Deputados de quase todos os
partidos vão nesta terça-feira, dia da reabertura do Parlamento, tentar
controlar a agenda e impedir, através de legislação, uma saída sem acordo. Além
do mais vincula o primeiro-ministro a pedir mais um adiamento do Brexit se não
houver acordo. A resposta de Boris Johnson será pedir eleições antecipadas.
Boris Johnson recebeu na segunda-feira
os deputados conservadores nos jardins de Downing Street e, dentre estes, os
ministros para uma reunião extraordinária do conselho. Ao longo das horas que
antecederam estes encontros, surgiram ameaças a quem se juntasse aos partidos
da oposição para legislar contra um Brexit sem acordo. Primeiro de expulsão do
Partido Conservador, mais tarde de exclusão das listas nas próximas eleições.
No final, o primeiro-ministro sai à rua e, numa mensagem que deveria ser
endereçada ao país, é na realidade dirigida aos colegas de partido.
O chefe do governo, com uma
maioria na Câmara dos Comuns de apenas um deputado, e ciente de que pelo menos
21 parlamentares conservadores estão contra uma saída desordenada da União
Europeia, disse não acreditar que haja colegas a votar "ao lado de Jeremy
Corbyn a favor de mais um adiamento inútil". "Mas se o fizerem",
prosseguiu com um ruído de fundo de manifestantes que gritavam "Stop the
coup!" (parem o golpe), "vão claramente cortar as pernas à posição do
Reino Unido e tornar qualquer negociação adicional absolutamente
impossível."
Também reiterou que não aceita a
ideia de adiar a data de saída: "Quero que todos saibam que em
circunstância alguma irei pedir a Bruxelas um adiamento. Sairemos no dia 31 de
outubro, sem dúvidas."
Desta forma, o líder tory passou
a responsabilidade do que vier a acontecer para os parlamentares colegas de
partido.
Durante o dia, o ex-ministro das
Finanças Philip Hammond, em nome de 21 deputados, escreveu uma carta a requerer
respostas a Johnson sobre a estratégia das negociações com a UE, e em
particular que evolução existiria.
Não se conhece resposta do
primeiro-ministro à carta e uma reunião com este grupo foi cancelada.
Ao final da noite, o site BuzzFeed garantia que pelo menos dez deputados
conservadores vão votar contra o partido para os parlamentares ganharem
controlo da agenda e criarem legislação contra o no deal. Outros três
manifestaram indecisão e oito não responderam.
As ameaças de Boris Johnson aos
colegas não caíram bem junto da ministra do Trabalho e das Pensões, Amber Rudd.
"Fui muito clara com o primeiro-ministro. "Não devemos ser um partido
que tenta expulsar do nosso partido dois antigos chanceleres, vários
ex-ministros. A forma de manter o nosso partido unido e conseguir um acordo é
trazê-los para junto de nós e explicar-lhes o que estamos a tentar fazer e
porquê", disse à The Spectator.
Moção para dissolver o Parlamento
Ao reafirmar ao país irá cumprir
o Brexit no dia 31 de outubro, "aconteça o que acontecer", a sua
estratégia colide com a Câmara dos Comuns: ou é o governo que controla o
processo ou são os deputados, pelo que, apesar de ter dito e redito à porta do
n.º 10 de Downing Street que não quer eleições, nem uma hora se passou do
discurso e já fontes do governo confirmavam esse cenário. Ou seja, nesta
terça-feira vai ser apresentada uma moção para dissolver o Parlamento. Esta
irá a votos na quarta-feira caso o projeto de lei dos deputados que estão
contra a saída sem acordo seja aprovado.
O projeto de lei foi anunciado pelo deputado trabalhista
Hillary Benn. "Dá tempo ao governo para chegar a um novo acordo com a
União Europeia na reunião do Conselho Europeu do próximo mês ou para obter o
consentimento específico do Parlamento para deixar a UE sem acordo. Contudo, se
nenhuma destas duas condições tiver sido cumprida até 19 de outubro - ou seja,
no dia seguinte ao da conclusão da reunião do Conselho Europeu -, o
primeiro-ministro deve enviar uma carta ao presidente do Conselho a solicitar
uma prorrogação do artigo 50.º", explicou Benn no Twitter. O projeto prevê
um pedido de extensão da saída do Reino Unido para 31 de janeiro de 2020.
Segundo fontes oficiais, o
governo quer realizar as eleições no dia 14 de outubro, uma segunda-feira. No
entanto, a data das eleições é meramente indicativa e o chefe do executivo tem
a prerrogativa de alterá-las, desde que cumpra o mínimo de 25 dias úteis desde
a aprovação. Por isso, durante a segunda-feira, vários deputados trabalhistas
mostraram-se céticos quanto à ideia de aprovar a moção de eleições antecipadas,
como é o caso de Hillary Benn.
À jornalista da Sky News Kate
McCann, um trabalhista disse que há pelo menos 40 deputados em 650 contra a
realização de eleições. Para a moção ser aprovada é necessário dois terços de
votos favoráveis. Dito de outra forma, para bloquear novas eleições terá de
haver 206 votos contra.
No entanto, o seu líder, Jeremy
Corbyn, que há meses pede eleições antecipadas, ficaria numa situação pouco
sustentável se agora se mostrasse contra o escrutínio. Aliás, logo na
segunda-feira à noite, o trabalhista afirmou num comício: "Ficarei
encantado quando as eleições chegarem. Estou pronto, vocês estão prontos, nós
estamos prontos e vamos ganhar."
Corbyn admite mudar de posição
Surpreendentes foram as
declarações do líder do Labour de manhã. Segundo a Bloomberg, questionado se
num segundo referendo poderia fazer campanha pelo Brexit, afirmou que o partido
só pode lutar sem dúvidas pela permanência na UE se a alternativa for a saída
sem acordo e que o partido terá de decidir de forma democrática a sua posição
noutro cenário. Corbyn é eurocético, mas o ministro-sombra do Brexit, Keir
Starmer, afirmou na semana passada que o partido não tem dúvidas sobre o tema:
"Jeremy Corbyn disse de forma muito clara que qualquer desfecho deve ser
sujeito a referendo e que iremos fazer campanha pela permanência."
No discurso realizado em Salford,
Manchester, Corbyn acusou Johnson de "ameaçar as pessoas com um Brexit sem
acordo se não levar o plano avante no Parlamento".
Boris Johnson escandalizou parte
do eleitorado ao alargar a tradicional suspensão do Parlamento, que decorre em
setembro, até 14 de outubro, deixando muito pouco tempo para os deputados
trabalharem antes da data prevista para o Brexit, 31 de outubro. Ao falar com
os ministros na reunião extraordinária, Johnson explicou que os líderes
europeus não estão preparados para um novo compromisso enquanto pairar no ar a
hipótese de o Parlamento anular o resultado do referendo, disse uma fonte do
executivo ao The Guardian.
César Avó | Diário de Notícias
Na foto: Boris Johnson recusou
liminarmente a hipótese de pedir mais um adiamento do Brexit | Foto EPA/Neil Hall
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