domingo, 8 de dezembro de 2013

QUE ETERNIDADE PARA MANDELA? – I

 

Martinho Júnior, Luanda
 
1 – Dez anos e um mês depois de eu ter interrogado pela primeira vez, no desaparecido semanário ACTUAL (nº 371, de 15 de Novembro de 2003), “que eternidade para Mandela?” eis que se dá o seu finamento!
 
De então para cá sobejos motivos de reflexão sobre a trajectória histórica da África do Sul foram-se-me sucedendo, julgo eu com legítima preocupação e pertinência.
 
A propósito em “O vulcão sul-africano” teci na parte final do artigo que está ainda em destaque no Página Global (“Marikana como Sharpeville”) a seguinte consideração:
 
…“O que mudou entre 1960 e 2012, quando ao apartheid político-institucional se deu sequência, em função da lógica capitalista e de suas práticas elitistas, a uma democracia representativa de 1 homem, 1 voto, fórmula mágica com a qual se pretende esconder o apartheid social que como um pântano impede alcançar-se a harmonia, o equilíbrio, a justiça e a solidariedade, impede a sublimação do passado de forma a atingir-se um patamar minimamente aceitável que tornaria mais saudável a sociedade e o povo sul-africano?!
 
O monstro sobreviveu há mais de um século a esta parte e agora tem a cobri-lo um mal avisado governo de maioria, deformado pelo elitismo de tão pouco escrupulosa trajectória na África do Sul, um governo que, esquecendo-se como me pareceu ter-se esquecido o velho Nelson Mandela em 2003 das lições da história, é agora obrigado, de forma pungente, a tirar a máscara perante o seu próprio eleitorado de maioria, perante o seu próprio povo!”…
 
Por isso se mantém “actual” minha interrogação de há dez anos trás: “que eternidade para Mandela?”…
 
2 – Agora que se finou Nelson Mandela, o símbolo da luta contra o regime do“apartheid”, as preocupações têm todo o motivo de existirem:
 
Quantos “estranharam, interrogaram e se interrogaram por que o fim dum regime tão ignóbil como o do apartheid ocorria precisamente no mesmo momento em que desaparecia o socialismo real na Europa e se implodia a União Soviética…” (coloquei eu em “O vulcão sul-africano”, segunda parte – “Para além do apartheid”).
 
Quantos dos que hoje exprimiram o seu deslumbramento e exaltação perante a personalidade de Nelson Mandela manifestaram até de forma aberta, no momento em que a solidariedade, a dignidade e o respeito para com a luta do movimento de libertação em África era o único caminho ético e moral a seguir, cobertura e alinhamento para com o regime fascista do “apartheid”?
 
Quantos foram fazendo o aproveitamento da figura de Nelson Mandela no âmbito dum projecto elitista que fazia esbater o “arco-íris” sul-africano, afinal tão pejado de múltiplas contradições?
 
Até que ponto Nelson Mandela o permitiu?
 
A personalidade de Nelson Mandela obriga-nos à reflexão histórica, numa via de paz, de aprofundamento da democracia com vista a uma cada vez maior cidadania e participação, de acordo com uma lógica com sentido de vida e sem perder de vista as contradições próprias duma luta de classes num ambiente sócio-político tão complexo como o da África do Sul!
 
Por isso perante o vulto do recém-finado, ouso ainda distanciar-me dos oportunistas, como daqueles a quem a história só interessa quando ela é a favor das elites globais, daquelas elites que se constituem naqueles 1% que controlam em seu próprio proveito, a riqueza disponível à face da Terra e tanto têm a ver com a exploração mineira, a industrialização e a potenciação da África do Sul!
  
Reprodução: Capa do número 371 do ACTUAL, dada à estampa a 15 de Novembro de 2003.
 
A consultar:
- Rapidinhas do Martinho – 49 – Resgatar África – http://paginaglobal.blogspot.com/2011/10/rapidinhas-do-martinho-49.html
 

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