sexta-feira, 4 de outubro de 2019

Governo angolano apresenta programa de privatizações "nunca" antes visto no país


Quem o diz é o economista Carlos Rosado de Carvalho, que defende que receitas das privatizações deviam também ser canalizadas para reduzir a dívida pública. Governo angolano vai privatizar 195 empresas públicas até 2022.

Em Angola, um decreto presidencial publicado no passado dia 5 de agosto dá conta da privatização de 195 empresas estatais até 2022. Destas, 175 serão alienadas através do sistema de concurso público, 11 por leilão em bolsa e nove através de oferta pública inicial.

Entre as empresas que constam desta lista estão algumas das grandes referências empresariais do panorama económico do país, como a petrolífera Sonangol, a a transportadora aérea nacional TAAG ou a empresa nacional de exploração e comercialização de diamantes Endiama. Como avançou o mês passado o jornal Expansão, a primeira a avançar para a bolsa de valores, ainda este ano, será a ENSA Seguros. Está ainda prevista para 2019 a abertura de concursos para outras 80 instituições.

Em entrevista à DW África, o analista angolano Carlos Rosado de Carvalho nota que "o timing do ponto de vista de mercado não é o melhor", dado a crise económica que o país atravessa, mas mostra-se otimista em relação a este que é um programa "muito concreto", nunca antes visto em Angola.


DW África: Como olha para esta extensa lista de empresas estatais? Estamos perante empresas atrativas para o investidor estrangeiro?

Carlos Rosado de Carvalho (CRC): Em primeiro lugar, acho que é muito importante a circunstância de que temos, finalmente, um Programa de Privatizações e não é um programa vago. É um programa muito concreto, que enumera as empresa, enumera as participações, os ativos que estão para ser vendidos, põe datas, não diz dias, nem meses, mas põe anos de privatização, e portanto, isso é muito importante. Nunca tivemos nada semelhante em Angola.

Infelizmente, acho que a oportunidade, do ponto de vista de mercado, provavelmente não é a melhor. Todos sabemos que o país está em crise, o capital não abunda e sabemos que Angola não tem sido capaz de atrair o investimento estrangeiro, portanto, o timing provavelmente não é o melhor, mas imagino também que o plano seja flexível e que, se as condições de mercado não se proporcionarem, não virá mal ao mundo se alguns processos forem adiados por uma ou outra razão. Efetivamente há aqui uma dose de coragem. Diria que passamos quase do oito para o 80, antigamente era tudo público e, no futuro, será praticamente tudo privado.

DW África: A precisarem de reestruturações estas empresas estarão aptas a serem privatizadas em 2022 ou este será um timing apertado?

CRC: São quatro anos e quase 200 empresas. Estamos a falar de 50 empresas por ano e, praticamente, de uma privatização por semana. Portanto, é muita empresa a ser vendida num curto espaço de tempo. Mas eu vejo este programa como um programa indicativo e nem todas as empresas precisam de reestruturação. Dentro das 195, há muitas que são meras participações. Nós temos que primeiro limpar a casa, neste caso reestruturar as empresas, porque há ainda um aspeto fundamental que é o encaixe para o Estado. O Estado não pode privatizar por tuta e meia.

DW África: Segundo o decreto presidencial, 175 destas empresas irão a concurso público. Como referiu, este é um programa "concreto nunca antes visto em Angola" e por isso, e atendendo ao histórico do país em termos de adjudicações diretas, podemos dizer que estamos perante um programa mais transparente?

CRC: No papel estamos. Mas, embora não houvesse um programa tão completo, as anteriores privatizações também falavam em concurso público, que era a regra, a exceção eram os ajustes diretos. Mas o que percebemos é que a exceção tornou-se regra. Enfim, temos esperança que não seja assim e que se cumpra aquilo que foi afirmado porque, para todo este processo, é essencial a transparência. Uma das coisas que falta, eu acho, é que estamos a fazer um novo processo, mas não fizemos o balanço dos anteriores e é sabido que não só muitas das empresas foram privatizadas por ajuste direto, como também sabemos que muitas delas não foram pagas, e por isso espero que desta vez corra melhor. Acredito que sim, porque o governo nunca se expôs tanto.Vai ser possível monitorizar melhor todo o processo.

DW África: Os sindicatos têm-se mostrado receosos quanto ao número de desempregados que deste processo pode resultar. É uma preocupação válida?

CRC: Eu acho que eventualmente no curto prazo isso pode acontecer. São conhecidas as empresas, dou o exemplo concreto da TAAG. Toda a gente fala que a TAAG tem excesso de trabalhadores, a própria Sonangol terá excesso de pessoas. E, portanto, creio que, no curto prazo, muitas das empresas que vão ser adquiridas, não sei se antes se depois da privatização, idealmente antes, precisam de ser reestruturadas. Reestruturação implica em muitos casos dor, e eventuais despedimentos. A esperança toda é que o novo modelo de desenvolvimento da economia, assente no setor privado, possa acelerar o crescimento da economia e criar mais emprego.

DW África: Segundo o Governo, as receitas do Programa de Privatizações (PROPRIV) deverão ser canalizadas para o financiamento de programas. Estes programas já são conhecidos? A seu ver, são também concretos como o das privatizações?

CRC: Ao contrário do Programa de Privatizações, este é muito vago. A única coisa que se diz é Programas de Fomento do Desenvolvimento Económico, aí cabe tudo. Eu acho que devia fazer parte também do destino das receitas a redução da dívida pública, e portanto, dito assim – fomento do desenvolvimento económico – toda a gente esta de acordo, isto quer dizer tudo e não quer dizer nada. É importante que não apenas o processo de privatização seja transparente mas que depois o destino a dar a dinheiro também seja. Eu acho que é um dos pontos fracos aqui deste programa que é, deste ponto de vista da aplicação das receitas das privatizações, é muito vago.

Raquel Loureiro | Deutsche Welle

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