Não estamos aqui perante um mero
negócio, ou uma simples questão económica. A comunicação social, nunca é demais
sublinhá-lo, funciona como o principal alimento das formas de pensar e de agir.
Fernando Correia | AbrilAbril |
opinião
A eventual compra da Media
Capital, proprietária da TVI, pela Cofina, comandada por Paulo Fernandes,
dona do Correio da Manhã e da CMTV, constituirá uma gravíssima
alteração na já de si altamente preocupante situação da propriedade dos media em
Portugal, caracterizada pela concentração num reduzido número de grupos
económicos ligados ao grande capital, com larga participação da banca.
Não estamos aqui perante um mero
negócio, ou uma simples questão económica. A comunicação social, nunca é demais
sublinhá-lo, funciona como o principal alimento das formas de pensar e de agir,
independentemente, em muitos casos, dos níveis de educação e cultura, até por
vezes de presumidos níveis de politização.
E deve cada vez mais ter-se em
conta que a influência ideológica dos media, potenciada pelas novas
tecnologias da informação e da comunicação (também elas manobradas, e de que
maneira, pelos interesses do grande capital) assume um papel muitas vezes
subestimado ou mesmo interessadamente esquecido.
O novo conglomerado
O campo de actividades do novo
conglomerado não se limita estritamente à comunicação e à informação
propriamente ditas. Vejamos os principais activos em causa.
Media Capital:
TVI, TVI24, TVI Ficção, TVI
Reality, TVI África, TVI Internacional, Rádio Comercial, M80, Rádio
Cidade, Smooth FM, Vodafone FM, www.maisfutebol.iol.pt, iol.pt,
Plural Entertainment (produtora, nomeadamente, de telenovelas), Empresa de
Meios Audiovisuais, Empresa Portuguesa de Cenários.
Cofina:
CMTV, Correio da Manhã, Record, Jornal
de Negócios, Destak, Sábado, Máxima, TV Guia, mundouniversitario.pt, www.flash.pt, passatempos.xl.pt. E também a
VASP-distribuição de Publicações, SA (33,33%), pertencendo os outros dois
terços, em partes iguais, a dois grandes grupos do sector – a Impresa (de
Francisco Balsemão) e a Global (dos chineses – de Macau – da KNJ).
A VASP dedica-se a «distribuir e
comercializar publicações jornalísticas e editoriais, mediação de jogos sociais
da Santa Casa da Misericórdia, comercialização e distribuição de produtos de
saúde e farmacêuticos, prestação de todos os serviços de pagamento permitidos
por Lei às instituições de pagamento, distribuição, comercialização e fornecimento
de outros bens e serviços», e ainda ao «exercício de qualquer outra actividade
comercial ou industrial de qualquer natureza».
Segundo noticiou há semanas
o Jornal Económico (JE), «o grupo que nascer da fusão entre a Cofina
e a Media Capital será o principal player nos media em
Portugal, com um volume de negócios anual combinado superior a 270 milhões de
euros (contra 170 milhões da Impresa, dona da SIC e do Expresso)
e presença em todos os segmentos: imprensa diária generalista, económica e
desportiva, revistas, televisão, rádio e produção de conteúdos de ficção e
entretenimento».
Diz a mesma notícia: «Ao que
o JE apurou, a expectativa da Cofina é que, se a fusão avançar, os
reguladores não obriguem a vender algumas das marcas dos dois grupos, por
questões de concorrência. Se assim fosse, a SIC não poderia manter
a SIC Notícias e outros canais», argumentou uma das fontes contactadas
pelo JE, referindo «a possibilidade de o regulador impor como
"remédio" a venda de activos da Cofina ou da Media Capital, bem como
a possibilidade de estas alienações se tornarem necessárias para financiar a
própria operação».
Acrescentava o JE: «É neste
contexto que a empresa que o director do Correio da Manhã, Octávio
Ribeiro, criou no ano passado, juntamente com outros jornalistas seniores do
grupo Cofina, é vista no mercado como potencial compradora da Presslivre, a
subholding dona do CM e da CM TV, no âmbito de uma operação que
seria financiada por um investidor externo».
«Um autêntico doce»
Foi no início deste ano que
vieram a público na imprensa as manifestações de interesse da Cofina no
negócio. Mas as notícias então surgidas não constituíram propriamente uma
surpresa para quem acompanhava a evolução no sector, estreitamente ligada à
política de recuperação capitalista, também nos media, protagonizada pelos
governos de direita nomeadamente a partir do final da década de 80.
Paulo Fernandes1, rei
do eucalipto e da pasta de papel2,
teve o mérito de avançar mais depressa do que outros. Interrogado há década e
meia (ver Elsa Costa e Silva, Os Donos da Notícia, Porto Editora, 2004,
pp. 167-174) acerca das razões que o tinham levado a alargar as suas
actividades da indústria para os media, disse:
«Porque o sector dos media é
mais muito mais atractivo que o sector da indústria. A indústria é um sector
muito mais globalizado e competitivo, com margens muito mais apertadas que o
sector de serviços. O sector dos serviços é um sector em crescimento, porque as
pessoas têm cada vez mais interesse pela leitura, pelos tempos livres. Também
porque o investimento em publicidade tem tendência a crescer mais que o
produto, enquanto que nos produtos industriais há uma tendência para a
deslocalização, para a produção em sítios mais marginais, que têm os custos de
produção muito mais baixos, o que torna as margens nesses produtos menos
interessantes. (…). Acho que é mais fácil criar valor nos serviços do que na
indústria. Os media foram uma oportunidade que nos apareceu, é um
sector bastante atraente porque exige muito menos investimento de reposição.
