Martinho Júnior, Luanda
1 – Dez anos e um
mês depois de eu ter interrogado pela primeira vez, no desaparecido semanário
ACTUAL (nº 371, de 15 de Novembro de 2003), “que eternidade para Mandela?” eis
que se dá o seu finamento!
De então para cá
sobejos motivos de reflexão sobre a trajectória histórica da África do Sul
foram-se-me sucedendo, julgo eu com legítima preocupação e pertinência.
A propósito em “O
vulcão sul-africano” teci na parte final do artigo que está ainda em destaque
no Página Global (“Marikana como Sharpeville”) a seguinte consideração:
…“O que mudou entre
1960 e 2012, quando ao apartheid político-institucional se deu sequência, em
função da lógica capitalista e de suas práticas elitistas, a uma democracia representativa
de 1 homem, 1 voto, fórmula mágica com a qual se pretende esconder o apartheid
social que como um pântano impede alcançar-se a harmonia, o equilíbrio, a
justiça e a solidariedade, impede a sublimação do passado de forma a atingir-se
um patamar minimamente aceitável que tornaria mais saudável a sociedade e o
povo sul-africano?!
O monstro
sobreviveu há mais de um século a esta parte e agora tem a cobri-lo um mal
avisado governo de maioria, deformado pelo elitismo de tão pouco escrupulosa
trajectória na África do Sul, um governo que, esquecendo-se como me pareceu
ter-se esquecido o velho Nelson Mandela em 2003 das lições da história, é agora
obrigado, de forma pungente, a tirar a máscara perante o seu próprio eleitorado
de maioria, perante o seu próprio povo!”…
Por isso se mantém “actual” minha
interrogação de há dez anos trás: “que eternidade para Mandela?”…
2 – Agora que se
finou Nelson Mandela, o símbolo da luta contra o regime do“apartheid”, as
preocupações têm todo o motivo de existirem:
Quantos “estranharam,
interrogaram e se interrogaram por que o fim dum regime tão ignóbil como o do
apartheid ocorria precisamente no mesmo momento em que desaparecia o socialismo
real na Europa e se implodia a União Soviética…” (coloquei eu em “O
vulcão sul-africano”, segunda parte – “Para além do apartheid”).
Quantos dos que
hoje exprimiram o seu deslumbramento e exaltação perante a personalidade de
Nelson Mandela manifestaram até de forma aberta, no momento em que a
solidariedade, a dignidade e o respeito para com a luta do movimento de
libertação em África era o único caminho ético e moral a seguir, cobertura e
alinhamento para com o regime fascista do “apartheid”?
Quantos foram
fazendo o aproveitamento da figura de Nelson Mandela no âmbito dum projecto
elitista que fazia esbater o “arco-íris” sul-africano, afinal tão
pejado de múltiplas contradições?
Até que ponto
Nelson Mandela o permitiu?
A personalidade de
Nelson Mandela obriga-nos à reflexão histórica, numa via de paz, de
aprofundamento da democracia com vista a uma cada vez maior cidadania e
participação, de acordo com uma lógica com sentido de vida e sem perder de
vista as contradições próprias duma luta de classes num ambiente sócio-político
tão complexo como o da África do Sul!
Por isso perante o
vulto do recém-finado, ouso ainda distanciar-me dos oportunistas, como daqueles
a quem a história só interessa quando ela é a favor das elites globais,
daquelas elites que se constituem naqueles 1% que controlam em seu próprio
proveito, a riqueza disponível à face da Terra e tanto têm a ver com a
exploração mineira, a industrialização e a potenciação da África do Sul!
Reprodução: Capa do
número 371 do ACTUAL, dada à estampa a 15 de Novembro de 2003.
A consultar:
- O vulcão
sul-africano – http://paginaglobal.blogspot.pt/p/o-vulcao-sul-africano.html
- Rapidinhas do
Martinho – 49 – Resgatar África – http://paginaglobal.blogspot.com/2011/10/rapidinhas-do-martinho-49.html
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