terça-feira, 3 de setembro de 2019

RU | Braço-de-ferro entre Boris Johnson e deputados sob a ameaça de eleições


Deputados de quase todos os partidos vão nesta terça-feira, dia da reabertura do Parlamento, tentar controlar a agenda e impedir, através de legislação, uma saída sem acordo. Além do mais vincula o primeiro-ministro a pedir mais um adiamento do Brexit se não houver acordo. A resposta de Boris Johnson será pedir eleições antecipadas.

Boris Johnson recebeu na segunda-feira os deputados conservadores nos jardins de Downing Street e, dentre estes, os ministros para uma reunião extraordinária do conselho. Ao longo das horas que antecederam estes encontros, surgiram ameaças a quem se juntasse aos partidos da oposição para legislar contra um Brexit sem acordo. Primeiro de expulsão do Partido Conservador, mais tarde de exclusão das listas nas próximas eleições. No final, o primeiro-ministro sai à rua e, numa mensagem que deveria ser endereçada ao país, é na realidade dirigida aos colegas de partido.

O chefe do governo, com uma maioria na Câmara dos Comuns de apenas um deputado, e ciente de que pelo menos 21 parlamentares conservadores estão contra uma saída desordenada da União Europeia, disse não acreditar que haja colegas a votar "ao lado de Jeremy Corbyn a favor de mais um adiamento inútil". "Mas se o fizerem", prosseguiu com um ruído de fundo de manifestantes que gritavam "Stop the coup!" (parem o golpe), "vão claramente cortar as pernas à posição do Reino Unido e tornar qualquer negociação adicional absolutamente impossível."


Também reiterou que não aceita a ideia de adiar a data de saída: "Quero que todos saibam que em circunstância alguma irei pedir a Bruxelas um adiamento. Sairemos no dia 31 de outubro, sem dúvidas."

Desta forma, o líder tory passou a responsabilidade do que vier a acontecer para os parlamentares colegas de partido.

Durante o dia, o ex-ministro das Finanças Philip Hammond, em nome de 21 deputados, escreveu uma carta a requerer respostas a Johnson sobre a estratégia das negociações com a UE, e em particular que evolução existiria.

Não se conhece resposta do primeiro-ministro à carta e uma reunião com este grupo foi cancelada.

Ao final da noite, o site BuzzFeed garantia que pelo menos dez deputados conservadores vão votar contra o partido para os parlamentares ganharem controlo da agenda e criarem legislação contra o no deal. Outros três manifestaram indecisão e oito não responderam.

As ameaças de Boris Johnson aos colegas não caíram bem junto da ministra do Trabalho e das Pensões, Amber Rudd. "Fui muito clara com o primeiro-ministro. "Não devemos ser um partido que tenta expulsar do nosso partido dois antigos chanceleres, vários ex-ministros. A forma de manter o nosso partido unido e conseguir um acordo é trazê-los para junto de nós e explicar-lhes o que estamos a tentar fazer e porquê", disse à The Spectator.

Moção para dissolver o Parlamento

Ao reafirmar ao país irá cumprir o Brexit no dia 31 de outubro, "aconteça o que acontecer", a sua estratégia colide com a Câmara dos Comuns: ou é o governo que controla o processo ou são os deputados, pelo que, apesar de ter dito e redito à porta do n.º 10 de Downing Street que não quer eleições, nem uma hora se passou do discurso e já fontes do governo confirmavam esse cenário. Ou seja, nesta terça-feira vai ser apresentada uma moção para dissolver o Parlamento. Esta irá a votos na quarta-feira caso o projeto de lei dos deputados que estão contra a saída sem acordo seja aprovado.

projeto de lei foi anunciado pelo deputado trabalhista Hillary Benn. "Dá tempo ao governo para chegar a um novo acordo com a União Europeia na reunião do Conselho Europeu do próximo mês ou para obter o consentimento específico do Parlamento para deixar a UE sem acordo. Contudo, se nenhuma destas duas condições tiver sido cumprida até 19 de outubro - ou seja, no dia seguinte ao da conclusão da reunião do Conselho Europeu -, o primeiro-ministro deve enviar uma carta ao presidente do Conselho a solicitar uma prorrogação do artigo 50.º", explicou Benn no Twitter. O projeto prevê um pedido de extensão da saída do Reino Unido para 31 de janeiro de 2020.

Segundo fontes oficiais, o governo quer realizar as eleições no dia 14 de outubro, uma segunda-feira. No entanto, a data das eleições é meramente indicativa e o chefe do executivo tem a prerrogativa de alterá-las, desde que cumpra o mínimo de 25 dias úteis desde a aprovação. Por isso, durante a segunda-feira, vários deputados trabalhistas mostraram-se céticos quanto à ideia de aprovar a moção de eleições antecipadas, como é o caso de Hillary Benn.

À jornalista da Sky News Kate McCann, um trabalhista disse que há pelo menos 40 deputados em 650 contra a realização de eleições. Para a moção ser aprovada é necessário dois terços de votos favoráveis. Dito de outra forma, para bloquear novas eleições terá de haver 206 votos contra.

No entanto, o seu líder, Jeremy Corbyn, que há meses pede eleições antecipadas, ficaria numa situação pouco sustentável se agora se mostrasse contra o escrutínio. Aliás, logo na segunda-feira à noite, o trabalhista afirmou num comício: "Ficarei encantado quando as eleições chegarem. Estou pronto, vocês estão prontos, nós estamos prontos e vamos ganhar."

Corbyn admite mudar de posição

Surpreendentes foram as declarações do líder do Labour de manhã. Segundo a Bloomberg, questionado se num segundo referendo poderia fazer campanha pelo Brexit, afirmou que o partido só pode lutar sem dúvidas pela permanência na UE se a alternativa for a saída sem acordo e que o partido terá de decidir de forma democrática a sua posição noutro cenário. Corbyn é eurocético, mas o ministro-sombra do Brexit, Keir Starmer, afirmou na semana passada que o partido não tem dúvidas sobre o tema: "Jeremy Corbyn disse de forma muito clara que qualquer desfecho deve ser sujeito a referendo e que iremos fazer campanha pela permanência."

No discurso realizado em Salford, Manchester, Corbyn acusou Johnson de "ameaçar as pessoas com um Brexit sem acordo se não levar o plano avante no Parlamento".

Boris Johnson escandalizou parte do eleitorado ao alargar a tradicional suspensão do Parlamento, que decorre em setembro, até 14 de outubro, deixando muito pouco tempo para os deputados trabalharem antes da data prevista para o Brexit, 31 de outubro. Ao falar com os ministros na reunião extraordinária, Johnson explicou que os líderes europeus não estão preparados para um novo compromisso enquanto pairar no ar a hipótese de o Parlamento anular o resultado do referendo, disse uma fonte do executivo ao The Guardian.

César Avó | Diário de Notícias

Na foto: Boris Johnson recusou liminarmente a hipótese de pedir mais um adiamento do Brexit | Foto EPA/Neil Hall

Sem comentários:

Mais lidas da semana