Quem o diz é o economista Carlos
Rosado de Carvalho, que defende que receitas das privatizações deviam também
ser canalizadas para reduzir a dívida pública. Governo angolano vai privatizar
195 empresas públicas até 2022.
Em Angola, um decreto
presidencial publicado no passado dia 5 de agosto dá conta da privatização de
195 empresas estatais até 2022. Destas, 175 serão alienadas através do sistema
de concurso público, 11 por leilão em bolsa e nove através de oferta pública inicial.
Entre as empresas que constam
desta lista estão algumas das grandes referências empresariais do panorama
económico do país, como a petrolífera Sonangol, a a transportadora aérea
nacional TAAG ou a empresa nacional de exploração e comercialização de diamantes
Endiama. Como avançou o mês passado o jornal Expansão, a primeira a
avançar para a bolsa de valores, ainda este ano, será a ENSA Seguros. Está
ainda prevista para 2019 a
abertura de concursos para outras 80 instituições.
Em entrevista à DW África, o analista
angolano Carlos Rosado de Carvalho nota que "o timing do ponto de vista de
mercado não é o melhor", dado a crise económica que o país atravessa, mas
mostra-se otimista em relação a este que é um programa "muito
concreto", nunca antes visto em Angola.
DW África: Como olha para esta
extensa lista de empresas estatais? Estamos perante empresas atrativas para o
investidor estrangeiro?
Carlos Rosado de Carvalho
(CRC): Em primeiro lugar, acho que é muito importante a circunstância de
que temos, finalmente, um Programa de Privatizações e não é um programa vago. É
um programa muito concreto, que enumera as empresa, enumera as participações,
os ativos que estão para ser vendidos, põe datas, não diz dias, nem meses, mas
põe anos de privatização, e portanto, isso é muito importante. Nunca tivemos
nada semelhante em Angola.
Infelizmente, acho que a
oportunidade, do ponto de vista de mercado, provavelmente não é a melhor.
Todos sabemos que o país está em crise, o capital não abunda e sabemos que
Angola não tem sido capaz de atrair o investimento estrangeiro, portanto, o timing provavelmente
não é o melhor, mas imagino também que o plano seja flexível e que,
se as condições de mercado não se proporcionarem, não virá mal ao mundo se
alguns processos forem adiados por uma ou outra razão. Efetivamente há
aqui uma dose de coragem. Diria que passamos quase do oito para o 80,
antigamente era tudo público e, no futuro, será praticamente tudo privado.
DW África: A precisarem de
reestruturações estas empresas estarão aptas a serem privatizadas em 2022 ou
este será um timing apertado?
CRC: São quatro anos e quase
200 empresas. Estamos a falar de 50 empresas por ano e, praticamente, de uma
privatização por semana. Portanto, é muita empresa a ser vendida num curto
espaço de tempo. Mas eu vejo este programa como um programa indicativo e nem todas
as empresas precisam de reestruturação. Dentro das 195, há muitas que
são meras participações. Nós temos que primeiro limpar a casa, neste caso
reestruturar as empresas, porque há ainda um aspeto fundamental que é o encaixe
para o Estado. O Estado não pode privatizar por tuta e meia.
DW África: Segundo o decreto
presidencial, 175 destas empresas irão a concurso público. Como referiu, este é
um programa "concreto nunca antes visto em Angola" e por isso,
e atendendo ao histórico do país em termos de adjudicações diretas,
podemos dizer que estamos perante um programa mais transparente?
CRC: No papel estamos. Mas,
embora não houvesse um programa tão completo, as anteriores privatizações
também falavam em concurso público, que era a regra, a exceção eram os ajustes
diretos. Mas o que percebemos é que a exceção tornou-se regra. Enfim, temos
esperança que não seja assim e que se cumpra aquilo que foi afirmado porque,
para todo este processo, é essencial a transparência. Uma das coisas que falta,
eu acho, é que estamos a fazer um novo processo, mas não fizemos o balanço dos
anteriores e é sabido que não só muitas das empresas foram privatizadas por
ajuste direto, como também sabemos que muitas delas não foram pagas, e por isso
espero que desta vez corra melhor. Acredito que sim, porque o governo nunca se
expôs tanto.Vai ser possível monitorizar melhor todo o processo.
DW África: Os sindicatos têm-se
mostrado receosos quanto ao número de desempregados que deste processo pode
resultar. É uma preocupação válida?
CRC: Eu acho que
eventualmente no curto prazo isso pode acontecer. São conhecidas as empresas,
dou o exemplo concreto da TAAG. Toda a gente fala que a TAAG tem excesso de
trabalhadores, a própria Sonangol terá excesso de pessoas. E, portanto, creio
que, no curto prazo, muitas das empresas que vão ser adquiridas, não sei se
antes se depois da privatização, idealmente antes, precisam de ser
reestruturadas. Reestruturação implica em muitos casos dor, e eventuais
despedimentos. A esperança toda é que o novo modelo de desenvolvimento da
economia, assente no setor privado, possa acelerar o crescimento da economia e
criar mais emprego.
DW África: Segundo o Governo, as
receitas do Programa de Privatizações (PROPRIV) deverão ser canalizadas para o
financiamento de programas. Estes programas já são conhecidos? A seu ver, são
também concretos como o das privatizações?
CRC: Ao contrário do
Programa de Privatizações, este é muito vago. A única coisa que se diz é
Programas de Fomento do Desenvolvimento Económico, aí cabe tudo. Eu acho que
devia fazer parte também do destino das receitas a redução da dívida pública, e
portanto, dito assim – fomento do desenvolvimento económico – toda a gente esta
de acordo, isto quer dizer tudo e não quer dizer nada. É importante que não
apenas o processo de privatização seja transparente mas que depois o destino a
dar a dinheiro também seja. Eu acho que é um dos pontos fracos aqui deste
programa que é, deste ponto de vista da aplicação das receitas das
privatizações, é muito vago.
Raquel Loureiro | Deutsche Welle
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