Nos media é possível crescer facilmente sem grandes investimentos.
Nos media, tal como nós fazemos aqui na imprensa. Nós estamos na cadeia de
mais valor acrescentado, que é a criação de conteúdos. Não temos nem gráfica
nem distribuidora».
A imprensa é rentável?
«A imprensa é muito rentável,
escandalosamente rentável. O pior é que há pessoas que não sabem fazer imprensa
e têm tendência para generalizar a situação deles para a situação do negócio. O
negócio é francamente bom. Para quem vem de indústrias e de negócios com
margens apertadas e onde é sempre preciso estar a controlar custos, este
negócio é um autêntico doce».
Referindo-se à compra do Correio
da Manhã, por cerca de 50 milhões de euros, em 2000, afirmava: «Foi um
excelente negócio, mesmo tendo em conta o preço que se pagou. Foi um preço
alto, porque estávamos na altura em que os media estavam
inflacionados, mas as melhorias que conseguimos obter na gestão superaram as
nossas expectativas em relação à avaliação que tínhamos feito».
Ainda Paulo Fernandes, franco e
claro:
«Nós vivemos numa sociedade
concorrencial, capitalista, que premeia os que são mais competitivos e mais
capazes e os que são menos eficientes vão sair do mercado. (...) O mercado é
que tem de encontrar a sua solução».
Conclusão
Uma decisão favorável à compra da
Media Capital pela Cofina colocaria ostensivamente em causa – dado o perfil
editorial, nomeadamente, da entidade compradora e o poder de intervenção do
novo grupo resultante – a diversidade, isenção e pluralismo, desde logo nos
campos político e social, assim como na defesa da promoção da educação, da
cultura e da cidadania.
A operação não é criticável por
constituir uma alteração à identidade programática das duas empresas, mas
precisamente por significar um reforço das características, princípios e linhas
orientadoras das duas operadoras, nomeadamente da dominante.
A estranha e criticável recente
decisão favorável ao negócio por parte da Entidade Reguladora para a
Comunicação Social (ERC)3 –
apesar do voto contra, que se regista e saúda, do vice-presidente, Mário
Mesquita4 –
não encerra o assunto. Cabe agora a palavra à Autoridade da Concorrência.
Notas:
1.Paulo
Fernandes é considerado, pelo Jornal de Negócios, em 17.º lugar entre «Os mais poderosos de 2019» em Portugal.
Além da Cofina, detém a Altri (papel) e a Ramada (aços, antiga F. Ramada). O
seu património é avaliado em «Les barons de la bourse», no sítio Zonebourse, em
208 milhões de dólares americanos.
2.A
Altri, conglomerado de Paulo Fernandes para os negócios da pasta de papel e da
energia (a partir de biomassa), é um dos dois gigantes nacionais do sector –
sendo o outro a Navigator. Segundo o Jornal de Negócios, «a Altri registou em 2018 um resultado líquido de 194,5 milhões
de euros, o que revela um crescimento de 102,5% face aos 96,1 milhões de lucros
conseguidos no ano anterior», consolidando e desenvolvendo os já elevados
resultados do primeiro semestre (77,6% de crescimento a 2017). Segundo o
relatório de 2018, publicado na CMVM, entre as empresas detidas pela
Altri encontram-se as produtoras de pasta de papel Celbi, Caima e Celtejo.
Esta, situada em Vila Velha de Ródão, foi protagonista em 2018 de um dos mais
sérios episódios de poluição ambiental no rio Tejo, o qual teve de ser
resolvido a expensas do da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e da Empresa
Portuguesa das Águas Livres (EPAL), como na altura foi denunciado pela comissão de trabalhadores da EPAL.
4.Mário
Mesquita explicitou o seu voto: «Votei contra a deliberação do Conselho
Regulador da ERC de não se opor à operação de concentração que se traduz na
aquisição pela Cofina do grupo Media Capital SGPS», referiu Mário Mesquita na
sua declaração de voto, disponibilizada no sítio do regulador. «Em meu
entender, a operação da Cofina comporta um sério risco de diminuir o pluralismo
jornalístico e a diversidade de opiniões nos media em Portugal», explica Mário
Mesquita, que salienta que «a análise da programação da TVI e, especialmente,
da CMTV nos relatórios de avaliação da ERC (citem-se, por todos, os de 2018)
mostram à evidência o risco de aumentar a uniformidade na programação e na
informação, com prejuízo para o pluralismo e diversidade na paisagem mediática
portuguesa». Ver «Negócio Cofina/Media Capital: Mário Mesquita considera que
operação põe em causa pluralismo», em Diário de Notícias, 31 de
Outubro de 2019.
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