos têm sido sistematicamente fornecidas pela “Survival” em relação ao Botswana. (3) e (4)

Por causa da exploração dos diamantes no Kalahári às ordens da toda poderosa De Beers, pela via da Debswana, conforme cada vez mais testemunhos, os Khoisan estão a ser expulsos da sua “homeland”. (5)

Martinho Júnior - 17 de Setembro de 2009

Notas:
- (1) – “Peace Parks Foundation” – http://www.peaceparks.org/Home.htm ; Pro Natura - http://www.pronatura.org.br/home/index.asp ; South Africa it’s possible – Peace Parks Foundation – http://www.southafrica.net/sat/content/en/us/full-article?oid=9462&sn=Detail&pid=1 ; The global solution – http://www.ppf.org.za/
- (2) – Em Angola, “áreas sem governação” são manipulações sem limite – Página Um – http://pagina-um.blogspot.com/2008/10/em-angola-reas-sem-governao-so.html
- (3) – Página Um – Cuito Cuanavale – Vinte anos depois – I (ver também restantes) – http://pagina-um.blogspot.com/2008/01/cuito-cuanavale-vinte-anos-depois-i.html
- (4) – “Survival International” – http://www.survivalinternational.org/
- (5) – Botswana official admits: Bushmen were evicted for diamonds – http://www.survivalinternational.org/news/4878

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